sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Resistência e esperança




Resistência e esperança
Affonso Romano de Sant'Anna
Quem é que não tem em casa uma daquelas esculturas do Vale do Jequitinhonha, obras que parecem anônimas, mas podem ser de Isabel Mendes, João Pereira, Ulisses Pereira, Noemisa, Raimunda, João Alves e Dona Pedra? É a arte da resistência, da sobrevivência. Dona Isabel Mendes, de Santana do Araçuaí, Ponto dos Volantes. Uma das artesãs mais conhecidas do mundo, junto com uma das suas criações.
Quem é que não tem peças de tecelagem, cestaria, couro e bordados que transbordam dessa região para nossas moradias? Quem é que não conhece a tessitura das lendas da vida de Chica da Silva ou as memórias de menina de Helena Morley? O artesão Ulisses, de Itinga. A mulher do Jequitinhonha e sua vida na cruz.
Sim, que o presidente JK veio dessa região todos sabem. Mas poucos conhecem as cantigas que os canoeiros entre a proa e garoa do Jequitinhonha, como reis, entoam: “Palmatória quebra dedo / Chicote deixa vergão / Cacetete quebra costela / Mas não quebra opinião." A artesã Lira Marques, de Araçuaí, e uma de suas peças artísticas
Hoje surgem as primeiras teses universitárias sobre esses artistas. Mas as novas gerações têm que saber o que foi a conquista do Vale do Jequetinhonha, região que até o século XVIII pertencia à Bahia e foi incorporada a Minas por causa das minas de diamantes. Como não reler “Memórias do Distrito Diamantino” de Felício dos Santos ou rever a biografia de Teofilo Otoni?
Com efeito, a cidade que hoje leva o seu nome, em princípio chamava-se Filadelfia, porque quando no Brasil reinava ainda Pedro II, Teófilo Otoni estava afinado com os ideários republicanos de Jefferson e Franklin.
Os mineiros falam com orgulho de Tiradentes, mas a saga de Teofilo Otoni merecia ser lembrada. Ele se aproximou dos índios para incorporá-los sem violência. E assim ia abrindo estradas e fazendas ao longo do rio Jequitinhonha. Preocupou-se com as condições desumanas dos imigrantes europeus na região de Mucuri e chefiou inglória Revolução Liberal de 1842 sufocada por Caxias.

Publicado no jornal Estado de Minas, no dia 28.09.2011.
Affonso Romano de Sant'Anna é escritor, poeta e professor universitário. É de BH,mas mora no Rio, há 40 anos. Publicou dezenas de livros como "Que país é este? e outros poemas", "Intervalo amoroso", A Catedral de Colônia", e outros. Escreve sempre aos domingos, no Estado de Minas.

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