terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Bastião

Se alguém escreve sobre suas lutas nos bastiões da esquerda, é hora de mudar de leitura. 

 Por Fernando Brant, cronista e compositor

O cientista político, no meio à descrição da vida de determinado governante brasileiro, lembra sua lutas nos bastiões da esquerda. Pronto, é hora de mudar de leitura. Certas palavras têm o poder de me afugentar.
Há quanto tempo não lia ou ouvia tão pomposa palavra. Bastião, como se sabe, é um posto avançado de defesa de um território e, figurativamente, um lutador em prol de uma causa. Mas foi também  moeda de Goa, de 300 réis, cunhada em homenagem a Dom Sebastião, rei de Portugal, que morreu em combate e é esperançosamente aguardado, até hoje, por muitos portugueses. O sebastianismo é uma crença, quase doença, que acomete muitos povos amigos.
Bastião é também personagem do bumba meu boi. E tem a ver com o poeta Tião Nunes, com Sebastião Nuvens e todos os xarás que ele tem no mundo. Aí, eu fui procurar um precioso livro que ganhei em recente visita a Itamarandiba. Trata-se do Dicionário fanadês, jequitinhonhês e mineirês de Carlos Mota.
Fanadês, esclareço, vem do rio Fanado, que corta a cidade de Minas Novas. Fanado quer dizer circuncidado e o rio foi assim chamado pelo bandeirante Sebastião (olhe ele aí outra vez) Leme do Prado que, ao chegar a Minas Novas, encontrou muitos judeus portugueses que, tradicionalmente, circuncidavam seus filhos.
Mas o que eu estava procurando mesmo era mais notícias sobre os tais bastiões. Me empanturrei com minha curiosidade. Reproduzo, pois o livro é raro pelas bandas das metrópoles, o que diz Carlos Mota, que não sei se é parente do Beco do Mota:
“Além de variação de tantos Sebastiões é também sutiã. Certa vez, ao balcão da loja do meu pai, ouvi uma moça da roça me sussurrar: “oi fi, tira pra mim um parapeito”. Não entendi e ela retificou: “quero comprar um bastião.”
Revirei o depósito, não achei nem parapeito nem bastião. Ela, na verdade, queria comprar um sutiã.”  
Os bastiões da esquerda e da direita não passam de suportes que os cronistas políticos, esses enganadores com pose de sábios, desfilam diante de nossos olhos e ouvidos, na ânsia de nos convencer de que eles sabem tudo o que ocorre e ocorrerá na vida política do país. Erram tanto e com a mesma cara de pau dos cronistas esportivos e dos críticos de arte. O certo é que me conforta, mais dos que as muralhas e fortalezas defendidas por divisões militares, a imagem que o menino de Minas Novas via em sua infância. Mulheres lavando roupas dentro do rio, com os peitos à mostra, despidas da cintura para cima. No fim da tarde, quando o calor parecia o destes nossos dias, como quase nenhuma casa possuía chuveiro, quase toda a pequena cidade se mudava para dentro do rio. Homens, mulheres e crianças.
Naqueles bons tempos, bastião era só para os dias de festa.
Esta crônica foi originalmente publicada no jornal Estado de Minas.

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