No Dia Mundial da Água, 22 de março, seremos inundado por notícias
líquidas, pouco sólidas, sobre a crise hídrica.
Vai chover dados, estatísticas, ameaças, acusações de má gestão
do nosso ouro azul.
Seremos banhados por músicas e poesias sobre a preciosidade
da água, sua simbologia e mística.
Nós, do Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas, em grande
parte, vivendo no semi-árido, sempre soubemos que a água é a dona da vida.
Cada gota tem valor sem medida. Imagine com 150 litros por
dia, como o povo da cidade grande? Seria um bamburro, um estouro de riqueza.
Sempre convivemos com a falta dela, ou com sua presença pouco
abundante, apesar de cada gota muito significante.
Desde criança, tomamos muito banho de caneca, gastando 10
litros ou menos.
E nossos pais aproveitando a água usada, aparada na grande bacia
de alumínio, reutilizando-a, para outro banho de um irmão, ou para a horta e
jardim.
O povo de belzonte vai ter que economizar água? Pergunte pro
povo do Jequitinhonha que ele ensina.
Mas, também, tem muito desperdício, usos e abusos da água, na
região do Vale.
A grande floresta artificial de eucalipto, a maior do mundo
com mais de 500 mil hectares de árvores
plantadas, chupa água de nascentes, lagoas, veredas, baixando ou esgotando
nossos lençóis freáticos.
A plantação irrigada de café e banana contribui para os cerca
de 70% de toda a água consumível. E
despejam seus venenos agrotóxicos que retornam para os cursos
dágua, nossos riachos e rios. Os mais conhecidos são o Jequitinhonha que leva o
nome da bacia hidrográfica e seus filhos
Araçuaí, Itamarandiba, Preto, Fanado, Capivari, Ribeirão das Gangorras, Setúbal,
Gravatá, Calhauzinho, Salinas, São João, São Pedro e Rubim.
A grande caixa d’água fica no Alto Jequitinhonha, nos
municípios do Serro, Diamantina, Rio Vermelho, São Gonçalo do Rio Preto e Itamarandiba.
Dona da vida pode
trazer a morte
Cerca de 8% por cento da água consumida vai para o consumo
doméstico, com quase a totalidade dos municípios sob gestão da Copanor, aquela
Copasinha inventada para os pobres de Minas. O governador-inventor
irresponsável tirou todos os investimentos de infraestrutura previstos pela Copasa
e levou junto os funcionários já experimentados com um now how profissional impressionante.
Deixou os sistemas de água e esgoto dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri sem
gestão qualificada, com funcionários novatos a serem capacitados, com baixos
salários e sem condições de trabalho.
Os dados de 2013 do SNIS – Sistema Nacional de Informações
sobre Saneamento, do Ministério das Cidades, registram que nos 69 municípios de
atuação da Copanor somente 52,08% da água distribuída é fluoretada. Ou seja,
47,92% do tratamento de água não utiliza o flúor que é obrigatório. O flúor bem
aplicado combate as cáries e fortalece os ossos. Outros dados: apenas 11,3% da
população que recebe água da Copanor tem esgoto. E destes apenas 16,3% tem tratamento sanitário.
E o pior: em alguns municípios cobram
por este serviço que não é prestado. O atendimento de água da população urbana de toda a região
é de 67,5%, enquanto a Copasa atende a 100%.
A criação da Copanor para atender o nordeste mineiro foi um mau
negócio para o povo do Vale. O governador mau gestor quis agradar aos acionistas
da Copasa, expulsando os beneficiários de regiões pobres. Realmente, daríamos
pouco lucro para um estatal que deveria servir primeiro ao povo mineiro. Em
2013, a Copanor faturou apenas R$ 15,9 milhões. A Copasa faturou R$ 3,36
bilhões. Ou seja, o povo pobre de Minas que representa 5% da população total contribuiria
apenas com 0,4% da receita da empresa estatal. Fomos expulsos do baile dos
ricos, porque damos mais despesas do que lucros. Acabar com a Copanor, voltando
a ser tudo Copasa, pode melhorar as nossas vidas.
A água bem tratada pode gerar lucros para alguns. Mal tratada,
a dona da vida pode gerar mortes.
A água sem tratamento quando ingerida pode ser responsável
pela transmissão de doenças como a amebíase, giardíase, gastroenterite, febres tifoide
e paratifoide, hepatite infecciosa e cólera. Estas são chamadas doenças de
veiculação hídrica. Pode também estar ligada à transmissão de algumas verminoses
como a teníase, a esquistossomose,
ascardíase, ancilostomíase e oxiuríase. Além disso, há outras correlatas como a
leptospirose, malária, dengue, febre amarela e outras infecções que necessitam
da água para se instalarem no corpo humano. Ou seja, 80% das motivações que
levam as pessoas do Vale aos consultórios médicos.
Fica mais barato oferecer saneamento básico do que tratamento
de doenças, segundo a OMS - Organização Mundial da Saúde. Para cada R$
1 investido em saneamento básico há uma
economia de R$ 4 no sistema de saúde, dizem especialistas. Ou seja, investir em
saneamento básico é quatro vezes mais barato do que no sistema curativo de
doenças.
