sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Privatização da CEMIG: empresário chama governador de irresponsável e governo Bolsonaro de chantagista

Ato em defesa da CEMIG e outras estatais, em janeiro de 2019. Foto de  MARIA BEATRIZ DE CASTRO - SINDIELETRO-MG.
Em entrevista  publicada no site GGN/crise, em 29.08.19, o empresário Marco Antônio Castello Branco diz que "é uma irresponsabilidade afirmar que a CEMIG está sucateada", como afirmou o governador Zema, e considera a proposta do Governo Bolsonaro em privatizar as estatais mineiras em uma "vergonhosa chantagem" para implantar o ajuste fiscal.
Confira a entrevista:

Privatização das estatais mineiras: “vergonhosa chantagem” do Governo Federal
Entrevista concedida a Wieland Silberschneider*

O Governo Romeu Zema deverá enviar em breve à Assembleia Legislativa projeto de lei para privatização das estatais mineiras, como parte das exigências do Programa de Recuperação Fiscal, ao qual pretende aderir. 
O empresário e engenheiro metalurgista, doutor pela Universidade Técnica de Clausthal-Alemanha, Marco Antônio Castello Branco, analisa que o Governo Federal faz a “mais vergonhosa chantagem” para liberar compensações, ao exigir a privatização da estatais mineiras e que, mesmo com a alienação desse patrimônio, o Estado “continuará com os mesmos problemas orçamentários”, ficando ainda “sem capacidade de influenciar suas decisões”.

Castello Branco aponta ainda que o “Governo Pimentel entregou uma CEMIG muito melhor do que recebeu”. Em relação à declaração do Governador Romeu Zema de que “o Estado sangrou a CEMIG indevidamente” diz que “é uma irresponsabilidade afirmar que a CEMIG esteja sucateada”, ressaltando que tais declarações “desvalorizam o preço das ações da CEMIG, contrariando o interesse, e imputando prejuízo a milhares de acionistas minoritários”.


Marco Antônio Castello Branco (Foto ALMG)

O Governo Romeu Zema deverá em breve enviar à Assembleia Legislativa projeto de lei para privatização das estatais mineiras, CEMIG e COPASA. (...) Como o senhor avalia a consequência da privatização de todas essas estatais para a economia mineira?

A experiencia histórica nos mostra que as privatizações de empresas estatais ocorridas a partir de 1990 levaram a um grande esvaziamento de Minas Gerais, enquanto sede do poder decisório empresarial. Basta verificar o que ocorreu, por exemplo, após a venda do Credireal, BEMGE, Telemig e das siderúrgicas Açominas, Acesita e Usiminas. Com exceção desta última, que ainda conserva, pelo menos, sua sede institucional em Belo Horizonte, as decisões estratégicas dos negócios corporativos das demais empresas são hoje tomadas em outras praças, longe do contexto econômico, social e cultural que caracteriza o território mineiro.

"Do ponto de vista financeiro, a alienação do controle estatal não tem nenhuma importância substantiva; o déficit orçamentário tem natureza estrutural e é muito maior do que qualquer volume de dinheiro que o governo estadual venha a obter".

Com a alienação do controle estatal de CEMIG, COPASA, GASMIG e CODEMIG, o governo ficará sem o patrimônio das empresas, sem capacidade de influenciar suas decisões, e continuará com os mesmos problemas orçamentários que o Estado vive desde que o Brasil parou de crescer.

Dependendo de como será conduzido o processo de privatização e de quem venha a adquirir o controle da CEMIG, COPASA e CODEMIG, Minas Gerais corre o sério risco de ver altamente acelerado o processo de perda de relevância no cenário empresarial brasileiro, o que, aliás, já vem ocorrendo há algum tempo.
(...)
Do ponto de vista financeiro, a alienação do controle estatal não tem nenhuma importância substantiva; o déficit orçamentário tem natureza estrutural e é muito maior do que qualquer volume de dinheiro que o governo estadual venha a obter. O governo ficará sem o patrimônio das empresas, sem capacidade de influenciar suas decisões, e continuará com os mesmos problemas orçamentários que o Estado vive desde que o Brasil parou de crescer.

