Manifesto em Defesa do Vale do Jequitinhonha - Parte III
O novo ciclo de exploração no Jequitinhonha, vale a pena só assistir?
Higino Pedro Filho, com a adaptação do manifesto Coitadim do Jequitinhonha, de Apolo Heringer Lisboa
A seca no Vale se resolve com água, saúde, trabalho e principalmente educação.
Mas não é a seca o principal obstáculo ao verdadeiro desenvolvimento do Vale. O problema não é a seca e sim a cerca. A cerca que nos separa das regiões mais beneficiadas pelos atuais investimentos, que é o Norte de Minas e a região do Mucuri. E essa cerca não é feita de arame ou lascas de aroeira. Ela é formada simplesmente pela falta de representação política. Basta ver a mobilização que foi feita para tirar daqui a Usina de Biodiesel, que seria implantada em Araçuaí pela Petrobrás, e foi para Montes Claros; a colocação da UFVJM em Diamantina e Teófilo Otoni.
E agora, mais recentemente, a mobilização de deputados do Mucuri para levar o curso de Medicina para lá.
O Vale não deve receber esmolas, mas construir suas escolas e barragens, e elas devem ser planejadas para atender a todos. O Vale é rico em água. Tem uma precipitação pluviométrica (chuvas) anual de razoável a boa; e muita reserva de água no sub-solo. Seus maiores rios são perenes, mesmo sem barragens.
Mas suas autoridades quase nada fazem de concreto para impedirem a poluição destes rios, com rejeitos das mineradoras e esgotos das cidades. É um absurdo a Copasa/Copanor jogar e permitir que se jogue esgotos domésticos, industriais e resíduos de agrotóxicos nos cursos d’água sem prévio tratamento dos mesmos.
Nada também é feito para incentivar e financiar a produção rural através da irrigação. Isso pode ser feito em grande escala.
O grande lago de Irapé também poderia ser utilizado para a produção de peixes em larga escala, transformando os cortadores de cana em produtores de peixe.
Só levar o Vale até a Sudene ou a Sudene ao Vale não resolve, como não resolveu o problema do Nordeste brasileiro, dominado perfidamente pela indústria da seca. A limpeza política é um pré-requisito para o desenvolvimento desta região, aliada ao surgimento de novas lideranças “locais”, e isso tem de ser pensado pelos atuais prefeitos e vereadores, esquecendo-se das suas coloridas bandeiras e filosofias políticas, das suas vaidades pessoas.
Será que não seria a hora de misturar todas as cores, do vermelho ao azul e lançar tudo isso numa bandeira multicolorida, que seja a cara do Jequitinhonha?
Ao ler o Jornal ESTADO DE MINAS de domingo, 26/08, onde um deputado intitulado “embaixador” diz estar lutando para levar o Curso de Medicina para a cidade de Teófilo Otoni, e em Araçuaí, assistir outros “representantes” da política do Vale do Jequitinhonha chorando, feito atores, mostrando nossas mazelas, como espigas de milho retorcidas, falando de falta de água e lata vazia, cortadores de cana e cisternas de lona, nasceu-me a vontade irrefreável de reescrever este artigo.
Eles todos precisam de uma resposta dado pelo povo, que infelizmente tem os alimentado com seu voto inconsciente e viciado na clientela.
Por que o nosso povo continua tão dominado politicamente durante tanto tempo, mesmo depois da conquista do voto secreto e universal? Será medo de assumir sua plena cidadania e viver sem o apadrinhamento ao qual se habituaram? Será por malandragem congênita e mútua com seus políticos? Será por causa do atraso das relações econômico-sociais? Será por tudo isto e mais alguma coisa que a gente não percebe?
Esta releitura deixo dedicada àquele que ousou dar o primeiro grito em defesa do Jequitinhonha. Falo de Apolo Heringer Lisboa, cujas raízes permanecem profundamente ligadas ao Vale do Jequitinhonha. O seu texto “Coitadim do Jequitinhonha” poderia ter sido escrito ontem. Mas foi escrito há longos 16 anos atrás e se faz tão atual quanto agora, pois pouco ou quase nada mudou. Se seu grito tivesse sido ouvido nos fins do anos 90, talvez hoje estivéssemos nadando na fartura do progresso e saboreando a delícia dos frutos do desenvolvimento.
Uma coisa é certa. Ninguém vive pelas metades, na miséria, vendo a morte desnecessária de suas crianças, chorando mais que o preciso, por que quer. Ninguém vive migrando, desgarrado da família, para ganhar salário mínimo em São Paulo, por que quer. Ninguém manda seu filhos para fora estudar e procurar uma formação na vida por que quer, ninguém sai daqui para cortar cana em SP, para açucarar a vida dos outros por que quer!
Precisamos juntar o Vale e conversar mais, para mudar de destino.
Araçuaí 23 de abril de 2011
HIGINO PEDRO FILHO
higinopedrofilho@gmail.com
Esta é a terceira e última parte do documento "O novo ciclo de desenvolvimento no Jequitinhonha, vale a pena só assistir?" foi escrito por Higino Pedro Filho. Ele é de Coronel Murta/Itaobim, e reside em Araçuaí, no Médio Jequitinhonha.
Foi inspirado em um manifesto do médico e professor da Escola de Medicina da UFMG, Apollo Heringe Lisboa, de Salinas. Este documento original foi publicado no jornal Tribuna do Norte, de Salinas, em 1996.
Para você entender melhor é bom ler o manifesto completo, clicando aqui manifesto-em-defesa-do-vale-part I e manifesto-em-defesa-do-vale-parte II .
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