sexta-feira, 16 de março de 2012

Capelinha: entre o presídio e a Universidade o povo soube escolher


Entre o presídio e a universidade: a trajetória de um povo condenado em busca da redenção

Determinados fatos e eventos possuem trajetórias de tal forma embaralhadas, que durante e após seu desenrolar torna-se complicado, às vezes impossível, estabelecer onde começou e quais foram seus principais agentes motores. Alguns desses acontecimentos não possuem um início determinado, mas pode-se usar o plural e falar de inícios que ocorrem simultaneamente em lugares diferentes, se conjugam e configuram uma grande articulação posteriormente.
A trajetória que desejamos tratar tem um começo tortuoso, como descrito acima. Um meio extremamente disputado e um final (mais ou menos) incerto, porém carregado de expectativas. O nosso ponto de vista para narrar o evento em questão se dá a partir da cidade de Capelinha e seu tempo remonta a agosto de 2011.
Desde o início daquele mês circulava na cidade comentários a respeito de um certo “cadeião” que o Governo do Estado, com o aval do Legislativo e do Executivo municipal, instalaria na cidade. Na falta de informações confiáveis, os boatos se encarregaram de semear a "verdade" daquele momento: Capelinha seria sede de um enorme presídio com capacidade para mais de 400 presos. Tudo começou quando a SEDS (Secretaria de Defesa Social) lançou concurso para lotar 40 vagas em Capelinha, dentre as quais 32 agentes penitenciários. Com algumas apurações, descobriu-se que desde o início do ano alguns vereadores tentavam transformar a cadeia local em um presídio estadual. Na prática, a administração do presídio já era do Estado, pois a responsável pela instituição era a Polícia Militar.