E é justamente nas regiões mais pobres que os serviços de
água e esgoto mais faltam. Portanto, ao pensar em saúde, devemos lutar por
saneamento básico, prioritariamente.
Mineroduto é
transformar água em mercadoria
O MAB – Movimento de Atingidos por Barragens grita “ Água e
energia não são mercadorias” . Mas, para gananciosos e alguns governantes são. O
sucessor do des-governador, além da Copanor, deixou a maldita herança de um
decreto, tornando áreas de 9 municípios do Vale e do norte de Minas como de
utilidade pública para passar um mineroduto que vai chupar 6.300 m3 por hora do
Lago de Irapé ou 37 milhões de m3 por ano, ou 14% do reservatório.
A agua será utilizada para rolar o minério de ferro a ser
extraído da região de Grão Mogol até o porto de Ilhéus, na Bahia. De lá, irá para
a China para se transformar em produtos manufaturados. Toda esta exploração será
comandada pela SAM – Sul Americana de Metais, uma multinacional chinesa.
Derrubar o decreto de mais-valia, de transformar nossa água
em mercadoria, é uma tarefa de luta de David contra Golias.
Água no semiárido
Na região do semiárido mineiro, no Médio e Baixo Jequitinhonha e quase todos os municípios do norte de Minas, a seca sempre está presente entre os meses de maio e outubro. Muitos saem para o corte de cana e colheita do café, no sul de Minas ou interior de São Paulo.
Quem fica tem uma dura missão. Cuidar da pouca água. A água tem sido tratada com carinho por comunidades rurais que
a recebem da pouca e benvinda chuva, capta no telhado da casa e direciona o
líquido precioso para uma caixa de 30 ou 50 mil litros. É a reserva de água para beber, para os
tempos de seca, no cerrado e caatinga. Os moradores destas comunidades vivem com
menos de 20 litros d’água per capita por dia. E, na grande maioria, sem tratamento
adequado para alcançar a desejada potabilidade. É daí que surgem os principais
cidadãos hospedeiros das doenças de veiculação hídrica.
Estes mesmos cidadãos tem mostrado ao mundo dos gastadores de
água tecnologias simples e populares como barraginhas para conter a umidade do
solo, barreiros para represar a água para animais e água servida das casas,
reutilizada para irrigar hortas, pomares e jardins. A sabedoria do povo das grotas, dos Gerais,
pode ajudar aos que usam e abusam da água.
Comissão de Águas
Nesta segunda-feira, 23.03, às 15 horas, a Assembleia
Legislativa reinstala a Comissão Especial de Águas, proposta pelo deputado
estadual Dr Jean Freire (PT-MG). Ela pretende recuperar os trabalhos produzidos
pela Comissão anterior e combater de forma urgente e prática a crise hídrica que
se instalou em Minas.
A prioridade deve estar no racionamento de 30% da água
consumida, controle maior das outorgas de água para produção na agricultura,
investimentos no semiárido, limitação ou proibição de instalação de novos
minerodutos e maior controle social das gestoras de água e esgoto em Minas,
Copasa e Copanor.
Se o governo Pimentel quiser enfrentar de forma efetiva a
crise hídrica terá que investir na fiscalização de usos e abusos da água na
agricultura e indústria, através do IGAM; melhorar a gestão da Copasa/Copanor
para diminuir a perda de 33% da água
captada; articular ações com o governo federal, principalmente com a Funasa,
para atender as pequenas cidades e comunidades rurais do interior de Minas.
Música e poesia
A música e a poesia tem colocado a água em
versos, prosas e melodias.
A poesia é do Aníbal Freire. A música é Planeta Água, de
Guilherme Arantes.
No Vale, o poeta das águas é o Aníbal Freire, de Salinas. Engenheiro
sanitarista da Copasa, desde 1975, Aníbal faz poesia ao construir Estação de
Tratamento de Esgoto com recursos simples da natureza. Em 2001, publicou
Montanhas e Águas e Poeta Plástico, em 2007.
A árvore genealógica do rio
Anibal Freire
As nascentes são folhas
os afluentes os galhos
o rio é o tronco
e o mar é a raiz?
As flores são agrícolas
e as cidades serão os frutos apodrecendo nas margens?
os peixes serão pássaros sem folhas?
a água-selva sobe pro ar para irrigar a planta-rio?
a fotossíntese do rio é que torna o rio de verdade?
a árvore do rio tem os pés no mar
e a cabeça nas nuvens?
a árvore genealógica do rio começa em mim.
Anibal Freire
As nascentes são folhas
os afluentes os galhos
o rio é o tronco
e o mar é a raiz?
As flores são agrícolas
e as cidades serão os frutos apodrecendo nas margens?
os peixes serão pássaros sem folhas?
a água-selva sobe pro ar para irrigar a planta-rio?
a fotossíntese do rio é que torna o rio de verdade?
a árvore do rio tem os pés no mar
e a cabeça nas nuvens?
a árvore genealógica do rio começa em mim.
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