quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Gentes do Jequitinhonha: Seu Bicalho, de Grão Mogol

Histórias de Gentes do Jequitinhonha
Marcos Lobato Martins
Meu último grande giro pelo Vale do Jequitinhonha ocorreu em janeiro de 2007. Passei quase duas semanas percorrendo cidades da região, principalmente na área do curso médio do rio. Conheci muita gente, conversei com diversas pessoas ao longo de estradas vicinais de terra vermelha e nas sedes municipais. Bati muitas fotografias. Guardei numerosas lembranças de paisagens e gentes do Vale. Escrevi alguma coisa sobre essa viagem, logo que voltei para casa.
Pessoas simples, cujas histórias de vida cativam o interlocutor, ainda mais porque são narradas sem afetação e soberba, de maneira direta, pausada e com brilho nos olhos. No meio das ruas ou na porta de pequenos comércios e oficinas.


É quando se lastima que nossa memória não é suficiente para reter cada detalhe do ambiente, dos sons e movimentos de quem fala. Queria, nessas horas, parecer ao menos um pouco com “Funes, o memorioso”, famoso tipo criado por Jorge Luis Borges.
Seu Bicalho, vendeiro em Grão Mogol.
Se não me engano, Aureliano Lessa escreveu que Diamantina é um presépio incrustado na serra. Então Grão Mogol também é, porém bem menor e montado com menos pau-a-pique do que pedra.

Nessa cidade, a Rua Santo Antônio e os becos que nela desembocam concentram as casas de comércio e conferem a Grão Mogol sua marca colonial típica. Sem pressa, conversei com alguns comerciantes da Rua Santo Antônio. Um deles, o Seu Bicalho, é tido como grande conhecedor da história da cidade e da região.

Sua venda tem duas portas estreitas e um balcão de madeira de fora a fora, atrás do qual amontam-se, desordenadamente, mercadorias diversas. Uma mercearia parada no tempo, que não recebeu sequer um freguês enquanto estive lá conversando com o dono, no dia 5 de janeiro de 2007.
O Seu Bicalho, octogenário, é funcionário público aposentado. Vangloria-se de haver conhecido o Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Ouro Preto, Mariana, Congonhas do Campo e Diamantina. Seu Bicalho narrou satisfeito suas andanças por Botafogo e Santa Tereza, as viagens no Vera Cruz entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Contou-me com uma ponta de orgulho que assistira filmes no Cine Trianon, em Diamantina, e que fizera compras na Casa São Paulo, uma grande loja no antigo Tijuco. Bateu no peito para dizer que nunca votou em Juscelino Kubitschek – votara em Gabriel Passos na disputa pelo Governo do Estado e no General Juarez Távora, na eleição presidencial. Afinal, Seu Bicalho era pessoa da UDN de Grão Mogol. Lá, a UDN comandou a política mesmo quando JK brilhava na política mineira e brasileira.

Além da política, Seu Bicalho fora ativo na Maçonaria local. Em toda demanda da cidade ele se metia, por isso tornou-se tão conhecido. Ele disse que seus irmãos e irmãs saíram para viver e ficar importantes em Belo Horizonte, de modo que coube a ele permanecer em Grão Mogol e cuidar da pequena cidade, onde estão as raízes da família. Desconfio que a explicação é parcial.

O gosto pela história, que faz dele espécie de rapsodo nas margens do Itacambiruçu, transformou Seu Bicalho numa referência comunitária, que oscila entre a admiração e a galhofa dos concidadãos. Por mais de uma hora, eu mesmo fiquei, sem ter como arredar pé, ouvindo-o discorrer sobre a história de Diamantina: o Contratador Caldeira Brant, Chica da Silva, o garimpeiro Isidoro.

Acabei descobrindo, num canto escuro e empoeirado da loja de Seu Bicalho, velhos exemplares de Joaquim Felício dos Santos (“Memórias do Distrito Diamantino”) e Carlos Góes (“Histórias da Terra Mineira”).
Marcos Lobato Martins é professor dos cursos de História das Faculdades de Pedro Leopoldo e da Faculdade de Filosofia e Letras de Diamantina. Mestre em Sociologia pela UFMG e doutor em História Econômica pela USP, desenvolve pesquisas sobre a região de Diamantina no período de 1870 – 1930.

Um comentário:

Ana Vieira Pereira disse...

Banu: preciso muito entrar em contato com vc. Sou professora de uma escola do interior de São Paulo, Ensino Médio, com muita vontade de fazer algum trabalho no Vale. Meu email é ventuana@gmail.com e meu nome Ana Vieira. Por favor, entre em contato! Abraço!

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