quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Reportagem sobre "a fome e a alegria no Vale" ganha prêmio de jornalismo

Reportagem da Pública ganha Prêmio de melhor reportagem no IX Encontro de Comunicadores do Vale do Jequitinhonha que aconteceu, em Araçuaí, nos dias 17 e 18.01, na área de jornalismo. A matéria foi produzida pelo fotógrafo Nilmar Lage, publicada em 25.07.2019.

A Rede de Comunicadores do Vale, responsável pelo evento, considerou a reportagem como a mais completa no conteúdo, na forma, na linguagem direta e nas ilustrações de belas fotos.
Confira o trabalho jornalístico publicado pelo Blog do Banu.

O fotógrafo Nilmar Lage foi até o Vale e conheceu de
 perto o que quer dizer “vulnerabilidade alimentar”

Nilmar Lage/Agência Pública, 25 de julho de 2019

Banhada pelas águas do rio Jequitinhonha e com cerca de 41 mil habitantes, a cidade de Almenara em Minas Gerais, é uma das mais populosas do Vale do Jequitinhonha. De passagem pela região, logo após ver a afirmativa do presidente Jair Bolsonaro de que “passar fome no Brasil é uma grande mentira”, conheci Elane Santos. Perguntei a ela sobre o que disse o nosso presidente. Ela foi taxativa: “ele nunca veio no Vale do Jequitinhonha e parece que nunca andou pelas ruas do país”.

Nilmar Lage/Agência Pública

Enquanto amamentava a pequena Ester, de 9 meses, o olho marejou, mas ela manteve-se firme. Hoje, com 21 anos e mãe de quatro filhos, Elane mora com o companheiro Leonardo Fagundes, 30 anos, e tem que conciliar despesas com aluguel e alimentação. Mas Elane está desempregada e Leonardo é trabalhador rural diarista: “trabalho a cinquenta conto por dia e não é sempre que tem oportunidade por aqui”. Há dois meses, quando a família só tinha arroz para comer, ela conseguiu recadastrar no programa Bolsa família e a renda subiu para R$ 458.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a renda domiciliar per capta de Minas Gerais em 2018, foi de R$ 1.322. Longe dessa realidade, Elane disse que às vezes, quando o mês é bom para o companheiro, a renda da família chega a R$ 800, “mas o certo mesmo é o Bolsa Família”.
Dependendo do mês, Elane, o companheiro e os quatros filhos possuem uma renda familiar mensal de R$ 800. Nilmar Lage/Agência Pública.


Antes do recadastramento do Bolsa Família, Elena e a família só tinham o arroz pra comer.
Nilmar Lage/Agência Pública


Despensa da casa de Elane - Nilmar Lage/Agência Pública

“Meu marido ficou desempregado e a gente foi despejado”, relata Marleide Maria, de 37 anos, há dois morando em um barraco improvisado com cobertor e madeirite, de cerca dois metros por sete, no Acampamento Princesinha do Vale, zona rural de Almenara.

Mãe de oito filhos, três do primeiro casamento e cinco com Sebastião Rodrigues, de 38 anos, ela lamenta a falta de oportunidades para quem tem menos estudos e nasceu em família pobre no Brasil. A renda fixa da casa também é o Bolsa Família de R$ 624. “Com esse valor temos que dividir um pouquinho pra cada coisa, tem a fralda, o leite, a merenda”. Por causa dos filhos pequenos, Marleide não procura trabalho fora. Cuida de uma horta para vender produtos na feira da cidade aos sábados. Quando cheguei para conversar ela estava na lida, buscando água nos baldes para banhar as verduras, porque eles não têm acesso à água encanada.


Há dois anos, Marleide Maria mora em um barraco improvisado com cobertor e madeirite - Nilmar Lage/Agência Pública.


Lohaine, 5 anos, é filha de Marleide - Marileide com os filhos dentro de casa. Nilmar Lage/Agência Pública.
Marinez Souza, diarista de 38 anos, seus filhos Jeciane Souza e Maicon Souza, e o seu companheiro Alexandre Vieira acabaram de entrar para o Acampamento Princesinha do Vale. O barraco improvisado com cerca de três metros quadrados vai abrigar a família cuja renda fixa é R$ 200 do Bolsa Família.

Segundo uma definição do Banco Mundial, são extremamente pobres os que tem renda per capta inferior a U$ 1,90 por dia, ou R$ 140,00 por mês, como o casa dessa família.

Marinez diz que se sua família dependesse só dos ganhos da cidade passariam fome. “Tem que partir pra roça mesmo, pois é da roça que vem a plantação”. Seu companheiro Alexandre vive de bicos e está há mais de três semanas sem conseguir qualquer atividade remunerada. Quem primeiro sente são as crianças, pois estão em períodos de férias e sem a merenda escolar, essencial para complementar a parca oferta de alimentos em casa.

Nilmar Lage/Agência Pública
Marinez e Alexandre com a filha Jeciane no barraco para o qual vão se mudar

Em sua afirmação sobre não existir pobreza e ou fome no Brasil, Jair Bolsonaro disse que “aqui não temos pessoas esqueléticas andando pelas ruas”. Mas o presidente está equivocado: as escalas de insegurança alimentar abrangem situações desde alimentação de má qualidade até a fome em larga escala. Conviver com fome e o medo de inanição são características da insegurança alimentar. E as três famílias com as quais conversei se enquadram claramente nesse perfil; o medo é sempre maior pelo fato de terem muitas crianças.

Perguntei como é quando os filhos pedem e você não tem para dar. “Tem que rezar nos pés de Santo Antônio”, disse Marleide. A fé parece que também dá força para superar as adversidades e manter um astral elevado em meio a tanta dificuldade, pois na hora de fotografar os sorrisos apareciam com relativa espontaneidade. “Como faz para sorrir assim?”, perguntei. “Joelho na terra e oração”, respondeu Marleide. Sorrindo.

Fonte: https://apublica.org/2019/07/eu-vi-a-fome-e-a-alegria-no-vale-do-jequitinhonha/

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