Esse convênio, que poderia passar como um a mais entre tantos outros assinados, gerou uma onda de reações que propiciam um diagnóstico social de Brasil e Cuba.
por Emir Sader - doutor em sociologia, da UERJ, em 08/02/2014, publicado na Carta Maior.
“As médicas cubanas parecem empregadas domésticas.” A afirmação, a mais expressiva da onda de expressões de intolerância e de discriminação racista, feita por uma jornalista brasileira de direita, representa, sem perceber, o mais significativo elogio de Cuba.
Diante das necessidades de atendimento médico da população, o governo brasileiro, depois de convocar a médicos brasileiros a ocupar os postos nas regiões do país com mais necessidades e menor atenção, fez um convênio com o governo de Cuba para trazer ao Brasil a profissionais de saúde do país que inquestionavelmente tem uma das melhores, senão a melhor medicina social do mundo. Os extraordinários índices de saúde da população cubana – da mortalidade infantil à expectativa de vida ao nascer -, ainda mais pelo nível de desenvolvimento econômico do pais, confirmam essa avaliação.
Esse convênio, que poderia passar simplesmente como um a mais entre tantos outros assinados entre o Brasil e Cuba, gerou uma onda de reações que propiciam um diagnóstico social de uma e de outra sociedade, inédito e de uma profundidade inesperada. Começando pelos próprios médicos brasileiros, na sua grande maioria formados em universidades públicas – as melhores do país -, mas que não são obrigados a entregar praticamente nenhuma contrapartida à sociedade que os formou, de forma gratuita. Frequentemente concluem seus cursos e abrem consultórios nos bairros melhor situados das grandes cidades brasleiras, para atender a uma clientela de grande poder aquisitivo.
Como resultado, o mapa das doenças do país e a localização dos médicos costuma ser brutalmente desencontrado, praticamente oposto: onde estão as doenças, não estão os médicos; onde estão os médicos, não estão as doenças.
Mesmo assim, depois de se negar a atender a população mais pobre – a grande maioria – tentaram impedir que o governo brasileiro trouxesse médicos de fora do pais – de outros países, alem de Cuba – para atender à população. Fizeram manifestações, criaram situações de constrangimento para os médicos cubanos na sua chegada, anunciaram que fariam campanhas contra a reeleição da Dilma, acreditando dispor de autoridade política com seus pacientes.
A declaração com que começa este artigo se insere nesse cenário de elitismo e de falta de sensibilidade social de médicos brasileiros. A frase, que pretende desqualificar a médicas cubanas, porque no lugar da imagem do médico homem, branco, com fisionomia dos doutores dos filmes de Hollywood, são pessoas nascidas no meio do povo cubano, se revela como um imenso elogio da sociedade cubana e em uma crítica da brasileira. Mulhres de origem humilde, que no Brasil seria empregadas domésticas, em Cuba é normal que possam se formar como médicas e expressar sua solidariedade com outros povos, necessitados dos profissionais que Cuba consegue formar em excesso para as necessidades do seu país.
Essa reversão do sentido da frase se deu também no plano mais geral da sociedade brasileira que, confundida no começo, muito rapidamente reagiu de forma muito positiva, com mais de 80% apoiano a vinda dos médicos cubanos ao Brasil. Pelas necessidades que passaram a ser atendidas por esses médicos, assim como também pela atenção que imediatamente começaram a receber setores populares muito amplos do Brasil, até ali sem nenhuma assistência ou com atenção médica absolutamente precária. Cidades que nunca tinham tido a presença de médicos, em que a população tinha que se deslocar quilômetros de distância para ter uma assistência esporádica, começam a conhecer um direito essencial à atenção médica direta e permanente, graças aos médicos cubanos.
É um programa de saúde pública, mas que encerra em si mesmo uma lição, uma pedagogia política de grande evidência – que é o que mais incomoda à direita brasileira. Pessoal formado em universidades públicas – e em Cuba todas o são – tem que atender prioritariamente as necessidades fundamentais do seu povo, que além de tudo paga os impostos que financiam as universidades públicas, mas que, via de regra, não pode ter seus filhos com acesso a essas mesmas universidades – mais ainda aos cursos de medicina.
O Brasil está avançando como nunca na sua história no combate à desigualdade, à pobreza e à miséria, mas não encontra ainda correspondência nas estruturas educacionais que formam os profissionais de medicina. Daí o apoio de Cuba – que a Dilma agradeceu a Fidel, por ocasião da recente reunião da Celac em Havana, quando se inaugurou a primeira parte do porto de Mariel, que o Brasil constrói na Ilha, colaborando com a ruptura do bloqueio imposto pelos EUA.
Os médicos cubanos são melhores que grande parte dos médicos que o Brasil tem hoje porque – além da sua excelente formação profissional -, são melhores cidadãos, formados por uma sociedade orientada não pela medicina mercantil, mas pelas necessidades reais da população. A vinda dos médicos cubanos permite, como nenhum manual de educação política, esclarecer princípios das sociedades capitalistas – voltadas para os valores de troca – e das sociedades socialistas – voltadas para os valores de uso. Uma atendendo demandas do mercado, a outra, as necessidades das pessoas.
Formados em Cuba lideram no Revalida
Dos 77 aprovados em 2012, 15 vieram da Escola Latino-Americana, cujo currículo é criticado por especialistas. Exame é obrigatório no Brasil.
Bárbara Ferreira Santos - O Estado de S. Paulo
A escola oferece curso de Medicina para estudantes de 113 países, incluindo brasileiros saídos de movimentos populares. A instituição, porém, recebe críticas de especialistas e conselhos de Medicina brasileiros, pois seus profissionais têm de fazer um complemento nos estudos para atuar no sistema de saúde cubano.
Para o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Cid Célio Jayme Carvalhaes, os médicos aprovados no Revalida têm o conhecimento necessário para exercer a profissão no Brasil, apesar das críticas à escola. “Sabemos que, por determinação do governo cubano, os alunos da Elam não podem atuar em Cuba sem o complemento (residência). Mas, se foram aprovados no Revalida, têm o mínimo exigido para atuar no Brasil. Eles passaram, tiveram mérito”, disse.
Quem estudou na Elam e teve seu título aprovado no Brasil diz que não há diferença na prática médica dos dois países. “Mas a gente vê que os formados em Cuba têm um enfoque mais humanitário. Na faculdade, por exemplo, tive uma disciplina específica de Medicina Familiar e Comunitária e atendi os pacientes onde eles precisavam”, afirma a médica paulistana Denise Assumpção do Nascimento, de 32 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário