Manifesto em defesa do Vale do Jequitinhonha - Parte I
Recebi um Manifesto indignado de um cidadão do Vale do Jequitinhonha. Eu assinaria abaixo em quase tudo o que ele afirma. Como achei interessante e é muito longo resolvi publicar em drops, em três partes. Hoje, segunda, terça e quarta-feira.
O Higino é funcionário da Cemig, natural de Coronel Murta/Itaobim. Mora em Araçuaí.
Ele faz referência a um manifesto publicado por Apolo Heringer Lisboa, médico e professor da escola de Medicina da UFMG, na década de 90, no Tribuna do Norte, de Salinas.
Se você ler este texto, não refletir e não tomar posição de indignação ou contestação, você precisa repensar sobre sua vida e sua família no Valedo Jequitinhonha.
Não dá para ficar omisso! O novo ciclo de exploração no Jequitinhonha, vale a pena só assistir?
Higino Pedro Filho
(Adaptação do manifesto de Apolo Heringer Lisboa)
Os anos passam e a cada debate político que surge sobre a nossa região assistimos a mais uma encenação da peça sobre a seca, a miséria, a fome, os cortadores de cana e a falta de oportunidades. O público sempre escuta boquiaberto e não é muito de palpitar, até por que não se sente presente neste contexto, pois essa miséria estampada na voz dos políticos, a cada investida na nossa região, soa mais como pano de fundo para a busca de um discurso emotivo, e menos por verdadeira vocação na formatação de grandes projetos. E o povo segue desconfiado, afinal de contas, por iniciativa de políticos, pouca coisa tem vingado nesta região.
Não quero aqui dizer que odeio a política, pelo contrário, mas acredito que a política é uma forma de ajuda mútua entre quem “está” no poder e quem anseia bons projetos. Eu nasci nesta terra, e nunca vi tanta preocupação a troco de nada. Devem apenas tomar a decisão, a posição, e pronto! Sem estar atrelada a uma única proposta concreta, esse tipo de demagogia não impera. Sem uma única idéia de como deve se dar a nossa fatia do bolo, não nos venham falar em fome, inclusão, etc... Tudo o que nos falta estamos cansados de saber!
Acho que algumas coisas deveriam vir como receita de bolo do tipo: Olha, observamos lá de cima que aqui falta infra-estrutura para receber empresas, e estamos arranjando tal investimento, tal desoneração fiscal. Olha, observamos que aqui tem um dos menores IDH (Índice de desenvolvimento humano) do mundo, fizemos uma reunião de emergência e vamos destinar recursos para tal, olha, temos observado que os índices de aprovação dos alunos do vale em universidades públicas é baixo...olha...olha...olha! Evidentemente que a “inclusão” da nossa querida região no mundo moderno tem todo o nosso apoio, já que existe evidências de que só falta a esse povo as oportunidades, mas no entanto continuamos semelhantes, na grande maioria das comparações a países subdesenvolvidos africanos, ah...doces irmãos africanos. Então que se faça a inclusão, mas sem o enjoativo melodrama de sempre.
O Vale do Jequitinhonha começa na região do Serro e Diamantina, que encheu o mundo de diamantes e formava com Ouro Preto a maior fonte de riquezas minerais do mundo no século XVIII. O rio que nasce ali, perto do Pico do Itambé, é um dos maiores rios do Brasil é perene, piscoso, bonito, afrodisíaco. Saint-Hilaire(1779-1853), em “Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais”, descreveu- o no primeiro quartel do século XIX, apinhado de tribos indígenas e deixou- nos maravilhosa descrição do artesanato machacali, bem como de suas lutas cruentas que eram provocadas pelo tráfico europeu de crianças índias. Como se vê, a industria dos seqüestros é importada.
Essa região privilegiada produz até hoje enorme quantidade de pedras preciosas e semi-preciosas, em toda sua extensão. Mas não deixa recursos e progresso na região. Está na mão de aventureiros e contrabandistas foras-da-lei. É, e sempre foi, uma região sangrada, que enriquece a outros centros e incapaz até agora de desenvolver sua indústria, agro-indústria e serviços.
Mais da metade das gemas comercializadas pela indústria de jóias na Europa, Japão e EUA vêm do Brasil, destes buracos cavados na terra, onde os nossos garimpeiros enterram seu sonho e quase sempre morrem à mingua. Por que não produzir jóias aqui? Será que não seria a hora de os governos incentivarem as grandes indústrias de jóias a se estabelecerem por aqui? E nosso granito? A cada dia sai dezenas de carretas com blocos da preciosa rocha rumo ao beneficiamento em outros estados... Não seria a hora de negociar com os graniteiros o seu beneficiamento por aqui?
Nossa feiras livres exibem abundantes e variada fartura, belíssimo artesanato e um povo rural trabalhador, criativo, de opinião. As nossas cidades são profundamente dependentes da agricultura “estrangêra”, vinda de outras regiões, enquanto poderíamos produzir aqui, nos tabuleiros do Araçuaí, do Jequitinhonha e dezenas de outros córregos perenes muito maxixe, couve, beterraba, cenoura, laranja e banana, bastando apenas para isso que se fosse desenvolvidos grandes projetos de irrigação e incentivo fiscal.
Por falta de incentivo, ou coisa outra qualquer cuja resposta quem tem são os comerciantes, a economia tomou o caminho do CEASA em Belo Horizonte, enfraquecendo os produtores locais e deixando por lá os impostos. Ficou aquele varejozinho das feiras e pequenos armazéns. Antes da facilidade das estradas havia mais fartura nas roças. Hoje é preciso ter dinheiro para segurar os produtos- leite, legumes, cereais. Será que não seria hora da economia local utilizar os produtos da região, nos supermercados e na merenda escolar? Produzimos banana, que vai para o CEASA e retorna para os nossos supermercados...Isto é justo?
Durante séculos, o cerrado foi considerado terra inútil para a agricultura, terra de ninguém, pasto para animais velhos ou doentes, e eventualmente local para buscar tatu, veado e plantas medicinais. Mas hoje, com sua descoberta para a agricultura com base na tecnologia contemporânea, pôde tornar-se um celeiro de grãos e frutas, como já acontece em alguns municípios.
Já é um importante produtor de biomassa energética para a indústria siderúrgica e de papel. Se poderia ousar dizer que o Vale do Jequitinhonha é uma das regiões mais ricas do Brasil. Ela poderia ser grande produtora de frutas e seus derivados como sucos e doces, só para entrar num detalhe. Seu gado, de corte e leiteiro, é da melhor qualidade, bem como seus produtos derivados: a carne (ou sol, ou seca), requeijão, queijos. A produção de cana permite produzir a cachaça mais afamada do Brasil, e a rapadura, com que se fabricava nos pilões caseiros a paçoca com carne-de-sol, que alimentava os viajantes em suas longas caminhadas pelo sertão.
Aprendemos com os índios, que faziam paçoca com peixe assado, mas sem sal, só com farinha. Aliás, os índios descobriram tudo sobre a mandioca, e ajudam o brasileiro de hoje a viver. Falar de fome numa região desta é vergonha nacional, caso de polícia. Pior ainda é oficializar a condição de região pedinte, no cenário nacional.
A importância cultural do Vale é reconhecida por todos, em Minas Gerais, aqui se realizam os melhores festivais de música, de folclore regional e encontros de artesãos do nosso Estado.
Afinal, o que está acontecendo, e por que tanta choradeira?
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