Informação foi apresentada durante o terceiro dia de debates do Seminário Legislativo Águas de Minas.
Atualmente o Brasil registra um índice de 37% de perda da água em seu serviços de abastecimento. Também 37% dos domicílios brasileiros deixam de ser atendidos pelo fornecimento de água pelo menos uma vez ao mês. Esses números foram apresentados, nesta quinta-feira (1º/10/15), pelo diretor do Departamento de Articulação Institucional da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Ernani Ciríaco de Miranda, durante o terceiro dia de debates do Seminário Legislativo Águas de Minas III – Desafios da Crise Hídrica e a Construção da Sustentabilidade. Os debates acontecem no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e encerram-se nesta sexta-feira (2/10).
Ernani Miranda abriu as palestras do painel "Saneamento e saúde". Ele informou que, em 2013, 95% dos domicílios brasileiros tinham acesso à água, considerando acesso à rede e oferecimento de condições individuais adequadas. Em Minas Gerais, esse índice é de 98%, com a quase universalização no serviço. No entanto, o representante do Ministério das Cidades afirmou que, em relação ao acesso ao esgoto, os índices são inferiores. No Brasil, esse dado é de 76%, mas quando se considera o tratamento de esgoto, esse número é ainda menor. Segundo Ernani Miranda, o índice de esgoto coletado e tratado é de 56% no País e a meta é chegar a 69% em 2018.
Além de vencer as perdas elevadas de água no sistema de abastecimento, Ernani Miranda defendeu a necessidade de manter fontes de recursos específicos, dobrando o atual patamar de investimentos, de modo a garantir de R$ 18 bilhões a R$ 20 bilhões ao ano para alcançar as metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Outro desafio é a elaboração de planos municipais e estaduais de saneamento básico. De acordo com ele, apenas 20% dos municípios têm esses planos, que auxiliam no planejamento e oferecimento do serviço.
Já o diretor da Agência Reguladora do Serviço de Abastecimento de Água e Esgoto Sanitário do Estado (Arsae-MG), Hubert Brant Moraes, disse que o ano de 2007 foi um divisor de águas no setor de saneamento, já que a Lei Federal 11.445 passou a estabelecer uma política federal com diretrizes para prestação do serviço. Ele explicou que antes desse marco regulatório, os prestadores definiam tarifas, prazos, metas e regras. "O novo arcabouço legal definiu os novos paradigmas para o setor", reforçou. Ele disse que o objetivo das agências é facilitar o acesso da sociedade à prestação do serviço.
O idealizador do Projeto Manuelzão e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Apolo Heringer Lisboa, alertou que o espelho d´água mostra a cara da sociedade, já que a bacia hidrográfica recebe tudo o que está em volta, como erosão e resíduos. Ele criticou a canalização de córregos e defendeu a criação de parques ciliares ao longo da rede hidrográfica, com vegetação nativa.
Apolo também fez pontuações e questionamentos relativos aos lobbies do saneamento e o motivo pelo qual o Ministério da Saúde tem esse nome se saúde não é basicamente uma questão médica, na sua avaliação. Ele ainda questionou o motivo pelo qual as empresas de saneamento podem lançar esgotos nos rios sem tratamento adequado, sem serem multadas. “O saneamento não é apenas água, mas é solo, o ar e os alimentos”, disse.
Atividade minerária gera controvérsia
No segundo painel da manhã - "Atividade Minerária, Indústria e Energia" -, a atividade minerária foi criticada pelas representantes de movimento pela preservação das serras e águas e pela antropóloga e professora da UFMG Andréa Zhouri Laschefski. Do outro lado, o representante da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) defendeu a atividade industrial e mineral.
A representante do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela e do Movimento pelas Serras e Águas de Minas, Maria Teresa Viana Freitas Corujo (Teca), alertou que a água é um bem e não apenas um recurso ou insumo. Ela citou alguns exemplos de atividade minerária com grandes impactos ambientais em cidades como Paracatu, Congonhas, Itabira, Santa Bárbara, Raposos e Rio Acima. De acordo com ela, a população de alguns desses municípios está sofrendo com a falta de água. Ao final de sua fala, ressaltou que Minas Gerais não é só mineração, mas um território de muitas opções e possibilidades.
A coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta-UFMG), Andréa Zhouri Laschefski, também criticou a atividade minerária e disse que hoje existem mais de 500 conflitos ocasionados pelas atividades de mineração, produção energética e agronegócio. Ela também alertou sobre o uso da água em minerodutos, em detrimento do abastecimento da população. “Isso é colonial, perverso e desigual”, disse. “Não existe escassez hídrica, ela foi historicamente construída”, completou.
