Sidney Martins, Repórter do Jornal Hoje em Dia
Salto da Divisa, Baixo Jequitinhonha
Última fronteira de Minas no Vale do Jequitinhonha, na divisa com a Bahia, Salto da Divisa é um elo perdido entre dois estados. Distante 829 quilômetros de Belo Horizonte, a cidade ainda gravita em torno do coronelismo, que dita o seu destino conforme se alterna no poder, dividido entre dois grupos rivais. Sua gente simples, festeira, otimista e fanática por política sabe que a região tem potencial econômico incalculável, mas não consegue avançar, travada pelas sucessivas quebras administrativas e pelo abandono do Estado.
Região de clima muito quente e seco durante praticamente todo o ano, Salto convive com duas realidades distintas já na porta de casa. Pelo lado mineiro, o saltense tem de percorrer 100 quilômetros - 61 deles em estrada de chão - para alcançar Almenara, cidade de maior porte, que frequentemente procura quando precisa de atendimento médico qualificado. Do lado baiano, basta atravessar a ponte para pisar no asfalto que dá acesso à microrregião de Porto Seguro, um dos polos de desenvolvimento das políticas públicas do extremo Sul da Bahia.
Pelas ruas calçadas ou de terra batida, em Salto, caminham 6.896 habitantes que, divididos, também se alternam no poder, conforme o resultado das urnas. "Vivemos à deriva", admite Alaécio Paiva, um filho do Jequitinhonha, 45 anos, há 29 deles morando na cidade. Diretor da Secretaria da Câmara Municipal, Alaécio é testemunha de que, na cidade, as políticas públicas não são perenes. "É como um zanga-burrinho. Vai e volta, sobe e desce", reconhece o dirigente do Legislativo.
O pequeno terminal rodoviário de Salto da Divisa, que fica ao lado de uma pracinha com um jardim - sem flores, mas bem cuidado - foi inaugurado em abril de 1982, ainda no regime militar, na gestão do governador Francelino Pereira, Arena, depois, PDS, mesmo partido do então prefeito Marcos da Cunha Peixoto.
Cinco administrações depois, o mesmo Marcos deixou a rodoviária em frangalhos, só assumindo a reforma do local no final de seu mandato (2001-2004), às vésperas de tentar a reeleição. Perdeu. A estação só foi reinaugurada por seu sucessor e primo distante, José Eduardo Peixoto (PMDB), em setembro de 2005, depois de ficar quase cinco anos desativada.
Responsável pela manutenção do jardim de grama viçosa, que dá colorido a uma rodoviária de movimento instável, Gerson Siqueira Amorim, 62 anos, nove filhos, teme por seu futuro. Na última eleição, extemporânea, em 26/07/2009, apoiou o PMDB, partido que foi derrotado pelo DEM de Ronaldo Athayde da Cunha Peixoto, primo de Marcos e também do próprio José Eduardo, que, impedido de concorrer, lançou a mulher, Clélia Peixoto Miranda Cunha. "A gente nunca sabe como fica quando perde a eleição", observa Gerson, que é um dos 518 funcionários contratados da Prefeitura, contra apenas 82 efetivos. Recebe, como a maioria do funcionalismo, em torno de um salário mínimo e meio por mês.
Em Salto, a Prefeitura, chamada de laranjinha - em uma referência à cor que predomina na pintura da parede do prédio, que é a mesma que simboliza o PMDB, e que agora o time vencedor quer ver trocada para o verde, que identifica o DEM -, é sinônimo de poder, renda e sobrevivência para os aliados do ganhador. Na última administração, um senhor de Eunápolis (BA), distante 60 quilômetros de Salto, era presença constante na cidade. Trazia cestas básicas para abastecer moradores mais carentes, todos identificados com o prefeito e acomodados diante da provisão certa no final do mês.
"Favor aqui é uma praga. É a pior dívida"
"Favor aqui é uma praga. É a pior dívida que se pode ter", adverte o baiano Dinho, desde 2005 radicado em Salto, com pretensão de ser candidato a vereador, em 2012. "Hoje, o sujeito oferece uma ajuda, e você aceita. Amanhã, ele cobra. Você faz. Se ele perde, você fica na mão", reforça.