Mas as mudanças foram feitas à reboque da comunidade, que não foi convocada para nenhuma Audiência Pública visando discutir as mudanças que viriam com a propalada “assunção” da cadeia municipal para a categoria de presídio estadual. Tudo aconteceu nos gabinetes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Em algumas reuniões da Câmara Municipal o assunto foi discutido, mas como todos sabem as reuniões dos vereadores de Capelinha não são eventos mais interessantes que o Jornal Nacional ou a novela das nove. Deveriam ser, mas a realidade, definitivamente, é outra. Logo, poucas pessoas se informaram dos fatos. Além disso, nessas reuniões a população não tem direito a palavra e, portanto, a contrariedade em relação a determinados projetos ou ações desenvolvidas pelos ilustres representantes do povo não pode ser externada durante esses eventos. O caminho lógico para que a situação fosse realmente debatida com a população seria a realização de algumas Audiências Públicas, como já foi dito.
Diante desse quadro, o MMC lançou no seu blog uma postagem intitulada Xô cadeião! Aqui não!, onde o sentimento de grande parte da população de Capelinha foi externado. A publicação gerou um enorme alvoroço. Centenas de comentários indignados, reprodução em outros veículos da Internet de todo Vale do Jequitinhonha, nota de esclarecimento emitida pela Prefeitura e ameaças de processo povoaram aqueles dias. Mas o que chamou mais a atenção foi a entrevista realizada pela Rádio Aranãs FM no dia 17/08.
Na ocasião estiveram presentes membros de todas as esferas de poder do município e também da Igreja Católica. Todas asinformações veiculadas pelo MMC foram rechaçadas, o representante do judiciário procurou esclarecer as polêmicas e a “assunção” foi ainda mais alçada às alturas.
Alguma coisa muito importante aconteceu naquele dia. Finalmente, depois de meses de mobilização, a existência de um grupo organizado contra o sistema político vigente na cidade foi repercutida pela principal rádio da cidade. Mas, infelizmente, em nenhum momento buscou-se ouvir esse grupo para entender suas motivações.
Daquele evento ficaram várias lições e ele marcou uma virada de página nas estratégias de atuação do MMC. Dentre as dezenas de comentários publicados na postagem (em sua maior parte anônimos) muitos se referiam à questão educacional. Várias pessoas registraram a opinião de que para lutar por investimento em educação não se via nenhum vereador local mobilizado, mas pelo “cadeião” todos se prontificavam. O que ficou claro naquele momento, é que a população já não se acomoda mais com a hipocrisia politiqueira vigente e vê o processo educacional como uma possibilidade de redenção.
Simultaneamente ao episódio “cadeião” ouviu-se um grito vindo da cidade de Berilo. Um grito que clamava por mobilização, pois um dos maiores patrimônios do Vale do Jequitinhonha corria o risco de perder suas origens – a nossa Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Albano Machado, mais conhecido com Banu, anunciou a todos os ventos cardeais jequitinhonhenses a decisão do governo federal de criar dois campi universitários nas cidades de Unaí e Janaúba vinculados à UFVJM (municípios localizados fora dos Vales para o qual a Universidade foi originalmente idealizada).
De início, a resposta do MMC a convocação de Banu foi apenas republicar sua postagem, pois o grupo ainda estava no embate sobre o presídio. Foi exatamente nesse momento que Zara Sampaio, uma das maiores lideranças do processo que transcorreu nos meses subsequentes, conclamou a pela virada de página e que o MMC se engajasse nas discussões sobre a situação. Quando se percebeu que o recado havia sido entregue às autoridades de Capelinha e que existia uma ampla demanda social por educação de qualidade, o Movimento Muda Capelinha passou a empunhar a bandeira.
Naquele momento, qual era o panorama que chegava ao nosso conhecimento? De concreto, apenas a decisão da SESU (Secretaria de Educação Superior do MEC) de criar os campi em Unaí e Janáuba vinculados a UFVJM. Aos Vales, nada sobrava! Cabe lembrar que desde o início Banu colocou em dúvida a própria manutenção da terminologia “Vale do Jequitinhonha” na nomenclatura da universidade, suspeita que, como sabemos, mais tarde quase se concretizou (mais sobre o assunto aqui eaqui).
Rapidamente o Facebook foi transformado na principal ferramenta de articulação. Percebeu-se a ocorrência de reações indignadas que aconteciam em todo Vale, mas não havia nada articulado. Após discussões preliminares, criou-se um pequeno grupo de discussões congregando blogueiros e membros da sociedade civil, principalmente do Alto Jequitinhonha. No intuito de ampliar o debate, criou-se uma postagem sobre o assunto e e-mails foram enviados para várias pessoas e grupos da região, aos quais foi pedido que também se envolvessem nas discussões. Nessa postagem, que teve mais de 230 comentários, foram discutidas estratégias, prazos, informações e decidiu-se lançar um abaixo-assinado (esboçado por Zara Sampaio) que ganhou uma versão virtual e outra no suporte de papel (todo processo de debate pode ser visto aqui). Esse documento circulou amplamente e foi um dos principais meios de divulgação da situação.
Na busca para aumentar a extensão das ações, articulou-se com um grupo do Facebook chamado “Avança Jequi”, na época recém-criado. A partir daí, os debates integraram mais pessoas de diferentes partes do Jequitinhonha. Aos poucos o movimento, que foi intitulado como “A UFVJM é nossa”, se moldou e cresceu, congregando contribuições dos mais variados matizes ideológicos, políticos e culturais. Na primeira oportunidade que teve em Diamantina deu o seu recado e saiu fortalecido.
O que aconteceu nos meses seguintes foi uma das maiores manifestações da sociedade civil do Vale do Jequitinhonha de sua história, que mobilizou várias cidades e que destoou do imobilismo de nossos representantes até então. Agitações de rua, elaboração de projetos, grupos de debate, articulações entre municípios entre outros fatos inéditos povoaram o Jequitinhonha nesse meio tempo. Tudo para desembocar nesta sexta-feira, dia 16 de março de 2012, quando podemos estar prestes a ouvir o anúncio de 3 novos campi da UFVJM para a região que motivou a criação da universidade.
O objetivo aqui não é apenas fazer um relatório de tudo que aconteceu do mês de agosto até agora, mesmo porque em cada lugar existiram dinâmicas de articulações distintas. Além disso, o movimento cresceu tanto que ainda é uma tarefa complicada estabelecer bem suas reentrâncias.
Para concluir, propomos uma reflexão acerca das lições que todo esse processo deixará. O primeiro fato patente é que se criou uma ampla rede de comunicação envolvendo ativistas de todas as regiões do Vale. Temos certeza que a luta pela universidade é apenas a primeira batalha que esse grupo travou dividindo o mesmo front. Seja qual for o resultado da reunião do Consu, não sairemos de “mãos abanando”. É importante reconhecer que para uma primeira luta nosso exército, embora desorganizado em alguns momentos, lutou muito bem. Também é necessário reconhecer o empenho das associações artísticas e comunitárias, câmaras e prefeituras municipais, escolas, grupos de jovens, empresas e todas as entidades regionais que ouviram o chamado e vestiram a camisa da causa.
Durante esse tempo percebemos o enorme potencial da nossa sociedade civil, mas simultaneamente ficou ainda mais evidente que nossas diferenças podem colocar tudo a perder por muito pouco. O elemento alentador é que somos capazes de organizar mobilizações e pressionar grupos políticos que até então viam os Vales apenas como redutos eleitorais. Descobrimos que nossos representantes eleitos podem sim trabalhar efetivamente por nós, desde que haja pressão organizada e com objetivos bem delimitados. E, definitivamente, ficou claro que para a população regional investimento em educação deve ser prioridade de todas as esferas de governo. Apenas a educação é capaz melhorar a realidade, possibilitar a redenção de nossa sociedade e impedir que “cadeiões” e “assunções” sejam considerados alternativas para resolver problemas de ordem e origem social.
A conclusão maior é que a força da coletividade muda o mundo.

*Para acessar os links mencionados basta clicar nos termos em vermelho.

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