Ela significa a
presença da força popular em sua aspiração à justiça e à igualdade.
*Vladimir Safatle
Já o sr. Collor terminava seus discursos
de punho cerrado garantindo que ele estava lá para que o verde, o amarelo, o
azul e o branco continuassem a se inscrever nos céus da nossa pátria. Obrigado,
Collor, a história lhe agradece. Como todos sabemos, foi realmente um grande
trabalho.
Mas é fato que o medo da bandeira vermelha tem
origens que não escondem suas verdadeiras razões. Ela remonta à Revolução
Francesa ou, para ser mais exato, a uma lei de 21 de outubro de 1789
autorizando as municipalidades a hastear a bandeira vermelha para indicar que
as massas deveriam se dispersar diante do que seria uma ameaça à "ordem
social".
Ou seja, se a bandeira vermelha aparecesse, isso
significava que as forças do governo tinham autorização para atirar contra a
população, já que a denominada "ordem" estava em risco.
Não será por outra razão que rapidamente a
revolução verá massas na rua retomando para si a bandeira vermelha, como se
fosse o caso de mostrar ao governo onde estava a verdadeira soberania, quem era
a verdadeira força soberana.
Esse gesto político maior de retirar do poder seus
signos, de inverter seus significados, estará presente nas revoluções de 1830
e, principalmente, na de 1848.
Nesses casos, a bandeira vermelha aparece
claramente significando a presença da força popular em sua aspiração à justiça
e à igualdade transnacional.
Ela indicava não uma pátria, não uma nação, mas a
existência dos que não tinham pátria nem território, porque lutavam por uma
existência política por vir, existência que eles nunca tiveram, que fora continuamente
sequestrada por quem realmente comandava o Estado.
Em 1848, a massa insurgente em Paris levanta a
bandeira vermelha a fim de indicar que seu país ainda estava por ser construído
e que se fundaria na solidariedade sem fronteiras entre aqueles que até então
não tiveram nada.
As vozes da burguesia, o poeta-político Lamartine à
frente, falaram de todos os medos que ouvimos até hoje: da guerra civil, do
fracionamento da nação, da partidarização, do sangue e o da violência.
Enquanto essas palavras de concórdia eram ditas, a
polícia matava e as prisões eram preenchidas até o teto. Como se vê, a
estratégia é antiga. Foi assim que a bandeira azul-branca-vermelha da república
francesa permaneceu hasteada.
Isso até 1871, à ocasião da Comuna de Paris, quando
a bandeira vermelha é assumida pelos revoltosos vitoriosos e aparece, enfim,
como a indicação de uma sociedade cujo poder está agora nas mãos daqueles que
eram os alvos da violência do Estado, daqueles que ousaram expor seu
descontentamento e revolta contra as forças da perpetuação e da conservação.
Ela fora hasteada como a representação de uma luta
de gerações e, a partir de então, continuaria a ser hasteada durante todo o
século 20 para indicar a perpetuação dessas lutas.
Hoje, em 2019, o medo da bandeira vermelha ainda
está na pauta do dia —e isso diz muito a respeito de como o poder não aprendeu
nada nesses últimos 200 anos. Não é contra o uso da bandeira vermelha feito por
Estados burocráticos totalitários que ele se volta. É contra o seu significado
originário e seu sinal de insubmissão.
Tanto é assim que o poder continua a fazer os
mesmos discursos, a levantar os mesmos espantalhos, tal como se estivéssemos de
volta ao século 19.
Essa repetição não é um acaso. Ela simplesmente
indica que, apesar das diferenças evidentes de contexto e de condições, há um
elemento que não cessa de não se inscrever, que não cessa de repetir, indicando
a natureza falsa da vida social que impomos às classes mais vulneráveis e
desfavorecidas.
Por isso, sr. Jair Messias, nossa bandeira ainda
será vermelha.
*Vladimir Safatle
Professor de filosofia da USP, autor de “O Circuito
dos Afetos: Corpos Políticos, Desamparo e o Fim do Indivíduo”.
No romance “1889 – Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a proclamação da República no Brasil“, o jornalista Laurentino Gomes traz à tona a história de uma bandeira brasileira praticamente desconhecida. Além do símbolo da monarquia, ela estampava uma estrela vermelha.
O fato aconteceu em 17 de novembro de 1889, dois dias depois da queda do imperador Dom Pedro II. Na ocasião, o cruzador Almirante Barroso, da Marinha Brasileira, numa expedição que previa a volta ao mundo em menos de dois anos, estava atracado no porto de Colombo, capital do Ceilão (atual Sri Lanka).
O comandante Custódio José de Melo recebeu um telegrama notificando-o da Proclamação da República e dos procedimentos a serem adotados em relação à bandeira imperial hasteada na embarcação. A informação era clara: a coroa nela desenhada deveria ser substituída por uma estrela vermelha até que a nova bandeira republicana fosse entregue à tripulação, o que, de acordo com o especialista Tiago José Berg, só aconteceria 5 meses mais tarde, em 8 de abril de 1890.
Mas por que uma estrela vermelha?
Porque na época esse era um símbolo com significado bem diferente do atual. Se hoje a estrela costuma ser associada à Revolução Russa (1917), aos regimes comunistas do século XX ou, no caso brasileiro, ao Partido dos Trabalhadores, naquele tempo ela era uma representação republicana.
A cor vermelha ganhou esse sentido depois da Comuna de Paris, lembrando a cor tradicional do barrete frígio, típico chapéu utilizado pelos revolucionários franceses de 1789.
Em solo brasileiro, a estrela vermelha já havia sido utilizada pelos líderes da Conjuração Baiana ou Revolta Popular dos Alfaiates, em 1798, um movimento republicano reprimido pela Coroa de Portugal, metrópole do Brasil naquele período. Os quatro principais líderes foram executados em praça pública.
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