segunda-feira, 21 de abril de 2014

O poder degradante do dinheiro

Poucos candidatos conseguem se eleger com gastos franciscanos nas disputas eleitorais. 
Grandes empresas tem lucro 8,5 vezes maior quando financiam  candidaturas.
Chico Alencar, deputado federal pelo PSOL - RJ. 
Publicado no jornal O Globo, domingo, 20.04.14
Financiadores pressionam políticos para evitar CPIs’. ‘Deputados articulam aprovação a toque de caixa da PEC 172, para garantir o financiamento eleitoral pelas empresas’. As notícias mostram as primeiras reações à decisão do STF, ainda inconclusa, acolhendo a ADI 4650, da OAB, e vedando o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas. Essas mal chamadas doações abrem portas para a corrupção, pavimentam o tráfico de influência e consolidam a desigualdade na disputa. 


‘Eleição de um deputado federal no Rio custa, pelo menos, R$ 2 milhões’ é frase tão corriqueira quanto absurda! As somas variam de acordo com o eleitorado de cada estado, afrontando a Lei 9840, que proíbe a compra de votos. A cada eleição, a influência do poder econômico na esfera política aumenta: do pleito de 2002 ao de 2012, que consumiu R$4,5 bilhões, o crescimento foi de 471%! 

Cristalizou-se a captura da política pelas forças econômicas: nas eleições proporcionais os recursos gastos com propaganda são gigantescos e os que se elegem com campanhas ‘franciscanas e claras’, exceção. Nas disputas majoritárias, para prefeituras de cidades médias e grandes, governos estaduais e da União, só vence quem consegue fundos milionários. Democracia de cartas marcadas. Apenas 1.900 pessoas jurídicas financiam 95% dos recursos das campanhas: plutocracia!

As maiores doadoras são empreiteiras e construtoras (2/3 das contribuições), bancos, frigoríficos, siderúrgicas e empresas do agronegócio – além de firmas de fachada, vinculadas a doleiros. Chamá-las doadoras é polidez: são investidoras. Estudos indicam que após financiar uma campanha vitoriosa para Executivos, as empresas obtém retorno 8,5 vezes superior ao dispêndio, em contratos de obras públicas, serviços ou desonerações. Confirma-se o “there is no free lunch” de Milton Friedman.

Embate eleitoral elevado é confronto de programas e visões, assumidos pelos partidos. Uma campanha em bases doutrinárias e ideológicas seria bem mais barata do que as da rotina eleitoral bienal, formal e banal, onde o marketing e o clientelismo predominam e a verba supre a carência do verbo. Candidato-sabonete: quanto mais atraente a embalagem maior a vendagem. Eleito, será despachante de quem o financiou. É até bíblico: ‘onde está o teu tesouro, lá está teu coração’...

Alegar que a proibição do financiamento empresarial de campanha estimulará o Caixa Dois é desacreditar na Justiça Eleitoral, no Ministério Público e nas possibilidades de se construir uma democracia substantiva no Brasil. Nela, quem burla as regras do jogo teria o registro de sua candidatura cassado. O próprio partido ficaria impedido, por um tempo, de disputar as eleições. Dura lex, sed lex!

Só pessoa física constitui a cidadania real, fonte e razão da nossa República. É do povo, não de estamentos econômicos, que emana o Poder, como dispõe o pétreo Parágrafo Único do Art. 1º de nossa Constituição.

*Chico Alencar é professor de História e deputado federal (PSOL/RJ)

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