Eventual melhoria da situação financeira de Minas poderá ser alcançada não como resultado direto da venda do controle das estatais, mas muito mais das compensações que o Governo Federal está prometendo e que são vinculadas à privatização, num processo que desnuda a mais vergonhosa chantagem. Não há justificativa racional para se exigir a privatização de CEMIG, COPASA ou CODEMIG como contrapartida para a renegociação das dívidas com a União ou para liberação de avais do tesouro federal para novo endividamento do governo mineiro. Essas empresas são completamente independentes da arrecadação fiscal; elas não competem por recursos orçamentários com os setores de educação, saúde e segurança.
(...)
Em 2015, a Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG se encontrava em situação financeira crítica e ainda perdeu as usinas em 2017. Como se encontra hoje a empresa financeiramente?

Com toda certeza, o Governo Pimentel entregou uma CEMIG muito melhor do que recebeu. Alguns passivos foram eliminados, como o pagamento da obrigação de compra de ações da Light detidas pelos Bancos (put da Light). As participações nas empresas Ativas e CEMIGTelecom foram vendidas, sua enorme dívida junto ao mercado de crédito foi refinanciada e o prazo de amortização alongado, projetos interrompidos como as PCHs da Guanhães Energiaforam retomados e finalizados e os investimentos na distribuidora de energia foram retomados permitindo melhora dos indicadores técnicos operacionais. As ações de redução do custo permitiram que a CEMIG-D alcançasse, pela primeira vez na sua história, os valores definidos pela ANEEL e que são por ela utilizados para estabelecer o preço das tarifas de energia que a CEMIG cobra dos consumidores.

A CEMIG participa de importantes empresas como TAESA, LIGHT, Santo Antônioe Renova, que enfrentam situações econômicas e financeiras particulares. Considerando a realidade dessas empresas e a condição de endividamento atual da CEMIG, qual seria o preço estimado da empresa em uma possível privatização?

O valor de mercado da CEMIG Holding está hoje em torno de R$ 24 bilhões e nele já estão refletidos todos os impactos das empresas das quais ela é acionista. Como o Estado de Minas detém apenas cerca de 17% do capital, apesar de ter a maioria das ações com direito a voto, o valor da participação estatal na CEMIG gira atualmente ao redor de R$ 4 bilhões, próximo, portanto, do que o governo gasta em um mês com a folha de pagamento de pessoal.

"Essas empresas (as estatais) são completamente independentes da arrecadação fiscal; elas não competem por recursos orçamentários com os setores de educação, saúde e segurança. O valor da participação estatal na CEMIG gira ao redor de R$ 4 bilhões, próximo do que o governo gasta em um mês com a folha de pagamento de pessoal". 

O reperfilamento das dívidas da CEMIG terá de ser renegociado em 2025 e, neste mesmo período, há também o fim da concessão de algumas usinas. Como isso pode afetar o preço da empresa na eventual privatização?

Na minha opinião, o mercado já precificou esses impactos no preço da CEMIG. O que terá grande influência no momento da venda das ações serão as expectativas em relação à economia do país. A degradação das previsões do crescimento do PIB anunciadas pelo Banco Central, a queda da reputação do Brasil na visão de investidores internacionais e a recessão mundial que se anuncia são sinais de advertência de que, talvez, não estejamos vivendo um bom momento para venda de ativo.

O Governador Romeu Zema tem dado declarações de que “dificilmente a CEMIG tem energia disponível, para quem quer investir em Minas” e de que, “nos últimos anos, o Estado sangrou a CEMIG indevidamente”. Além disso, disse que “a empresa foi sucateada” e, para ficar em dia, ela teria de investir R$ 21 bilhões”. Como o senhor analisa essas declarações perante as condições em que se encontra a CEMIG atualmente?

Eu prefiro acreditar que essas críticas estejam surgindo no âmbito de desinformação promovido pelas redes sociais. Pois elas são de uma estupidez tão grande que não nos permite de forma alguma atribuí-las ao Governador de Minas Gerais. Exatamente ele, que quer vender a empresa, não cometeria jamais o equívoco de dar declarações que desvalorizam o preço das ações da CEMIG, contrariando o interesse, e imputando prejuízo a milhares de acionistas minoritários, algo que poderia ser objeto de grave questionamento e processos na Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Em primeiro lugar, os empreendimentos empresariais normalmente compram energia no mercado livre, onde competem várias geradoras e comercializadoras, entre elas a CEMIG. Basta consultar o portal da empresa na internet e estudar a apresentação que a CEMIG faz ao mercado para se confirmar que a CEMIG sempre teve lastro suficiente para honrar os contratos de venda de energia, tanto os atuais como os futuros. A energia que ela comercializa provém tanto das suas usinas, como da compra que ela faz junto a outros geradores.