Versado em informática, cheio de ideias, Dinho queixa-se do paradeiro na Câmara Municipal. Contando com nove vereadores - que recebem um salário de R$ 1.800, fora o presidente, que ganha R$ 2.400 -, o Legislativo se reúne apenas uma vez por mês, na primeira segunda-feira. Apesar da Casa cheia, incluindo a plateia, Dinho diz que não nasce um projeto para a cidade. "Eles conversam muito, mas quem, no final, decide, é o prefeito, ou o tesoureiro (secretário da Fazenda), que são as pessoas que controlam o dinheiro", ressalta o baiano.
Com um orçamento aprovado de R$ 17 milhões para o ano de 2009, Salto tem problemas de sobra para resolver, mas esbarra na sequência interminável de más gestões administrativas. José Eduardo, por exemplo, teve a candidatura impugnada nas eleições de outubro do ano passado justamente por pendências contábeis, relativas ao mandato anterior (1993-1996), junto ao Tribunal de Contas da União (TCU). Teria recebido verbas para saneamento básico e aplicado em moradias populares, distribuídas de maneira obscura.
Para os mais pobres, moradia decente é um problema em Salto, ao lado da saúde capenga e da carência de infraestrutura básica. Nandinho - rapaz que gerencia a lan house que funciona há apenas dois meses na cidade, conectada na "Bayolnet", um provedor de Almenara, que pluga o município ao mundo -, sonha, agora, com a eleição do novo prefeito, que apoiou, e em poder, finalmente, concluir a casa que divide com a mulher, um casal de filhos e alguns parentes.
Foto: Antigo ribeirão do Lava-pés é hoje um esgoto a céu aberto: presença de porcos também virou rotina
A rua estreita e de terra que dá acesso à casa de Nandinho é a mesma que margeia o antigo ribeirão do Lava-pés, hoje um esgoto a céu aberto, onde a presença de porcos também virou rotina. A casa onde mora é grande, mas ainda não tem reboco, muro ou cerca. A laje ele talvez consiga fazer agora, para proteger o forro que já garante o abrigo da família.
Como tantos outros conterrâneos, Nandinho pretende entrar na faculdade, mas como não há curso superior em Salto, teria de estudar em Eunápolis, Bahia, onde fica a universidade mais próxima. Precisaria de dinheiro para morar fora e manter a família. Chegou a passar no vestibular, confiando na promessa de apoio para custear a empreitada. "Quando consegui, disseram que a prefeitura passava por dificuldades e não poderia ajudar", conta, magoado.
Atendimento médico é precário
Quando necessita de atendimento médico, Salto também padece. A cidade conta com um imponente hospital público municipal, mas que praticamente fechou suas portas por mau gerenciamento, funcionando hoje precariamente sob intervenção do Ministério Público. Dinheiro, não faltou. Em seu testamento, dona Inhá Pimenta da Cunha, mulher do coronel Tinô da Cunha Peixoto, tio-avô de Ronaldo, o prefeito recém-eleito, doou 90 alqueirões de terra e 500 vacas paridas para a instituição. Novamente, faltou contrapartida da Prefeitura.
No final de 2003, com a chegada da hidrelétrica de Itapebi (BA), que deu origem a imenso e vistoso lago alimentado pelo Rio Jequitinhonha, que banha Salto, surgiu um lampejo de urbanização. A cidade ganhou o seu "Penicão" - como é chamada a estação de tratamento de água construída para evitar a poluição da represa - e foi sacudida com promessas de desenvolvimento. Mas as ideias "hibernaram e não há previsão para o fim do Inverno".
Responsável pela manutenção do jardim de grama viçosa, que dá colorido a uma rodoviária de movimento instável, Gerson Siqueira Amorim, 62 anos, nove filhos, teme por seu futuro. Na última eleição, extemporânea, em 26/07/2009, apoiou o PMDB, partido que foi derrotado pelo DEM de Ronaldo Athayde da Cunha Peixoto, primo de Marcos e também do próprio José Eduardo, que, impedido de concorrer, lançou a mulher, Clélia Peixoto Miranda Cunha. "A gente nunca sabe como fica quando perde a eleição", observa Gerson, que é um dos 518 funcionários contratados da Prefeitura, contra apenas 82 efetivos. Recebe, como a maioria do funcionalismo, em torno de um salário mínimo e meio por mês.
Em Salto, a Prefeitura, chamada de laranjinha - em uma referência à cor que predomina na pintura da parede do prédio, que é a mesma que simboliza o PMDB, e que agora o time vencedor quer ver trocada para o verde, que identifica o DEM -, é sinônimo de poder, renda e sobrevivência para os aliados do ganhador. Na última administração, um senhor de Eunápolis (BA), distante 60 quilômetros de Salto, era presença constante na cidade. Trazia cestas básicas para abastecer moradores mais carentes, todos identificados com o prefeito e acomodados diante da provisão certa no final do mês.
