segunda-feira, 18 de abril de 2011

Bonecas do Jequitinhonha chamam a atençao em exposição de Brasília


Bonecas de barro criadas por artesãos do Jequitinhonha são principal atração de visitantes de mostra em Brasília

A presidente Dilma Rousseff e Michelle Obama se apaixonaram por elas Walter Sebastião - EM Cultura

Dona Isabel Mendes, mestre-artesã, de 87 anos, ensina a arte cerâmica para familiares, destacando o papel social do artesanato para muita gente do Vale

"Já tinha ouvido falar de boneca, mas nunca vi uma. Pensei: deve ser parecido com gente. E inventei uma para mim". Dona Isabel, artesã Vem da pequena Santana do Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, um ícone do artesanato contemporâneo brasileiro: as bonecas de barro. De beleza e charme estonteantes, as morenas de argila, noivas e mães amamentando crianças encantam o mundo.


Nesse distrito do município de Ponto dos Volantes, a 586 quilômetros de BH, mora dona Isabel Mendes. Há quatro décadas, ela inventou as esculturas que cruzaram as fronteiras do vilarejo e, atualmente, são também produzidas por artesãos de diversas cidades da região. Graças às bonecas, o Vale do Jequitinhonha ganhou fama de terra de gente simples e ligada às artes.

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Às vésperas de completar 87 anos, dona Isabel é a mais famosa artesã brasileira. Há poucas semanas, ela foi homenageada pela presidente da República, na abertura da exposição Mulheres, artistas e brasileiras, que ficará em cartaz até 5 de maio no Palácio do Planalto, em Brasília. Dilma Rousseff fez questão de se levantar e cumprimentar carinhosamente a conterrânea. A pedido da petista, as peças mineiras foram incluídas na mostra.

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Quando o presidente Barack Obama visitou o país, Dilma, pessoalmente, apresentou as bonecas de cerâmica a Michelle Obama. A estrela da exposição é o quadro Abaporu, de Tarsila do Amaral, mas a primeira-dama americana se encantou com a perfeição dos detalhes das esculturas mineiras.

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A mostra brasiliense reúne bonecas de Maria José Gomes da Silva (Zezinha) e de Irene Gomes da Silva, de Coqueiro Campo, distrito de Minas Novas. Também expõem lá Glória Maria Andrade e Andreia de Andrade (filha e neta de dona Isabel), Mercinda Severo Braga e Amadeu Mendes Braga (filho e nora da premiada artesã).

Prazer

Sentada na sala da casa da filha em Itinga, cidade do Vale do Jequitinhonha, dona Isabel Mendes não esconde a satisfação de ver a família seguindo a trilha aberta por ela. “É um prazer para mim e para eles. Vem gente de longe ver o que fazemos”, comenta. A alegria tem motivo: foi ela quem ensinou o ofício aos parentes e a muita gente de Santana do Araçuaí. Receita: colocar o necessário e retirar o excesso. “Fazendo isso, dá tudo certo”, garante. “Quando a gente vai trabalhar, espera a felicidade, mas não sabe como ela vai chegar. É espera. Deus é que chega, quando chega. Ele é prazer para quem está fazendo cerâmica e para quem vê a peça”, ensina dona Isabel.

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As bonecas surgiram na vida dela por um motivo: “Não tinha outra arte para seguir”. Criança, morava na fazenda, longe da cidade, “num tempo sem facilidade de trabalho nem aposentadoria para os mais velhos”. Restava aos pais encaminhar a filharada para a lavoura. Desde muito pequena, Isabel escapou desse destino. A garotinha assistia à mãe e à avó fazendo potes e panelas de barro, às vezes para vender.

Pela qualidade, as peças eram “muito consideradas pelo povo”, relembra. “Sempre quis mexer com barro, mas inventei de modificar o que eles faziam criando flores, presépios e bichos, coisas que o povo não conhecia. Com 7 anos, tinha inteligência para fazer tudo isso.” A mãe, admirada, quis saber quem ensinara aquilo a Isabel. “Deus”, ouviu da garota, que se valeu do barro para inventar algo a que não tinha acesso: brinquedos. “Já tinha ouvido falar de boneca, mas nunca vi uma. Pensei: ‘Deve ser parecido com gente.’ E inventei uma para mim”, conta a artesã, rindo. As primeiras tinham corpo de barro, peito e cabelo de cera, pernas e braços de galho. E roupas de papel de seda. “Na época de muitas bonecas de louça e de plástico, inventei a de barro”, afirma ela, orgulhosa. *****************************************************************************

Já dona de casa, Isabel buscou formas de aumentar a renda da família. Voltou à infância, retomou a brincadeira e criou bonecas maiores. Caprichou, aprimorando o rosto e as mãos de suas criaturas. “O trabalho foi me ensinando: os pensamentos que davam certo, eu continuava. Experimentei muito”, revela. “As bonecas são a minha experiência, o que penso e o meu sentir. Ninguém me inspirou, fui eu que ensinei às pessoas como fazê-las. O vale é grande, tem muita gente de idéia boa. Um artesão foi passando o jeito para o outro e, hoje, tem gente que nem conheço fazendo boneca. Meu desejo é que as pessoas continuem levando o trabalho para a frente, ajudando o povo”, diz.

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Dona Isabel chama a atenção para a importância social do artesanato, sobretudo no Vale do Jequitinhonha. “Ele ajuda muitos pais de família, permite que rapazes não tenham de ir longe para procurar emprego”, observa, sem esconder a preocupação. A idade obrigou Isabel a reduzir a produção. Agora, os filhos a ajudam a mudar as figuras de posição, mas ela não deixa ninguém tocar em suas criaturas antes de ficarem prontas. A artesã vai bem de saúde, apesar de alguns problemas e da impaciência com os médicos. Até gostaria de fazer um tratamento completo, mais rápido. “Mas isso custa caro”, pondera.

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O começo

A origem das bonecas de barro vem das tampas de bilha em forma de rosto que começaram a ser feitas por dona Isabel e dona Placina (já falecida), em Santana do Araçuaí, provavelmente a partir da década de 1970, explica Joubert Cândido, coordenador da galeria do Sesc MG, em Belo Horizonte.

O progressivo domínio da técnica permitiu a transformação da bilha – pequena vasilha de gargalo estreito – em corpo, ganhando braços, vestidos com estampas e flores. Mais tarde, surgiram as figuras femininas com seus bebês. Dona Isabel criou rostos com o queixo levantado, interpretados como signo da afirmação feminina.

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Gradativamente, as bonecas de barro começam a ser feitas por outros artesãos não só em Santana do Araçuaí, mas em Campo Alegre, em Turmalina, e Caraí. Joubert Cândido explica que só recentemente, pelas mãos de Zezinha, em Coqueiro Campo, Minas Novas, apareceram figuras com pernas ou pés cruzados, técnica aprendida fora do Vale do Jequitinhonha.


Do jornal Estado de Minas, com o lembrete precioso do Passadiço Virtual.

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