sábado, 18 de fevereiro de 2012

SAINDO PELA TANGENTE, POR TADEU MARTINS


SAINDO PELA TANGENTE, POR TADEU MARTINS


Até o ano de 1962, na cidade de Itaobim, Vale do Jequitinhonha, a iluminação era gerada por um grande motor diesel instalado na Rua Floresta, na casa de D. Clemência de André. O motor era ligado às 18 horas e desligado às 22 horas. Naquelas quatro horas, toda a cidade podia ouvir o barulho do motor e ver a claridade das lâmpadas, que mais pareciam tomates, de tão fracas.
O eletricista responsável pelo motor tinha um jeito todo especial de lembrar aos namorados que estava na hora de ir pra casa: quando faltavam dez minutos para desligar o motor, ele apagava as luzes por alguns segundos, informando que dentro de dez minutos a cidade ficaria às escuras.

Clareados pela fraca luz de um poste e pela luz da lua, um grupo de meninos gostava de sentar numas toras de madeira, na Praça da Igreja, em frente à casa de Domingos de Barros, marceneiro, para ouvir os seus causos. Eu era um dos meninos que se encantavam com a sabedoria e com as estórias de “seu Domingo de Barro”. Para nós, ele era um sábio, não deixava nada sem resposta.

Um dia, o famoso Circo Nerino, circo do palhaço Picolino, estava na cidade e, no espetáculo da noite, o locutor anunciou que, no dia seguinte, a companhia apresentaria um grande espetáculo de LEVITAÇÃO. Na nossa turma, ninguém sabia o que era levitação. Recorremos ao nosso contador de estórias. Ele tossiu, passou a mão no queixo, tentou desconversar, mudar de assunto, mas nada adiantava, estava no ar a pergunta: “O que é levitação?”.

Depois de muito esperar, ele dá a resposta. Encarando-nos com um ar de seriedade, como se fosse fazer a maior das revelações, ele nos pergunta:

“Como é que chama aquele filho de compadre João Mota?” Respondemos: “Zé Mota”. Ele: “Não. O outro”. Nós: “Valdomiro. “Ele: “Não. O abaixo do Valdomiro”. Nós, em coro: “Levi.” Ele balança a cabeça afirmativamente e completa: “Esse aí, Levi. Quando a gente passa na porta da casa de compadre João Mota, ele tá na janela, a gente pergunta: “Ô seu João, Levi tá doente?” Ele responde: “Não. Levi tá são”. “Seguindo o raciocínio, seu Domingos completa: “Pois é isso, levitação quer dizer que Levi não tá doente”.

Com a certeza de ter dado a resposta correta, seu Domingos começou a florear, falando de Levi, de sua coragem e força, do grande lutador que era o Levi, que Levi seria capaz de vencer o Tarzan, lutador do circo, e que devia ser isso que ia acontecer no dia seguinte no picadeiro do Nerino. E continuou fazendo daquela mais uma gostosa noite de causos. Até que o motor deu sinal, avisando que era hora de ir para casa. Fomos correndo para as nossas casas, já sonhando com a grande luta do dia seguinte: Levi x Tarzan.

Nunca soubemos se Levi já lutou algum dia na vida. No circo ele não lutou. Quando anunciaram o espetáculo de levitação, a torcida de Levi se agitou, mas o que nós vimos foi o mágico do circo fazer uma moça flutuar.

Texto: Tadeu Martins, via Brazilian Voice,via Blog do Jequi


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