quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Fato e Versão em política

Fato e Versão em política
É comum se dizer que, em política, a versão vale mais que o fato. A questão é: por qual motivo?
Se pensarmos no período pós-Guerra esta situação teve relação direta com o processo de urbanização acelerado. As massas urbanas, fenômeno do século XX, se inseriram na lógica política a partir do voto e, principalmente, dos benefícios públicos oriundos da vida nas cidades: acesso a serviços públicos, à moradia e ao emprego com segurança.


No meio do caminho, uma relação entre o coronelismo e a relação tradicional, fincada na fidelidade e troca de favores. Assim, o discurso e as promessas apareciam como algo muito mais significativo que o fato em si (ou o real benefício que emergia do voto popular).


Alguns autores chegaram a formular uma teoria focada no conceito de populismo (Octávio Ianni e Francisco Weffort foram dois autores que se destacaram nesta análise) para expressar a relação direta entre liderança carismática - que atrai pela emoção - e as massas urbanas emergentes. Os líderes carismáticos procuram sugerir que foram tocados pela história ou por Deus. São escolhidos. O que, de longe, faz da versão seu poder maior.

Nos anos 1980, contudo, as forças políticas e sociais que desejavam mudanças neste padrão político rasgaram os laços afetivos entre massa e representante. Durou pouco. Já nos anos 1990, tudo voltou ao eixo anterior. Com algumas nuanças inéditas.

A maior delas foi a polarização entre PT e PSDB e um sistema partidário vinculado a esses dois partidos. Americanizamos a política tupiniquim e o marketing político foi acionado para substituir a militância. E a versão ganhou asas.


O quem menos importa, desde então, é o fato. O importante é existir alguma versão a respeito do ocorrido. A versão vira notícia, tema de livro, organiza o embate entre forças políticas, polariza, emociona, gera revolta, opõe os iguais, demonstra astúcia e força, gera orgulho e identidade.


A versão política, assim, é algo próximo daquela máxima "rouba, mas faz". Não interessa o fundo moral que gera a versão. O que interessa é o resultado.
Texto de Rudá Ricci, cientista político, no Blog De esquerda em Esquerda

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