Primeiro, os personagens. A garota era Milly Dowler. O gigante é a News Corp, multinacional de mídia que era a dona do tabloide inglês News of the World. Agora, a trama. Em 21 de março de 2002, aos 13 anos, Milly foi sequestrada a caminho da escola. Seu corpo foi encontrado cerca de seis meses depois. Em 2011, ela parece que voltou a viver. Para vingar-se – não de seus assassinos, mas daqueles que exploram sua tragédia para lucrar com ela.
Hoje,
as evidências indicam que o News of the World invadiu a caixa postal do celular
de Milly dias depois do
sequestro,
quando ela já estava morta (mas, àquela altura, ninguém ainda sabia disso).
Detetives particulares contratados pelo
jornal apagaram mensagens gravadas ali e, assim, fizeram os familiares pensarem
que Milly estava viva. Essa ilusão deu
fôlego para o suspense e, naturalmente, rendeu lucros ao impresso, que cobria a
história.
Essa
revelação estarreceu a opinião pública no Reino Unido. A mesma sociedade que
fazia do News of the World um campeão
de vendas (com cerca de 2,7 milhões de exemplares por edição), rompeu com ele.
Os anunciantes voltaram-lhe as
costas. Em julho, os donos do jornal decidiram fechá-lo. Por total e absoluta
desmoralização, uma publicação com 168 anos
deixou de existir...
Não é apenas o capital que se globaliza. Não são apenas as
massas de trabalhadores que furam fronteiras
para disputar empregos. Não é apenas a mercadoria que viaja na velocidade da
luz. A ética também se torna mais
sensível – e os deslizes trazem desdobramentos que seriam impensáveis...
Não é
provável que toda a News Corp entre
pelo ralo, mas boa parte dela já foi para o esgoto. O que foi perdido, perdido
está. Em matéria de imprensa, a credibilidade
leva décadas para ser construída e poucas semanas para ser destruída. E
credibilidade é o maior patrimônio que
uma publicação pode ter.
Que ninguém se iluda. Essa
verdade é bem mais antiga que as economias globalizadas. O valor da reputação
já é o que é desde as primeiras civilizações.
Agora, porém, a transparência é maior. Os segredos caem por terra. A notícia
escapa. Cedo ou tarde, a verdade
aparece. A exigência do público – por mais que adore fofocas envolvendo
celebridades – também aumenta.
Fazer
jornal não é mais tão simples. E isso por incrível que pareça, é uma boa
notícia. Na verdade, isso tudo é uma notícia muito boa.
Eugênio
Bucci e Sílvio Augusto, Revista Carta na Escola, set. 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário