quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Crônica de Carlos Mota

Falei e corri! 

Carlos Mota 

 VIVA O JEQUITINHONHA!

Sou, antes de tudo, um JEQUITINHONHEIRO, mais do que mineiro, e, portanto, me sinto à vontade para falar mal de Minas Gerais. E já que paulistas, cariocas e naturais de outros estados brasileiros não ousam falar, por conta do maldito politicamente correto, eu vou me prestar a este triste, mas relevante papel, tal qual Norberto Elias, psicólogo - não de pessoas, mas de sociedades - falou mal e porcamente dos alemães, ele que nasceu em terras germânicas. Elias acabou por obrigar os seus conterrâneos a abandonar a idéia de que eram puros-sangues e superiores ao restante da humanidade, tida por eles como chinfrim e rastaqüera.
É bem verdade que os brasileiros em geral evitam apontar objetivamente o dedo sobre o estranho jeito de ser dos mineiros. Mas, subjetivamente, deitam gozações, zoadas e escárnios sobre nós, sobretudo em forma de causos e piadas, que só mesmo nós mineiros achamos que são positivas ou edificantes. Em todas as piadas, paulistas, cariocas e gaúchos se dão mal, enquanto nós mineiros sempre nos saímos bem, seja indo para cama com as mulheres deles, seja provando, ao final, que somos ricos e eles pobres, e por aí afora.
Como, sacana e fingidamente, brasileiros em geral “acham bonito”, a maioria dos mineiros se apresenta para o restante do país falando errado, cochichando em ouvidos, estapeando costas alheias, comendo pão de queijo, dizendo uai – expressão que nem eles bem sabem o que significa-, palitando dentes, fumando fedorentos cigarros de palha, dizendo garrô e exalando o péssimo cheiro da cachaça, não raro metidos em botinas de couro cru, camisa xadrez, chapéu de palha e com vários penduricalhos no cinto da calça, como canivete, molho de chaves, cortador de unha, pochete e até telefone celular.
Alemães eram abominados por que insistiam em demonstrar superiores ao restante da humanidade. Mineiros são execrados por que gostam de demonstrar uma humildade que verdadeiramente não têm. Falsa, portanto!
Quando me desarranchei de Minas e fui bater em outras plagas brasileiras, levei comigo quase todos os trens esquisitos que arrolei aqui. Se num restaurante, eu me punha a exaltar a culinária mineira, como ela fosse a melhor do mundo. Se o papo era literatura, Drummond, Rosa, Sabino, Otto, Nava eram postos por mim em uma plêiade que não comportava Dante, Rilke, Shakespeare, Pessoa, muito menos Machado de Assis, Lima Barreto, Graciliano ou Bandeira. Eu sequer me dava conta de que, embora nascidos em Minas, todos eles, de Drumond a Nava, escreveram as suas obras longe dos cocurutos e penhascos de Minas Gerais.
Eu simplesmente não seguia o provérbio “Em Roma, como os romanos” e aí acabava por não ser socialmente aceito. Pelo contrário, quando aceito, eu ficava numa espécie de papel de bobo da corte.
Por falar em Otto, ele foi injustamente homenageado pelo seu amigo Nelson Rodrigues, que deu a uma de suas peças o título de “Bonitinha, mas ordinária”, seguido do subtítulo “Otto Lara Resende” e cujo mote principal é “Mineiro só é solidário no câncer”. Digo “injustamente homenageado”, porque Otto, àquela altura radicado há anos no Rio, já perdera muito do jeito caipira de ser dos mineiros, tanto que nos criticou em muitos de seus textos, sobretudo em “O braço direito”, um tratado sobre o exacerbado apego à posições e cargos, à custa de nossa decantada mineirice, temperada à astúcia, fingimento e falsa modéstia.
Nava, por seu turno, pôs o dedo em nossas feridas em seu “Baú de Ossos”.  Drumond escreveu “Triste Horizonte”, onde decretou que jamais retornaria a Minas, o que de fato cumpriu. O mesmo Drumond constatou que nas veias do mineiro, ao invés de sangue, corre ferro! Rosa, por seu turno, delimitou o universo de sua monumental obra no jeito sertanejo, não no mineiro jeito de ser.

Medo de levar uma vaia ou uma coça, por estar desancando os mineiros, tenho não? Primeiro porque estou longe, escondido nos cafundós da macega goiana. Segundo, porque ninguém entra em meu blogue, muito menos os mineiros que não ligam para quem nasce no Jequitinhonha. Terceiro, assumidamente doido que sou, não posso responder por minhas maluquices. E por fim, como falei mal dos mineiros, publicamente, em meu dicionário de fanadês lançado há cinco anos, prescrito se acha o direito de eles investirem contra mim.

Medo de uma reação dos meus conterrâneos do Jequitinhonha também não tenho, mesmo porque nem bem mineiros somos ou nos consideramos! Como fomos baianos por algum tempo e como os mineiros da gema até hoje não nos consideram como seus iguais, o Jequitinhonha é que é a nossa Pátria e Nação! Viva o Jequitinhonha!

Diferentemente dos mineiros, os jequitinhonheiros são chiques e cosmopolitas, como o foi o nosso conterrâneo jequitinhonheiro JK. Fosse ele mineiro da gema, a história do Brasil seria diferente! Depois dele, nenhum outro mineiro verdadeiramente mineiro ocupou posições de relevo em nosso País. Itamar Franco, nascido na Bahia, Milton Nascimento, carioca da gema, mas para nós mineiros. Mas inversamente, Aécio, nascido em Minas, é carioca, assim como Pelé é paulista e Dilma gaúcha! Trem doido, sô!?

Resumo da ópera: enquanto os mineiros insistirem no jeito caipira de ser, Minas continuará sendo o Estado Grande e Bobo que é, e nós do Jequitinhonha com vergonha de sermos considerados mineiros!

Carlos Mota é Procurador da República. Foi deputado federal (2003-2007). Autor do livro "Jequitinhonhês, mineirês, fanadês". Nasceu em Minas Novas, estudou em Diamantina e Belo Horizote. Mora em Brasília, desde 1988.

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