‘BEIRA A INSANIDADE’,
ALERTOU ENTIDADE SOBRE AMPLIAÇÃO DA MINERAÇÃO EM BRUMADINHO
25 de Janeiro de 2019, 20h31
NO FINAL DO ANO passado, em uma reunião no centro de Belo Horizonte, conselheiros, advogados e representantes da sociedade civil e empresas de mineração decidiam o futuro da exploração de ferro na região. Eles discutiram o pedido da Vale S.A. de ampliar a capacidade da Mina Córrego do Feijão, que explora ferro em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Ambientalistas viram problemas na expansão. Alguns conselheiros e a mineradora insistiram na liberação. Mesmo controverso, o pedido da Vale – que aumentaria a capacidade da mina em 88% – foi aceito em dezembro do ano passado.
Interessada em expandir seus
negócios na região, a Vale sequer cuidou do que já funcionava. Hoje, pouco mais
de um mês depois, uma das barragens de rejeitos daquela mina, desativada desde
2015, se rompeu. Há pelo menos 9 mortos, 200 desaparecidos e um impacto
ambiental ainda incalculável – que pode chegar até o Rio São Francisco. Há
quem diga que o desastre é ainda pior do que foi o da
Samarco em Mariana.
Mais uma vez, não foi por falta
de aviso. A presença da Vale na região estava na mira de entidades de proteção
ambiental e dos moradores da região que, em dezembro do ano passado,
protestaram contra a expansão da mineração. E o governo do petista Fernando Pimentel
em Minas Gerais sabia bem que o processo de licenciamento daquela mina era
problemático. Ainda no final do ano passado, o secretário de Meio Ambiente,
Germano Luiz Gomes Vieira, recebeu uma carta do Fórum Nacional da Sociedade
Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas - o FONASC, pedindo que o processo de
licenciamento fosse suspenso. A entidade estava em uma disputa dentro do Copam,
o Conselho de Políticas Ambientais de Minas Gerais, responsável pela licença,
tentando impedir que o processo da mineradora avançasse.
A entidade constatou uma série
de inconsistências no processo de licenciamento. Para começar, ele sequer
seguiu os ritos tradicionais: em vez de ter as licenças prévia, de instalação e
de operação, no chamado modelo trifásico, a Vale conseguiu cortar caminho por
meio da chamada licença LAC1. Isso aconteceu graças a uma mãozinha do governo
mineiro, que aprovou uma deliberação que garante que empreendimentos de
mineração de grande porte, antes classe 6, fossem enquadrados como classe 4,
que tem um procedimento mais simples.
O Fonasc classificou o pedido de expansão – que aumentaria em 88% a capacidade de extração, inicialmente prevista para seguir até 2032 – dentro da “classe 4″ como uma “insanidade”. É a mesma classe em que está, por exemplo, a problemática mineração da Anglo American, também em Minas Gerais. “É gravíssimo porque, na realidade, são de grande porte e grande potencial devastador”, disse Maria Teresa Corujo, a Teca, conselheira ambiental, durante a reunião que decidiu pela liberação do projeto.
O Fonasc classificou o pedido de expansão – que aumentaria em 88% a capacidade de extração, inicialmente prevista para seguir até 2032 – dentro da “classe 4″ como uma “insanidade”. É a mesma classe em que está, por exemplo, a problemática mineração da Anglo American, também em Minas Gerais. “É gravíssimo porque, na realidade, são de grande porte e grande potencial devastador”, disse Maria Teresa Corujo, a Teca, conselheira ambiental, durante a reunião que decidiu pela liberação do projeto.
Em uma carta enviada no dia 30
de novembro de 2018, o Fonasc, do qual Corujo faz parte, pediu a Breno Esteves
Lasmar, presidente da Câmara de Atividades Minerárias, a retirada da pauta do
pedido de licenciamento da Vale. Além da “insanidade” de ter o seu impacto
minimizado, o pedido da mineradora tinha problemas técnicos – não havia
apresentado a correta delimitação da área, por exemplo.
Rompimento atingiu centro administrativo da Vale. Uarlen Valerio/O Tempo/Folhapress
Rompimento atingiu centro administrativo da Vale. Uarlen Valerio/O Tempo/Folhapress
Os pareceres também minimizaram
os impactos ambientais ao dizer que o empreendimento ficaria em uma área já
alterada pelo homem. Ignoraram, porém, que a expansão atingiria o Parque
Estadual da Serra do Rola Moça, terceiro maior do país em regiões urbanas. Ao
atingir o parque, coloca em risco os mananciais que a unidade de conservação
protege – cursos d’água como Taboão, Rola Moça, Barreirinho, Barreiro, Mutuca e
Catarina; todos servem ao abastecimento da população da Região Metropolitana de
Belo Horizonte.
