Ponderações sobre a greve dos professores de Minas
Rudá Ricci
Vou detalhar um pouco mais minha leitura sobre o ato da greve em si como instrumento de luta de professores. Continuo recebendo muitos emails (nem todos muito favoráveis às minhas análises) e gostaria de estimular este debate. Vamos lá:
a) A profissão de educador é a única que ainda não se curvou totalmente para os ditames do mercado. A única. É verdade que vem crescendo fortemente este enquadramento. O Brasil, há cinco anos, começou a ver a área educacional se oligopolizar. São 7 grandes redes que avançam aceleradamente sobre todas escolas privadas e começam a vender apostilas para muitas redes públicas. Mas, mesmo assim, a profissão em si ainda não se mercantilizou totalmente. Daí compreender esta profissão como a mais nobre (e mais resistente) dentre as profissões modernas (estou limitando, portanto, o foco temporal);
b) Há quem caminhe numa leitura negativa sobre o conceito de missão, como se fora carregado de voluntarismo moral. Não é isto que vários autores sugerem. A noção de missão do educador está vinculada à construção de um código moral de convivência. Porque o educador ensina as crianças. Alguns autores denominam este ato de socialização. Os freireanos acreditam que o ato de educar é um ato político, mas que se afasta de qualquer ação de convencimento. Somos muito rigorosos com isto porque sabemos que estamos construindo um espaço de debate para a autonomia. Trata-se de uma missão, que eu sempre tentei cumprir e estar à altura. Não consigo imaginar que um educador se sinta como qualquer outro profissional. Temos uma missão nobre, humanista. Esta consideração não remete a voluntarismo ou ausência de direito e dignidade que o profissional tem direito a ter. Portanto, lutar por salário não diminui ou altera a lógica da missão civilizatória que o processo educacional carrega;
c) Sobre a greve, considero um instrumento ultrapassado. É legítimo e não retiro a possibilidade democrático de seu uso pelos trabalhadores. Assim como é legítimo usar chapéu de feltro em dia quente, embora pareça meio inadequado. Mas tenho o direito de analisar sua adequação.
Nos últimos anos, o Sindute liderou muitas greves e todas redundaram em fracasso. Este ano, após tantos fracassos, deve conquistar algo, mas não em virtude do movimento grevista, mas em virtude da decisão do STF. Aquilo que se denomina de “judicialização da política”. Enfim, a greve não contribuiu em absolutamente nada para a possível conquista que se avizinha;
d) A greve no serviço público é uma antítese. Porque ela não afeta exatamente um patrão, mas os usuários do serviço público, que não objetivam auferir lucro. O sindute vem propagandeando a noção de sindicato cidadão. Ora, nada mais cidadão que pensar em articular a luta salarial com a melhoria do serviço público. Ainda mais sendo um serviço de socialização como a educação. Mas o que sinto é um aprofundamento da concepção corporativa de sindicalismo e não um avanço na direção do sindicato cidadão. Alguns trabalham com o eufemismo de que aumentar o salário refletiria na melhoria do serviço prestado e, assim, a luta salarial seria uma luta pelo serviço público. Não tenho mais idade para acreditar nesta promessa que nunca se realiza.
Não há nenhuma relação entre serviço público de qualidade e salário. Se existisse, a proposta neoliberal de bonificação de professores que atingirem a meta proposta pelo governo teria sentido. O que não tira o direito de qualquer trabalhador lutar por melhores salários e condições de trabalho. Mas uma questão não se relaciona a outra. Não há um estudo que indique ou confirme esta hipótese.
Portanto, o que sugiro é um debate mais aprofundado sobre melhores e mais adequados instrumentos de luta dos professores. Mesmo porque, este instrumento (a greve) já está com idade avançada.
Rudá Ricci é professor da PUC MG e cientista político, no seu Blog.
Nenhum comentário:
Postar um comentário