Mudanças no jeito mineiro de fazer política
Por Rudá Ricci
2. O que se mantém e o que mudou
Se a fragmentação territorial ainda se mantém, todos os outros traços da tradição da ação política mineira se alteraram na última década. Na verdade, a territorialização foi apropriada pela nova lógica, sofrendo um aggiornamento. Agora se constitui em palcos de ação coordenada de adversários políticos, em especial, petistas e tucanos. O conflito partidário se dá a partir desta tabuleiro esquadrinhado, uma espécie de “batalha naval” em terra firme.
Mas, afinal, o que mudou?
Mudou o código moral da ação política. Um código fundado no costume, na tradição comunitária. O comunitarismo possui um marco rural, fundado na interdependência, no compadrio, nos laços afetivos entre vizinhos. É emoldurada pela identidade pessoal que se espelha na do grupo que conhece.
Em outras palavras, as histórias e experiências pessoais se cruzam e se reafirmam em grupos pequenos, em que todos se conhecem e onde os valores e moral são forjados. A identidade individual é a identidade comunitária. Daí os espaços privados se confundirem, a intimidade freqüentemente invadida e avaliada, constituindo o que João do Rio denominou, tempos atrás, de “cultura janeleira”.
Na última década, contudo, com a emergência de Minas Gerais como segundo pólo político do país, disputando muitas vezes com São Paulo, o enfrentamento entre os partidos líderes (PT em termos nacionais e PSDB em termos regionais) masculinizou a prática política.
Os conflitos parecem mais abertos. O estilo Eduardo Azeredo e Pimenta da Veiga foram substituídos pelo estilo Aécio Neves e Danilo de Castro. O estilo Patrus Ananias, por seu turno, foi substituído pelo estilo Fernando Pimentel. A sucessão tucana e petista em Minas Gerais deu lugar a uma agressão pública inédita que aumentou de intensidade com o final do governo Aécio. Isto porque Lula e Aécio Neves mantiveram acordos velados durante os oito anos que governaram o país e o Estado.
Em 2011, com o caminho aberto para Aécio Neves se projetar nacionalmente, o acordo tácito se dissolveu. A partir daí, o confronto chegou ao seu ápice.
A Assembléia Legislativa foi, até o momento, o palco prioritário de explicitação do conflito aberto, inaugurado pela atuação do bloco oposicionista Minas Sem Censura (PMDB, PT e PCdoB), sob a liderança do deputado petista Rogério Correia. Veio a resposta com a articulação e assédio dos tucanos em várias regiões de Minas Gerais, atraindo lideranças sociais e vice-prefeitos e, recentemente, criando a ala sindical do partido (uma importante inflexão da história tucana) com a filiação em massa de sindicalistas vinculados à Força Sindical.
Assim, a territorialização política foi recomposta. Agora não existe mais respeito aos “donatários políticos” de cada região. Ao contrário, os territórios definem estratégias de ação entre partidos adversários que se movimentam neste terreno procurando arregimentar lideranças locais – agora com filiação direta e formação de grupos de apoio – e definindo políticas de incentivo ás alianças a partir das políticas públicas. Não há mais o famoso cuidado mineiro, as ações reservadas.
Finalmente, um elemento parece banido da lógica política mineira em função do aumento do conflito aberto entre partidos hegemônicos: o planejamento e orientação ao desenvolvimento a partir do governo federal.
Após a crise aberta de 1977 (com queda de financiamento a grandes projetos) e o quase desmonte de sistemas operacionais governamentais (como o da agricultura mineira) no final dos anos 1980, Minas Gerais foi substituindo a lógica orientadora pela adoção de controles de tipo empresarial na gestão pública. Não se trata apenas de um modelo internacional assimilado e reproduzido. Não se trata de puro mimetismo. Há um elemento de transformação da cultura política regional. A política, enfim, sobrepujou a economia.
Em outros termos: a economia foi aparelhada pela política partidária. O que fez do mapa de investimentos um mosaico que se movimenta, há alguns anos, ao sabor dos ventos, das leituras exclusivamente realizadas pelos agentes econômicos a respeito das oportunidades de negócios e procura de situação que baixem seus custos de produção. Minas conforma, assim, um mosaico de investimentos que não se articula numa lógica estadual.
O sul mineiro é um excelente “case” que demonstra o impacto desta omissão estatal: de produtor clássico de café e leite, responsável por 30% da produção nacional, se transforma aceleradamente, em função de investimentos chineses e outros, em região industrial e de serviços de alta tecnologia. O impacto sobre a atração de fluxos migratórios e sobre a oferta de serviços não é objeto de nenhum estudo ou ação preventiva.
Não existe coordenação ou leitura global das mudanças econômicas em curso. A agricultura familiar do sul e Zona da Mata se desloca lentamente para as fronteiras do Estado com o centro-oeste. Alguns pesquisadores afirmam que em trinta anos as regiões norte e nordeste do Estado sofrerão com a desertificação de grande parte de seu território.
A disputa partidária aberta e pública acaba por atrair investimentos que, se por um lado, superam problemas sociais, não se vinculam a estudos de impacto e não compõem um mesmo projeto estratégico de desenvolvimento. Governo federal e governo estadual travam duelam para conquistar almas e mentes de eleitores e financiadores regionais das campanhas partidárias.
Assim, o hibridismo entre tradição e modernidade mineiras acabou por dar lugar ao predomínio da ação política sobre a lógica social e econômica.
Minas, mais que nunca, são muitas. Mas se antes esta constatação carregava um charme literário, agora resvala perigosamente na formação de uma arquitetura gótica, cujo melhor representante é Frankenstein, o moderno Prometeu .
Rudá Ricci é cientista política, professora da PUC MG. É responsável pelol Blog De Esquerda em Esquerda.
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