domingo, 11 de outubro de 2015

Não houve pedaladas fiscais. Caixa deveria devolver R$ 141 milhões ao Governo.

Falsos argumentos foram arrolado pelos ministros do TCU. 

Governo federal não fez empréstimos à Caixa. 

Falso brilhante


A operação cênica do Tribunal de Contas da União, encerrada minutos antes de
começar o "Jornal Nacional", merece entrar para a história dos escândalos políticos-
midiáticos. Um órgão de assessoria parlamentar que se passa por corte para, em 
dizeres altissonantes, condenar unanimemente, e em rede de TV, a presidente da 
República por "desgovernança fiscal". Pode ser que o impeachment não prospere 
nunca, mas do ponto de vista ideológico Dilma Rousseff foi impedida na noite de 
quarta (07.10.15).

Os fundamentos objetivos da condenação, no entanto, passam batidos. Desculpe-me
o leitor por obrigá-lo a assunto tão árido, porém não há outro modo de abordar o tema. 
Tomarei apenas um exemplo, referente às supostas "pedaladas fiscais", para indicar 
como as evidências são fracas.

Vazado em linguagem cifrada, o voto do relator busca fixar a ideia de que em 2014
a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) teria sido burlada de maneira criminosa por 
meio das pedaladas. 
Como prova, menciona-se a páginas tantas que as contas relativas à Bolsa Família,
ao Seguro Desemprego e ao Abono Salarial, gerenciadas pela Caixa Econômica Federal 
(CEF), teriam ficado negativas em 59% dos dias daquele ano.

O TCU considera que, ao deixar no vermelho o saldo dos referidos pagamentos, a União
estaria usando dinheiro emprestado da CEF, o que seria proibido pela LRF. Com efeito, 
produzida, entre outras coisas, para conter o uso dos bancos públicos, ela proíbe que 
o Estado receba crédito de  casa bancária por ele controlada.

Ocorre que a resposta do Advogado-Geral da União, neste particular, foi precisa.
Na defesa oral apresentada perante os ministros, Luís Inácio Adams lembrou que, ao 
final de 2014, o Tesouro tinha a receber da CEF 141 milhões de reais. Onde já se viu 
tomador de empréstimo receber em lugar de pagar dívida contraída?

A charada se resolve se pensarmos que não houve empréstimo algum. Os ministérios
têm um contrato de serviço com a CEF, que administra as sobrecitadas contas. Nos dias 
em que ela fica negativa, produz-se um haver em favor do banco, quando positiva, 
em favor do Tesouro, procedendo-se a um ajuste entre uns e outros. No caso de 2014, 
quem devia era a Caixa e não 
a presidente. Onde o crime, então?

A imprensa, se quiser prestar um serviço à democracia, tem a obrigação de destrinchar
o que está contido nas milhares de páginas oficiais escritas sobre o caso. Diferentemente 
dos episódios de corrupção, tudo está à mostra e pode-se chegar a conclusões claras.

Ao governo cabe promover ampla campanha de esclarecimento. Se não o fizer, deixará
o principal argumento pró-impeachment tomar conta do público por mera repetição.

André Singer é cientista político. Publicado na Folha de S. Paulo, em 11.10.2015.

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