Contraponto - Já o gerente de Meio Ambiente do Sistema Fiemg e vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Wagner Soares Costa, defendeu a produção industrial e apresentou dados informando que a atividade de mineração ocupa menos de 2% do território do Estado e que as mineradoras reutilizam 80% de sua água. Ele informou ainda que existem três minerodutos operando em Minas Gerais e apenas 8% do volume de ferro produzido no Estado é transportado por essa via. E disse que 30% do total transportado pelos minerodutos são de água e, “mesmo assim, que já circulou por todo o sistema de produção”.
Para Wagner Costa, um dos maiores desafios do setor é a inovação para aumento da exploração a seco. Ele esclareceu que as obrigações das mineradoras incluem recompor a área minerada após o encerramento das atividades e recompor, no mínimo quatro vezes, a área de vegetação suprimida. Durante sua fala, ele defendeu a produção e o consumo sustentável e que o setor produtivo não foge às suas responsabilidades. Disse ainda que se o consumidor mudar o hábito, o setor produtivo fará as adequações necessárias.
Palestrantes defendem agricultura sustentável
O último painel, que tratou de "Agricultura, pecuária e piscicultura", foi iniciado pelo presidente da Emater-MG, Amarildo José Brumano Kalil. De acordo com ele, 31% do território mineiro é ocupado por pastagens, enquanto 14% é utilizado pela agricultura. Na visão dele, essas atividades rurais podem ser vilãs ou heroínas ambientais, a depender da forma como são praticadas. Ele lembrou, por exemplo, que são atividades que possibilitam que quase 50% do volume de água das chuvas infiltrem e voltem, assim, aos lençóis freáticos e cursos dos rios. Por outro lado, é preciso cultivar de acordo com técnicas que dificultem o escoamento superficial de parte da água, que pode gerar erosões do solo.
Entre as medidas citadas por ele para garantir a preservação ambiental, estão o ordenamento do uso e ocupação do solo de acordo com sua capacidade de suporte e o controle dos focos de poluição, como os causados por agrotóxicos. Kalil afirmou que é preciso incentivar o uso de tecnologias agroecológicas.
O presidente da Emater-MG também falou sobre a necessidade de adoção de técnicas de uso racional da água e lembrou que já existem tecnologias para isso, que teriam reduzido muito a quantidade de água necessária em processos de irrigação. Por fim, mostrou uma ferramenta recém-criada que permite o cruzamento de informações sobre uso do solo com uso da água, outorgas, vazões e outras informações relevantes em um mapa interativo.
O coordenador do Núcleo de Estudos de Planejamento e Uso da Terra da Universidade Federal de Viçosa (Neput-UFV), João Luiz Lani, destacou que é preciso mudar o paradigma atual, de modo a deixar de extrair tudo da natureza e evoluir para uma visão que tenha a ecologia como centro das preocupações. Ele falou, ainda, que é importante basear decisões em fundamentações científicas, e não em suposições. “Dizem que é só plantar árvores que a água aparece, mas isso não é verdade em todas as situações”, afirmou, acrescentando que a atual legislação ambiental é baseada em paradigmas falsos como esse.
Lani disse, também, que as pessoas precisam aguçar sua percepção e aprender com a natureza. “Sempre tivemos carrapichos em nossas calças, mas foi um europeu que veio aqui, viu um carrapicho em sua calça e se inspirou para criar o velcro. Porque não pensamos nisso antes?”, questionou.
Já o consultor da Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), Eduardo Nascimento, fez críticas à gestão dos recursos hídricos pelo Estado. Segundo ele, enquanto um agricultor familiar tem autorização para desmatar dois hectares de mata atlântica para produzir, uma mineradora pode retirar toda a cobertura vegetal. “Enquanto considerarmos água como insumo e não como vida, é isso que vai acontecer sempre, e os estudos ambientais continuarão estudos de quinta categoria”, disse. “É o Estado brasileiro que sustenta esse sistema”, completou.
Nascimento falou, ainda, da violência no campo, que teria resultado no assassinato de mais de 1.500 agricultores nos últimos 20 anos. “A violência é parte constitutiva deste País e é preciso que o Estado tenha coragem de botar freio nisso”, afirmou. Por fim, ele falou que é preciso que o Estado garanta assistência e apoio técnico para os produtores.
Recursos - Os trabalhos da manhã foram coordenados pelos deputados Antônio Carlos Arantes (PSDB) e Iran Barbosa (PMDB). O deputado Antônio Carlos Arantes ressaltou a importância da água para o planeta e criticou a falta de recursos para conservação ambiental e o mau uso do dinheiro público. Ele disse esperar que ações como o Seminário Águas de Minas possam trazer resultados positivos. Já o deputado Iran Barbosa ressaltou a importância do Fundo de Recuperação Proteção e Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado (Fhidro).
Fonte: ALMG
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