Em entrevista exclusiva à revista 247, o ministro Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da presidência da República, afirma que o fim do financiamento empresarial de campanha deve ser a peça central de uma reforma política;
"Hoje, é muito comum encontrar um bom político que se diz achacado por um mau empresário. E vice-versa: um bom empresário que se diz achacado por um mau político", diz ele.
Segundo Rossetto, a Operação Lava Jato e o escândalo do metrô de São Paulo criam a oportunidade política para essa transformação.
"As nações aprendem a partir das suas experiências mais dramáticas", afirma.
"Há uma crescente conscientização da população, que começa a entender que a corrupção nasce dessa relação espúria entre a política e o interesse empresarial".
2 DE ABRIL DE 2015 ÀS 19:58
Brasil 247 - Responsável pela articulação entre o governo federal e os movimentos sociais, o ministro Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da presidência da República, tem uma missão: convencer a sociedade da oportunidade histórica que é a aprovação de uma reforma política, que tenha como pilar central o fim do financiamento empresarial de campanha.
"Há uma crescente conscientização da população, que começa a entender que a corrupção nasce dessa relação espúria entre a política e o setor privado. Esta relação é permissiva, ilegal, criminosa e faz mal à democracia", disse ele, em entrevista exclusiva concedida aos jornalistas Leonardo Attuch e Tereza Cruvinel, editores do 247, na última terça-feira, em Brasília.
Segundo Rossetto, a própria Operação Lava Jato e o escândalo dos trens em São Paulo criam a oportunidade para a discussão dessa reforma. "As nações aprendem a partir de suas experiências mais dramáticas", diz ele.
Leia, abaixo, a íntegra do seu depoimento à revista Brasil 24/7:
247 – Por que o sr. tem defendido o fim do financiamento empresarial como peça central de uma reforma política?
Miguel Rossetto – Esse tem que ser o tema central. Os dados são assustadores. Nas últimas eleições foram R$ 5 bilhões e uma única empresa doou R$ 360 milhões. O que está acontecendo é o distanciamento da representação política da sociedade. Setores populares não participam mais da atividade política. Os eleitos são os que fazem as campanhas mais caras, ou seja, aqueles que melhor acessam os recursos financeiros. Isso não é bom para a democracia. Por um lado, a sociedade brasileira se democratiza, horizontalmente, com mais participação popular em todos setores, e também nas redes sociais. Por outro, há um estrangulamento da participação nos mecanismos da democracia representativa. A estrutura de representação sufoca a participação popular.
247 – Há ambiente político para essa mudança?
Rossetto – Essa é uma agenda da sociedade civil, apoiada pela OAB, pela CNBB e por outras entidades. A CUT também levantou 1 milhão de assinaturas. O Brasil está maduro para essa reforma.
247 – Mas o PT tem credibilidade para defender essa agenda depois de 12 anos no poder, tendo se beneficiado do financiamento privado?
Rossetto – Esse tema ganhou força agora porque há um esgotamento. O Brasil não suporta mais esse modelo. As nações aprendem a partir das suas experiências mais dramáticas. A Operação Lava Jato vem educando a sociedade, assim como o escândalo do metrô de São Paulo. Todos os casos de corrupção estão, direta ou indiretamente, conectados ao financiamento empresarial. Há uma crescente conscientização da população, que começa a entender que a corrupção nasce dessa relação espúria entre a política e o setor privado. Esta relação é permissiva, ilegal, criminosa e faz mal à democracia.
247 – A Lava Jato, então, cria uma oportunidade?
Rossetto – Sim, há uma oportunidade política para uma mudança transformadora na sociedade.
247 – Mas existem condições políticas? A posição do PT hoje é minoritária no Congresso? Como o sr. espera gerar um ambiente favorável a essa mudança?
Rossetto – Com a participação da sociedade. Eu tenho dialogado muito com OAB, CNBB, CUT, UNE e há uma crescente percepção de que temos que interromper essa máquina produtora de desvios eleitorais e de corrupção. É uma máquina que organiza o poder político a partir de um viés ilegal. Isso não é aceitável.
247 – Os conservadores alegam que essa bandeira não estava presente nas ruas, nas manifestações de 15 de março.