"Favor aqui é uma praga. É a pior dívida"
"Favor aqui é uma praga. É a pior dívida que se pode ter", adverte o baiano Dinho, desde 2005 radicado em Salto, com pretensão de ser candidato a vereador, em 2012. "Hoje, o sujeito oferece uma ajuda, e você aceita. Amanhã, ele cobra. Você faz. Se ele perde, você fica na mão", reforça.
Versado em informática, cheio de ideias, Dinho queixa-se do paradeiro na Câmara Municipal. Contando com nove vereadores - que recebem um salário de R$ 1.800, fora o presidente, que ganha R$ 2.400 -, o Legislativo se reúne apenas uma vez por mês, na primeira segunda-feira. Apesar da Casa cheia, incluindo a plateia, Dinho diz que não nasce um projeto para a cidade. "Eles conversam muito, mas quem, no final, decide, é o prefeito, ou o tesoureiro (secretário da Fazenda), que são as pessoas que controlam o dinheiro", ressalta o baiano.
Com um orçamento aprovado de R$ 17 milhões para o ano de 2009, Salto tem problemas de sobra para resolver, mas esbarra na sequência interminável de más gestões administrativas. José Eduardo, por exemplo, teve a candidatura impugnada nas eleições de outubro do ano passado justamente por pendências contábeis, relativas ao mandato anterior (1993-1996), junto ao Tribunal de Contas da União (TCU). Teria recebido verbas para saneamento básico e aplicado em moradias populares, distribuídas de maneira obscura.
Para os mais pobres, moradia decente é um problema em Salto, ao lado da saúde capenga e da carência de infraestrutura básica. Nandinho - rapaz que gerencia a lan house que funciona há apenas dois meses na cidade, conectada na "Bayolnet", um provedor de Almenara, que pluga o município ao mundo -, sonha, agora, com a eleição do novo prefeito, que apoiou, e em poder, finalmente, concluir a casa que divide com a mulher, um casal de filhos e alguns parentes.
Foto: Antigo ribeirão do Lava-pés é hoje um esgoto a céu aberto: presença de porcos também virou rotina
A rua estreita e de terra que dá acesso à casa de Nandinho é a mesma que margeia o antigo ribeirão do Lava-pés, hoje um esgoto a céu aberto, onde a presença de porcos também virou rotina. A casa onde mora é grande, mas ainda não tem reboco, muro ou cerca. A laje ele talvez consiga fazer agora, para proteger o forro que já garante o abrigo da família.
Como tantos outros conterrâneos, Nandinho pretende entrar na faculdade, mas como não há curso superior em Salto, teria de estudar em Eunápolis, Bahia, onde fica a universidade mais próxima. Precisaria de dinheiro para morar fora e manter a família. Chegou a passar no vestibular, confiando na promessa de apoio para custear a empreitada. "Quando consegui, disseram que a prefeitura passava por dificuldades e não poderia ajudar", conta, magoado.
Atendimento médico é precário
Quando necessita de atendimento médico, Salto também padece. A cidade conta com um imponente hospital público municipal, mas que praticamente fechou suas portas por mau gerenciamento, funcionando hoje precariamente sob intervenção do Ministério Público. Dinheiro, não faltou. Em seu testamento, dona Inhá Pimenta da Cunha, mulher do coronel Tinô da Cunha Peixoto, tio-avô de Ronaldo, o prefeito recém-eleito, doou 90 alqueirões de terra e 500 vacas paridas para a instituição. Novamente, faltou contrapartida da Prefeitura.
No final de 2003, com a chegada da hidrelétrica de Itapebi (BA), que deu origem a imenso e vistoso lago alimentado pelo Rio Jequitinhonha, que banha Salto, surgiu um lampejo de urbanização. A cidade ganhou o seu "Penicão" - como é chamada a estação de tratamento de água construída para evitar a poluição da represa - e foi sacudida com promessas de desenvolvimento. Mas as ideias "hibernaram e não há previsão para o fim do Inverno".
Fonte: Hoje em Dia
Um comentário:
sou filho dessa terra mas fui criado e moro no ceara s estive ai em 1983 á 1988 mas pelas fotos não mudou nada cadê os políticos dai abram o olho gente
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