Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor
Adital
11/03/2013
Cardeais da Igreja Católica
vieram de todas as partes do mundo, cada qual carregando as angústias e as
esperanças de seus povos, alguns martirizados pela Aids e outros atormentados
pela fome e pela guerra. Mas todos mostravam certo constrangimento e até vergonha,
pois vieram à luz os escândalos, alguns até criminosos, ocorridos em muitas
dioceses do mundo, com os padres pedófilos; outros implicados na lavagem de
dinheiro de mafiosos e superricos italianos que para escapar dos duros ajustes
financeiros do governo italiano, usavam o bom nome do Banco Vaticano para
enviar milhões de Euros para a Alemanha e para os USA. E havia ainda escândalos
sexuais no interior da Cúria bem como intrigas internas e disputas de poder.
Face à gravidade da situação, o
Papa reinante sentiu que lhe faltavam forças para enfrentar tão pesada crise e
constatando o colapso de sua própria teologia e o fracasso do modelo de Igreja,
distanciado do Vaticano II, que, sem sucesso, tentou implementar na
cristandade, acabou honestamente renunciando. Não era covardia de um pastor que
abandona o rebanho; mas a coragem de deixar o lugar para alguém mais apropriado
para sanar o corpo ferido da Igreja-instituição.
Finalmente chegaram todos os
Cardeais, alguns retardatários, à sede de São Pedro para elegerem um novo Papa.
Fizeram várias reuniões prévias para ver como enfrentariam este fato inusitado
da renúncia de um Papa e o que fariam com o volumoso relatório do estado
degenerado da administração central da Igreja. Mas em fim decidiram que não
podiam esperar mais e que em poucos dias deveriam realizar o Conclave.
Juntos rezaram e discutiram o
estado da Terra e da Igreja, especialmente a crise moral e financeira que a
todos preocupava e até escandalizava. Consideraram, à luz do Espírito de Deus,
qual deles seria o mais apto para cumprir a difícil missão de "confirmar
os irmãos e as irmãs na fé”, mandato que o Senhor conferira a Pedro e a seus
sucessores e recuperar a moralidade perdida da instituição eclesiástica.
Enquanto lá estavam, fechados e
isolados do mundo, eis que apareceu um senhor que pelo modo de vestir e pela
cor de sua pele parecia ser um semita. Veio à porta da Capela Sistina e disse a
um dos Cardeais retardatários: "posso entrar com o Senhor, pois todos os
Cardeais são meus representantes e preciso urgentemente falar com eles”.
O Cardeal, pensando tratar-se de
um louco, fez um gesto de irritação e disse-lhe benevolamente: "resolva
seu problema com a guarda suíça”. E bateu a porta. Então, este estranho senhor,
calmamente se dirigiu ao guarda suíço e lhe disse: "posso entrar para
falar com os Cardeais, meus representantes”?
O guarda o olhou de cima para
baixo e não acreditando no que ouvira, pediu, perplexo, que repetisse o que
dissera. E ele o fez. O guarda com certo desdém lhe disse: "aqui entram
somente cardeais e ninguém mais”.
Mas esta figura enigmática
insistiu: "eu até falei com um dos Cardeais e todos eles são meus
representantes, por isso, me permito de estar com eles”.
O guarda, com razão, pensou
estar diante de um paranóico destes que se apresentam como Cesar ou Napoleão.
Chamou o chefe da guarda que tudo ouvira. Este o agarrou pelos ombros e lhe
disse com voz alterada: ”Aqui não é um hospital psiquiátrico. Só um louco
imagina que os Cardeais são seus representantes”.
Mandou que o entregassem ao
chefe de polícia de Roma. Lá, no prédio central, repetiu o mesmo pedido:
"preciso falar urgentemente com meus representantes, os Cardeais”. O chefe
de polícia nem se deu ao trabalho de ouvir direito. Com um simples gesto
determinou que fosse retirado. Dois fortes policiais o jogaram numa cela
escura.
De lá de dentro continuava a
gritar. Como ninguém o fizesse calar, deram-lhe murros na boca e muitos socos.
Mas ele, sangrando, continuava a gritar: "preciso falar com meus
representantes, os Cardeais”. Até que irrompeu cela adentro um soldado enorme
que começou a golpeá-lo sem parar até que caísse desmaiado. Depois amarrou-lhe
os braços com um pano e o dependurou em dois suportes que havia na parede. Parecia
um crucificado. E não se ouviu mais gritar: "preciso falar com meus
representantes, os Cardeais”.
Ocorre que este misterioso
personagem não era cardeal, nem patriarca, nem metropolita, nem arcebispo, nem
bispo, nem padre, nem batizado, nem cristão, nem católico. Era um simples
homem, um judeu da Galileia. Tinha uma mensagem que poderia salvar a Igreja e
toda a humanidade. Mas ninguém quis ouvi-lo. Seu nome é Jeshua.
Qualquer semelhança com Jesus de
Nazaré, de quem os Cardeais se dizem representantes, não é mera coincidência;
mas, a pura verdade.
"Veio para os seus, e os
seus não o receberam” observou mais tarde e tristemente um seu evangelista.
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