Secretaria do Meio
Ambiente classificou as reclamações como ‘questões meramente procedimentais’.
Yuri Rafael de Oliveira Trovão,
presidente suplente da Câmara de Atividades Minerárias, no entanto, decidiu
seguir com o processo. A entidade, então, subiu um degrau e escreveu ao
secretário de estado de Meio Ambiente de Minas Gerais, Germano Luiz Gomes Vieira,
alegando “necessidade imediata do controle de legalidade da decisão” de Trovão.
O parecer da secretaria de Meio
Ambiente mineira foi lido na reunião da Câmara de Atividades Minerárias. Para
Germano, os problemas apontados pelo Fonasc eram irrisórios, “questões
meramente procedimentais”, e a mudança do tipo de licença requisitada pela Vale
tinha sido devidamente anunciada à sociedade por publicação no Diário Oficial
do Estado. Dizia ainda que não haveria “qualquer prejuízo ambiental” se o
procedimento seguisse os ritos e fosse discutido durante o encontro.
Ali, dia 11 de dezembro, cinco
representantes de órgãos do Governo do Estado de Minas Gerais, três de
entidades ligadas ao setor produtivo mineiro e o Conselho Regional de
Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG) votaram a favor do
licenciamento, enquanto apenas o Fonasc votou contra. Um mês depois, a barragem
da Vale em Brumadinho se rompeu.
Segundo a secretaria estadual
do Meio Ambiente, “o empreendimento, e também a barragem, estão devidamente
licenciados”. O governo diz que a barragem “não recebia rejeitos desde 2015 e
tinha estabilidade garantida pelo auditor, conforme laudo elaborado em agosto
de 2018″.
Comunidades reclamam há mais de uma
década
Durante a reunião que concedeu
a licença à Vale, moradores de Casa Branca contaram os problemas que enfrentam,
como a crônica falta de água que assola a comunidade.
“Alguém vive aqui sem água? Nós
estamos vivendo uma crise hídrica já, à beira de um colapso hídrico. Na hora
que faltar água, nós vamos nos lembrar do dia de hoje, de tudo que está sendo
falado aqui e do que possivelmente vai ser votado aqui hoje. quem está falando
que não vai faltar água? A empresa responsável por Bento Rodrigues, a empresa
responsável por Mariana, a empresa responsável pelo rio Doce. Vocês se
esqueceram disso?”, disse Ka Ribas, uma das representantes da comunidade.
Em dezembro do ano
passado, eles chegaram a fazer uma manifestação contra a
concessão de novas licenças de mineração na região.
Viver sem água
vale? Moradores de Brumadinho protestam contra a mineração na região.
Moradores da região reclamam há
mais de 10 anos sobre desmatamento ilegal e a má qualidade da água contaminada
pela mineração – a comunidade registra um alto número de problemas dentários
por conta no minério de ferro na água.
O minério de ferro é extraído
do local desde os anos 1950, e a Vale S.A. opera a mina desde 2003. Foi em 2015
que entrou com o pedido para ampliar a capacidade das minas Córrego do Feijão e
Jangada, respectivamente nas cidades de Brumadinho e Sarzedo. Como é praxe
nesse tipo de licenciamento, são necessários estudos de impacto e a análise de
ambientalistas e pesquisadores para calcular a viabilidade de um empreendimento
– e seus respectivos custos ambientais e sociais. Muitos desses estudos são problemáticos.
E vale lembrar: as mineradoras
estão entre as principais interessadas em afrouxar as regras de licenciamento ambiental,
que está em discussão na Câmara. E o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,
já mostrou que é da turma que defende a “agilidade” no
processo de licenciamento.
Correção: 25 de janeiro de
2019, às 21h46
Este texto inicialmente afirmava, no título, que a ampliação era na barragem – dando a entender que foi na barragem rompida. Na verdade, a ampliação é uma “lavra a céu aberto sem tratamento ou tratamento a seco”.
Fonte: https://theintercept.com/2019/01/25/barragem-brumadinho-vale/
Este texto inicialmente afirmava, no título, que a ampliação era na barragem – dando a entender que foi na barragem rompida. Na verdade, a ampliação é uma “lavra a céu aberto sem tratamento ou tratamento a seco”.
Fonte: https://theintercept.com/2019/01/25/barragem-brumadinho-vale/
Nenhum comentário:
Postar um comentário