Rossetto – Nós precisamos disputar a agenda das ruas. Precisamos fazer com que a população compreenda que combater o financiamento empresarial é a melhor forma de enfrentar a corrupção. Hoje, é muito comum encontrar um bom político que se diz achacado por um mau empresário. E vice-versa: um bom empresário que se diz achacado por um mau político. O que mais me surpreende é a ausência das lideranças empresariais nesse debate, que deveria interessar também às entidades patronais.
247 - O PMDB, no entanto, tenta consagrar o financiamento empresarial. Essa é a posição, por exemplo, do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Rossetto – Eu acho que é um erro grave. Vários países, como França, Portugal e Canadá, migraram para outras experiências de financiamento que são mais democráticas, onde o eleitor-cidadão pode doar usando o seu CPF. A proposta da CNBB, por exemplo, estimula um teto de 700 reais. Além disso, o poder público financia os partidos, uma vez que a democracia tem o custo, com o qual a sociedade deve arcar, de forma transparente e clara. Esse financiamento, por sua vez, deve traduzir uma igualdade maior entre os cidadãos e cidadãs.
247 – Essa é uma agenda só do Congresso, ou também do Judiciário, onde há um julgamento a esse respeito, interrompido, há um ano, por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes?
Rossetto – Deve ser uma agenda das duas instituições. Em relação ao processo interrompido no Supremo Tribunal Federal, tenho uma expectativa de solução, que não é minha, mas da sociedade brasileira. É responsabilidade constitucional do STF julgar. Há uma maioria conformada, já com seis votos, e há a expectativa de que o ministro Gilmar Mendes devolva seu pedido de vista, manifeste sua opinião, dê conhecimento dela à sociedade e que o tribunal julgue.
247 – Como já há um resultado, essa questão não deveria estar decidida, independente da discussão da reforma no Congresso?
Rossetto – O julgamento no STF cria uma referência de constitucionalidade muito importante. Mas a reforma é importante, em razão de várias outras pautas, como o voto em lista, o voto em gênero, a discussão sobre as coligações e assim por diante.
247 – O sr. defende cotas para mulheres no parlamento?
Rossetto – Sim, a sociedade tem maturidade para isso e seria importante estimular essa representação social na nossa estrutura política. É também importante rever a questão das coligações proporcionais, para que os votos programáticos sejam garantidos como votos programáticos. Isso não significa eliminar as votações proporcionais, porque elas fazem parte de uma experiência virtuosa na democracia brasileira.
247 – O sr. então é contra o chamado "distritão" proposto pelo PMDB?
Rossetto – Sou contra o distritão, porque isso cria votos excludentes. O voto proporcional é que tem permitido, na nossa experência, que a sociedade brasileira, na sua pluralidade e na sua diversidade, seja representada nos parlamentos e nas câmaras. Os votos distritais, por conceito, são votos majoritários e excludentes. O que nós necessitamos é uma melhor representação da sociedade, na sua diversidade e nas suas peculiaridades regionais.
247 – Por que o sr. defende o voto em lista?
Rossetto – Porque ele fortalece o controle do eleitor sobre o partido. O melhor instrumento de controle da sociedade sobre o voto é o partido, como instrumento de organização coletiva.
247 – Os adversários afirmam que essa reforma visa eternizar o PT no poder.
Rossetto – Não é consistente esse tipo de crítica. O PT, de fato, tem trabalhado para se aproximar de uma agenda que vem da sociedade civil. Não é uma agenda do PT. É a agenda da OAB, da CNBB e de várias entidades. Os outros partidos deveriam fazer o mesmo. O Brasil está diante de uma grande oportunidade histórica e não deveria desperdiçá-la.
247 – Com o fim do financiamento empresarial, as campanhas terão que ser necessariamente mais baratas. Os partidos estão prontos para isso?
Rossetto – Devem se preparar. Quando falamos do fim do financiamento empresarial, é evidente que estamos falando de campanhas mais baratas e austeras, onde as ideias, os programas, a história e os compromissos dos candidatos organizem o debate político. Não há necessidade dessa utilização de marketing, de quinquilharias e de gastos desconectados com a realidade brasileira. Campanhas mais austeras farão bem ao País.
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