Leituras para os que enxergam pouco
Paulo Castelo Branco, no Brasília em Dia
Em Diamantina (MG), o menino Affonso Heliodoro acordava à noite para olhar as estrelas e imaginar a distância que os separava. Era menino cheio de sonhos que buscava, nas tardes chuvosas, os tesouros enterrados nos reflexos do arco-íris. De uns tempos para cá, sua visão está se perdendo no infinito, e sombras ocupam a retina, deixando o hoje nonagenário sem poder identificar as letras que usava para compor seus poemas e escritos cheios de histórias de um Brasil esperançoso, vigoroso e divertido, conduzido por Juscelino Kubitschek, de quem foi braço direito nos tempos de ouro.
Dia desses, Affonso, que dirige o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, participava, num final de tarde, de conversas com acadêmicos à volta de mesa com pães de queijo e café, como se fosse à beira de um forno à lenha dos tempos de antigamente. Um dos acadêmicos mostrava um texto que Affonso não podia ler. Affonso reclamou que nos dias de hoje tem sido impossível a leitura dos jornais e das revistas, em virtude da diminuição das letras nos textos publicados. O acadêmico, solícito, se dispôs a ler em voz alta a história.
Tratava-se de um netinho que, ao chegar da escola com uma questão para pesquisa, assim disse:
- Sabe, vô, existe uma grande crise nos países árabes que são governados a ferro e fogo por ditadores cruéis que não respeitam os cidadãos e os prendem e matam em nome da tranquilidade dos povos. O professor disse-nos que todas as demais nações sempre souberam disso, mas fazem vistas grossas em troca de petróleo e outras riquezas.
O avô, conhecedor de histórias desde as “Mil e uma noites” e “Ali Babá e os quarenta ladrões”, fez breve exposição sobre os problemas que afligem os povos, hoje muito pobres, mas que já foram líderes mundiais e gozavam de prestígio por suas obras fantásticas e suas culturas milenares. O menino pediu que o avô esclarecesse suas dúvidas e ia anotando. O avô contou as histórias do Egito, do Irã e do Afeganistão até chegar ao Iêmen. Neste ponto, o neto interrompeu a aula do avô e questionou:
- Vô, a Mariinha, minha irmã, outro dia falava para o namorado que esse tal de hímen nem existe mais. É verdade?
O avô corrigiu:
- Estou me referindo ao Iêmen - pigarreou e fingiu adormecer. Affonso, que pouco enxerga, pouco ouve, mas sabe tudo, quase morreu de rir!
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