Falei e corri!
Carlos Mota
VIVA O JEQUITINHONHA!
Sou, antes de
tudo, um JEQUITINHONHEIRO, mais do que mineiro, e, portanto, me sinto à
vontade para falar mal de Minas Gerais. E já que paulistas, cariocas e
naturais de outros estados brasileiros não ousam falar, por conta do
maldito politicamente correto, eu vou me prestar a este triste, mas
relevante papel, tal qual Norberto Elias, psicólogo - não de pessoas,
mas de sociedades - falou mal e porcamente dos alemães, ele que nasceu
em terras germânicas. Elias acabou por obrigar os seus conterrâneos a
abandonar a idéia de que eram puros-sangues e superiores ao restante da
humanidade, tida por eles como chinfrim e rastaqüera.
É
bem verdade que os brasileiros em geral evitam apontar objetivamente o
dedo sobre o estranho jeito de ser dos mineiros. Mas, subjetivamente,
deitam gozações, zoadas e escárnios sobre nós, sobretudo em forma de
causos e piadas, que só mesmo nós mineiros achamos que são positivas ou
edificantes. Em todas as piadas, paulistas, cariocas e gaúchos se dão
mal, enquanto nós mineiros sempre nos saímos bem, seja indo para cama
com as mulheres deles, seja provando, ao final, que somos ricos e eles
pobres, e por aí afora.
Como,
sacana e fingidamente, brasileiros em geral “acham bonito”, a maioria
dos mineiros se apresenta para o restante do país falando errado,
cochichando em ouvidos, estapeando costas alheias, comendo pão de
queijo, dizendo uai – expressão que nem eles bem sabem o que significa-,
palitando dentes, fumando fedorentos cigarros de palha, dizendo garrô e
exalando o péssimo cheiro da cachaça, não raro metidos em botinas de
couro cru, camisa xadrez, chapéu de palha e com vários penduricalhos no
cinto da calça, como canivete, molho de chaves, cortador de unha,
pochete e até telefone celular.
Alemães
eram abominados por que insistiam em demonstrar superiores ao restante
da humanidade. Mineiros são execrados por que gostam de demonstrar uma
humildade que verdadeiramente não têm. Falsa, portanto!
Quando
me desarranchei de Minas e fui bater em outras plagas brasileiras,
levei comigo quase todos os trens esquisitos que arrolei aqui. Se num
restaurante, eu me punha a exaltar a culinária mineira, como ela fosse a
melhor do mundo. Se o papo era literatura, Drummond, Rosa, Sabino,
Otto, Nava eram postos por mim em uma plêiade que não comportava Dante,
Rilke, Shakespeare, Pessoa, muito menos Machado de Assis, Lima Barreto,
Graciliano ou Bandeira. Eu sequer me dava conta de que, embora nascidos
em Minas, todos eles, de Drumond a Nava, escreveram as suas obras longe
dos cocurutos e penhascos de Minas Gerais.
Eu
simplesmente não seguia o provérbio “Em Roma, como os romanos” e aí
acabava por não ser socialmente aceito. Pelo contrário, quando aceito,
eu ficava numa espécie de papel de bobo da corte.
Por
falar em Otto, ele foi injustamente homenageado pelo seu amigo Nelson
Rodrigues, que deu a uma de suas peças o título de “Bonitinha, mas
ordinária”, seguido do subtítulo “Otto Lara Resende” e cujo mote
principal é “Mineiro só é solidário no câncer”. Digo “injustamente
homenageado”, porque Otto, àquela altura radicado há anos no Rio, já
perdera muito do jeito caipira de ser dos mineiros, tanto que nos
criticou em muitos de seus textos, sobretudo em “O braço direito”, um
tratado sobre o exacerbado apego à posições e cargos, à custa de nossa
decantada mineirice, temperada à astúcia, fingimento e falsa modéstia.
Nava,
por seu turno, pôs o dedo em nossas feridas em seu “Baú de Ossos”.
Drumond escreveu “Triste Horizonte”, onde decretou que jamais
retornaria a Minas, o que de fato cumpriu. O mesmo Drumond constatou que
nas veias do mineiro, ao invés de sangue, corre ferro! Rosa, por seu
turno, delimitou o universo de sua monumental obra no jeito sertanejo,
não no mineiro jeito de ser.
Medo de levar
uma vaia ou uma coça, por estar desancando os mineiros, tenho não?
Primeiro porque estou longe, escondido nos cafundós da macega goiana.
Segundo, porque ninguém entra em meu blogue, muito menos os mineiros que
não ligam para quem nasce no Jequitinhonha. Terceiro, assumidamente
doido que sou, não posso responder por minhas maluquices. E por fim,
como falei mal dos mineiros, publicamente, em meu dicionário de fanadês
lançado há cinco anos, prescrito se acha o direito de eles investirem
contra mim.
Medo de uma
reação dos meus conterrâneos do Jequitinhonha também não tenho, mesmo
porque nem bem mineiros somos ou nos consideramos! Como fomos baianos
por algum tempo e como os mineiros da gema até hoje não nos consideram
como seus iguais, o Jequitinhonha é que é a nossa Pátria e Nação! Viva o
Jequitinhonha!
Diferentemente
dos mineiros, os jequitinhonheiros são chiques e cosmopolitas, como o
foi o nosso conterrâneo jequitinhonheiro JK. Fosse ele mineiro da gema, a
história do Brasil seria diferente! Depois dele, nenhum outro mineiro
verdadeiramente mineiro ocupou posições de relevo em nosso País. Itamar
Franco, nascido na Bahia, Milton Nascimento, carioca da gema, mas para
nós mineiros. Mas inversamente, Aécio, nascido em Minas, é carioca,
assim como Pelé é paulista e Dilma gaúcha! Trem doido, sô!?
Resumo da
ópera: enquanto os mineiros insistirem no jeito caipira de ser, Minas
continuará sendo o Estado Grande e Bobo que é, e nós do Jequitinhonha
com vergonha de sermos considerados mineiros!
Carlos Mota é Procurador da República. Foi deputado federal (2003-2007). Autor do livro "Jequitinhonhês, mineirês, fanadês". Nasceu em Minas Novas, estudou em Diamantina e Belo Horizote. Mora em Brasília, desde 1988.
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