Garimpeiros revolvem leitos atrás de ouro e diamantes, sem critérios nem fiscalização e fazem as águas se degradarem com mais rapidez.
Foto: Leandro Couri
Na região de Areinha cerca de 2 mil garimpeiros devastam o rio em busca de diamante
Diamantina, Couto de Magalhães de Minas e Serro –
A estreita faixa de mata ciliar que protege a nascente do Rio Jequitinhonha é tão densa que as tramas de espinhos e árvores do cerrado impedem até indentificá-la de fora da vegetação.
Para ter acesso ao ponto onde a água aflora, é preciso subir pela calha do córrego até a cabeceira.
O esforço é recompensado pela paisagem lacrada na vegetação agreste. Nela, pássaros pousam nas margens e bebem da água límpida que desce pelo leito de seixos brancos e redondos.
Mas toda essa pureza dura pouco, já que o Jequitinhonha é o rio que mais tem sido degradado nos últimos anos em Minas Gerais.
O trecho mais preocupante fica a 140 quilômetros da cabeceira, entre os municípios de Diamantina e Couto de Magalhães de Minas, no garimpo ilegal de Areinha. Um lugar tão devastado que as margens são de areia extraída do fundo do manancial, o curso natural foi seguidas vezes desviado e as águas se tornaram tão vermelhas que lembram sangue.
O garimpo de Areinha se esconde após extensas plantações de eucalipto, em um labirinto de estradinhas.
Com o auxílio de um GPS e do mapeamento da região, a equipe do EM conseguiu chegar ao local em um fim de tarde.
A estratégia de se deslocar sem guia da região e de seguir nesse horário se deu justamente para evitar a rede de alertas dos trabalhadores.
Eles usam rádios acionados por motoqueiros que passam o dia trafegando por aquelas vias. Qualquer sinal da polícia ou de fiscalização ambiental dispara o alarme para que equipamentos sejam escondidos e metais preciosos, guardados.
Água vermelha
A primeira cena que se vê do garimpo surge depois de uma curva de mata fechada. É uma imagem aterradora: o curso de água vermelha se perde no meio de uma larga mancha de areia que foi revolvida do fundo do Rio Jequitinhonha por dezenas de dragas.
O leito natural é desviado em vários pontos, formando novos braços e poços onde tratores e caminhões são usados para separar diamante e ouro de terra e detritos.
São 2 mil garimpeiros se espremendo em uma área de 1,4 hectare, o que compreende um homem a cada 7 metros quadrados nas barrancas.
Se somados os pontos de garimpo além de Areinha, o Rio Jequitinhonha tem manchas de areia escavada e braços de rio desviados que somam 16,8 hectares só nessa região, o equivalente a 5,6 vezes a cava de Serra Pelada, no Pará.
Devastação
De perto, a devastação é ainda mais impressionante. Os garimpeiros transformaram as margens em desfiladeiros para processar pedras e cascalho em suas máquinas.
O diamante ainda é separado no balanço da bateia. Atividade que Clóvis Fernandes Silva Lopes, de 27 anos, conhece desde a infância.
“Quem é do ramo sabe onde está dando ouro e diamante. A gente vai atrás, procurando achar um ‘pedrão’ para resolver a vida. Enquanto não consegue licença, vai trabalhando na surdina, porque é daqui que sai nosso sustento”, disse.
A aglomeração dos garimpeiros, que vivem amontoados em barracas sem as mínimas condições sanitárias, também se reflete nas águas do rio que eles próprios consomem. A reportagem coletou uma amostra na região, na qual a análise de laboratório detectou a presença de coliformes fecais 374% acima do limite do Conama, resultado dos despejos de esgoto sem tratamento.
Areinha é uma área que foi fechada pela mineração Rio Novo e invadida por garimpeiros há cerca de seis anos. Fica em uma parte do Rio Jequitinhonha, que em tese foi protegida pela Lei Estadual 15.082, de 2004, que considera que é de preservação permanente o curso d’água e seus afluentes até a altura do Rio Tabatinga, entre os municípios de Carbonita e Engenheiro Navarro.
Muitas justificativas, nenhuma solução
O problema do garimpo de Areinha não se restringe aos danos ambientais. Desde 2007, todas as vezes que a fiscalização ambiental lacrou as máquinas e os garimpeiros tiveram de retornar para Diamantina, a cidade experimentou uma onda de criminalidade. Setores como a prefeitura local e a Cooperativa Regional Garimpeira de Diamantina querem que a atividade seja liberada de forma sustentável, com recuperação de áreas que forem degradadas pela extração mineral. O Ministério Público considera a proposta inviável, já que a área está protegida por lei, e tenta conseguir que a Justiça obrigue a mineradora a recuperar o que deixou para trás.
O problema do garimpo de Areinha não se restringe aos danos ambientais. Desde 2007, todas as vezes que a fiscalização ambiental lacrou as máquinas e os garimpeiros tiveram de retornar para Diamantina, a cidade experimentou uma onda de criminalidade. Setores como a prefeitura local e a Cooperativa Regional Garimpeira de Diamantina querem que a atividade seja liberada de forma sustentável, com recuperação de áreas que forem degradadas pela extração mineral. O Ministério Público considera a proposta inviável, já que a área está protegida por lei, e tenta conseguir que a Justiça obrigue a mineradora a recuperar o que deixou para trás.
A empresa alega que isso não é possível, devido à presença dos garimpeiros. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável informou que o garimpo não tem licenciamento, mas que pelo fato de a situação estar sub judice e de ter um lado social delicado, ainda aguarda definições.
Enquanto isso, garimpeiros arrancam o máximo que podem antes que suas máquinas sejam lacradas pela polícia.
O secretário de Meio Ambiente de Diamantina, Rodrigo Canuto, afirma que a atividade minerária no Jequitinhonha seria interessante para a cidade, mas reconhece que a lei estadual esvazia essa possibilidade. “Mas não podemos desconsiderar os fatores social e inclusive o de segurança pública. Mantemos atividades de conscientização, orientando o uso de bacias de decantação e cuidados para com a vigilância sanitária.”
DEGRADAÇÃO
A bacia do Jequitinhonha é a que tem apresentado a degradação mais acentuada nos últimos anos, de acordo com o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).
Em 2012, os índices de qualidade da água médio e ruim eram 49% em sua extensão, sendo o parâmetro bom quantificado em 51%.
Já no ano passado, a soma do conceito ruim e médio saltou para 60%. A primeira estação de medição, na localidade de São Gonçalo do Rio das Pedras, não registrou o resultado de análises em 2013.
A última amostragem é referente ao fim de 2012 e já indica que a acidez do curso d’água se encontra alterada a 30 quilômetros da nascente.
O motivo apontado pelo Igam são os lançamentos de esgoto, descartes de lixo e de efluentes de matadouros. Mas, mais adiante, o impacto das mineradoras aparece mais uma vez, próximo a Virgem da Lapa, onde amostras colhidas no ano passado revelaram contaminação por manganês 136% acima do limite considerado tolerável pelo Conama, o que é apontado pelo relatório do Igam como efeito de atividades minerárias predatórias.
Mateus Parreiras (textos) e Leandro Couri (fotos)
Enviados especiais
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Fonte: Estado de Minas
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