Diamantina, Diamantina!
Sonora, amável e cordial

Com seu casario muito bem conservado perfilando sóbria e refinada elegância

Hora de cantar, cantar
Tudo é bonito na cidade alegre e colorida, cheia de sonoridades, as mais gratas, passarinho no arvoredo dos quintais, oboé, viola, violino, garota cantando na janela, o rádio meio longe tocando “Elvira escuta”... A gente pode até achar que é tudo por causa da Vesperata, evento em que dezenas de músicos se assomam às varandas dos grandes sobrados da Rua da Quitanda com seus instrumentos, atentos à regência de dois ou três maestros que se alternam sobre pequena plataforma no meio da multidão lá embaixo. É uma serenata invertida, os músicos na janela, os ouvintes na rua.
(VESPERATA)
Mas a Vesperata é apenas

A Vesperata ocorre uma vez por mês, sempre num sábado, de abril a outubro, quando a possibilidade de chuva é menor. Vale a pena percorrer os trezentos e poucos quilômetros de BH a Diamantina para ver e ouvir. É uma experiência emocionante. Mas emoção, emoção boa, alegria e encantamento, é o que não falta em Diamantina, em seu entorno de penedia altiva, encachoeirado; nos distritos de Biribiri e Milho Verde; na antiga estrada empedrada pelas mãos de escravos; e um pouco longe, tem até garimpo de verdade pra quem queira ver. Se a gente sai andando daqui para ali, chega uma hora que vem uma sede danada, e fome. Então descobre cerveja boa, boa cachaça, e a rica culinária do Vale do Jequitinhonha. É comer, beber, regalar-se, como convém à melhor democracia.
Como controlar o controlador
Os diamantinenses adoram ouvir e contar histórias. Histórias de JK, de garimpeiros, escravos, uma outra história de padre. Pudera! Suas ruas, praças, igrejas, são todas cheias de histórias, as casas... Algumas têm mais, e a da Chica da Silva, que agora é museu, é toda história. Minha amiga Maria Luísa encantou-se com essa mulher inacreditável. Imagine uma mulher negra, nascida escrava nuns cafundós do Brasil do século XVIII e acumular tanto poder, simplesmente pelo fascínio que, femininamente, impôs a João Fernandes de Oliveira, o contratador de Diamantes que exercia, em nome da Coroa portuguesa, o poder absoluto no Arraial do Tijuco e tinha o controle de todo o Norte da Província das Minas Gerais. Com seu humor andaluz – Maria Luisa é de Sevilha e foi quem fez as fotos que ilustram este texto – achou simplesmente admirável que Chica da Silva tenha, em tais condições, materializado um ideal feminino universal: “Controlar o controlador, simples, não?”.
Histórias de contar pra turista
Turista também adora ouvir histórias e as agências treinam os guias, apetrechando-os de um anedotário básico, que vão repetindo a cada grupo, sempre com o mesmo desfecho, risos, uma ou outra gargalhada. Um guia jovem, dezoito, vinte anos, por aí, ia conduzindo um pequeno grupo pelo centro histórico, Rua da Quitanda acima, até onde, à direita, abre-se uma ruazinha estreita.

Aí vem a história: “Contam – disse o rapaz – que havia um obstetra muito respeitado em Diamantina e em toda a região, o doutor Mata Machado. Lá pelos anos 40 ou 50 ele veio atender um parto, altas horas da noite, aqui no beco. Foi muito complicado e só terminou com o dia já querendo amanhecer. Quando ia embora, passou em frente à Sé Diocesana, a igreja matriz, ali perto, onde um grupo de beatos e beatas formavam um círculo em torno do padre que, logo mais, celebraria a missa das seis.”
Alguém interpelou-o com certo desplante:
– O doutor pode dizer de onde é que está vindo a essas horas?
O rapaz não especulou a respeito, nem era o caso. Mas é de supor que o doutor estava cansado. Trabalhos de parto, quando a natureza não os resolve “di prima”, sobram para a parturiente e para o parteiro. E é de se supor que, mineiro de Diamantina, empenhou-se em não mostrar toda sua indignação aos guardiães da virtude. Terá respondido com inflexão comedida, comme il faut, sem ser duro demais nem deixar correr frouxo:
– Da puta que pariu!
A anedota é recorrente e qualquer pessoa razoavelmente brevetada em botequim, duzentas, trezentas horas de vôo, tê-la-á ouvido mais de uma vez, em diversos contextos, com uma ou outra variante, mas sempre funciona, e os turistas, quase todos, acharam a maior graça, riram que só você vendo. Porém, contado ali, na boca do Beco do Mota, o velho tema pôde suscitar imagens de uma cena gorkiana: Madrugada escura no beco silencioso. Moças alegres e de olhos muito tristes embalam com suaves cantigas num quartinho mal-iluminado e frio de uma casa modesta, a criança que, através da passagem estreita para a vida, as mão generosas do doutor Mata Machado trouxeram em segurança a este mundo sem Deus. (NM)
Publicado em Ociosidades& bagatelas, no nilseumartins.blogspot.com , via Passadiço Virtual
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