Por outro lado, quando um empreendedor solicita a ligação de seu estabelecimento à rede de distribuição de energia pode ocorrer o problema da CEMIG não poder atendê-lo – e isso tem ocorrido – e de precisar investimentos e prazo para fazê-lo.

Mas porque ela não fez os investimentos e deixou a capacidade disponível? Os motivos podem ser inúmeros: a empresa subestimou a previsão de crescimento da demanda, a administração não autorizou, porque capacidade ociosa custa caro e ninguém está autorizado a jogar dinheiro fora, principalmente em se tratando de Empresa estatal de interesse público.

O não atendimento imediato da ligação solicitada pelo empreendedor não tem nada a ver com falta de energia, mas com falta de capacidade da rede física, dos transformadores e subestações, o que demanda investimentos para aumento da capacidade. Ocorre que o mercado de distribuição é totalmente regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. A regulação estabelece as regras e as obrigações que toda distribuidora de energia elétrica é forçada a obedecer, inclusive prazos de atendimento, e que fazem parte do contrato de concessão da prestação de serviço.

"É uma irresponsabilidade afirmar que a CEMIG esteja sucateada".

A CEMIG não tem o poder discricionário de fazer o que ela quer, ou o que entende ser bom e necessário para atender esse ou aquele consumidor. Ela é legalmente impedida, pois além da obrigação de igualdade de tratamento a todos os consumidores, ela não tem nenhuma liberdade para negociar a tarifa de distribuição. A tarifa é definida pelo regulador e cobre somente os custos e investimentos que são por ele reconhecidos e aceitos.
Qualquer custo que a CEMIG venha a assumir para atender um consumidor e que não esteja coberto pela tarifa regulada se transforma imediatamente em ônus extra para a empresa, e por consequência para seus acionistas, inclusive para toda a coletividade representada pelo acionista estatal. Infelizmente essa é a regra que foi criada na década de 90, quando o setor elétrico foi desregulamentado e desverticalizado.

É uma irresponsabilidade afirmar que a CEMIG esteja sucateada. Sem dúvida, o Governo Pimentel recebeu a empresa em 2015 com um grande déficit de investimentos na rede de distribuição. Investimentos não foram feitos por decisão da administração que tinha obrigação de fazê-los, uma vez que o Governo Federal assegurou incentivos fiscais ou correções tarifárias para a empresa realizá-los, como por exemplo o Luz para Todos.

Durante anos, e foram muitos, a CEMIG canalizou um enorme volume de dinheiro de sua geração de caixa e de empréstimos que tomou junto a bancos para distribuir de dividendos (e o Estado recebe apenas 17% do total) e para comprar participações na Light, Renova, Santo Antônio e Belo Monte. A rentabilidade do aporte nessas investidas ficou significativamente abaixo não só do que havia sido prometido no momento das respectivas aprovações, mas muito inferior ao custo de capital da empresa. Foram essas decisões, equivocadas no meu modo de entender, o que está na raiz de todos os problemas financeiros e operacionais que até hoje constrangem a CEMIG, na medida em que destruíram muito do seu valor econômico.

Mas não se pode falar nunca em sucateamento, porque após a reestruturação do endividamento em 2017, a CEMIG iniciou um grande esforço de investimento na sua rede de distribuição e os resultados começaram a aparecer imediatamente, principalmente para aquela população mais sofrida do interior de Minas Gerais que depende de energia elétrica para alcançar um mínimo de dignidade na sua condição de vida.

É uma grande falácia afirmar que a CEMIG não tem condições de investir R$ 21 bilhões nos próximos dez anos. Uma gestão séria, estatal ou privada, minimamente capaz consegue cumprir essa obrigação sem qualquer problema, pois os sacrifícios empreendidos de 2015 a 2018 asseguraram a preservação e recuperação da substância da empresa.

*Wieland Silberschneider é Doutor em Economia e Mestre em Sociologia pela Universidade de Minas Gerais.

Confira a entrevista completa aqui:

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