quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Nota de alunos que ingressam na UFMG pela cota já supera a dos não cotistas no último vestibular

Cotistas que garantiram uma vaga na UFMG neste ano obtiveram notas superiores às de não cotistas que fizeram o vestibular em 2013. Exceção foi apenas um curso

Postado em 26/01/2016 06:00 / atualizado em 26/01/2016 07:40
 Márcia Maria Cruz /Estado de Minas

Juarez Rodrigues/EM/DA Press
Co­tis­tas que che­gam à Uni­ver­si­da­de Fe­de­ral de Mi­nas Ge­rais (UFMG) ob­ti­ve­ram no­tas su­pe­rio­res às dos não co­tis­tas in­gres­san­tes em 2013, úl­ti­mo ano em que o ves­ti­bu­lar foi a por­ta de en­tra­da pa­ra uma das maio­res ins­ti­tui­ções pú­bli­cas do Bra­sil, se­gun­do le­van­ta­men­to das no­tas de cor­tes dos úl­ti­mos qua­tro anos a que o Es­ta­do de Mi­nas te­ve aces­so, em pra­ti­ca­men­te to­dos os cur­sos. A úni­ca ex­ce­ção foi en­ge­nha­ria de pro­du­ção, ain­da as­sim, com di­fe­ren­ça de me­nos de um pon­to. Em um dos cur­sos mais con­cor­ri­dos da Fe­de­ral, os co­tis­tas ti­ve­ram que al­can­çar a no­ta mí­ni­ma de 750,02 pon­tos pa­ra ga­ran­tir uma va­ga em me­di­ci­na, pon­tua­ção su­pe­rior à que a am­pla con­cor­rên­cia con­quis­tou em 2013, de 685,3 pon­tos (ve­ja abai­xo).

Nes­te ano, pri­mei­ro em que a re­ser­va de va­gas foi apli­ca­da na to­ta­li­da­de – 50% das va­gas, con­for­me pre­vê a Lei das Co­tas apro­va­da em agos­to de 2012 –, os co­tis­tas en­fren­ta­ram maior con­cor­rên­cia en­tre eles. “Os co­tis­tas en­tram na UFMG mais bem pre­pa­ra­dos que os não co­tis­tas de pou­cos anos atrás”, afir­ma o pró-rei­tor de Gra­dua­ção, Ri­car­do Takahashi. Em 2013, a re­ser­va de co­tas era de ape­nas 12,5% do to­tal de va­gas.

Das 6.279 va­gas, 3.142 fo­ram des­ti­na­das às co­tas de es­co­la pú­bli­ca, le­van­do em con­ta re­ser­va pa­ra ne­gros e in­dí­ge­nas. Uma de­las foi con­quis­ta­da pe­la es­tu­dan­te Ta­li­ta Bar­re­to, de 20 anos. “To­do ano a no­ta de cor­te mu­da e ti­ve­mos mui­to mais ins­cri­ções pa­ra o Enem. Quan­do vi mi­nha no­ta fi­quei com me­do de não pas­sar, prin­ci­pal­men­te em en­ge­nha­ria, que é um cur­so mui­to con­cor­ri­do.” A ação afir­ma­ti­va foi fun­da­men­tal pa­ra que a jo­vem, fi­lha da dia­ris­ta He­le­na Bar­re­to, se tor­nas­se a pri­mei­ra em sua fa­mí­lia a ser apro­va­da pa­ra o en­si­no su­pe­rior nu­ma uni­ver­si­da­de fe­de­ral. “Era um so­nho fa­zer fa­cul­da­de. Mi­nha mãe sem­pre in­sis­tiu pa­ra que eu e meus ir­mãos es­tu­dás­se­mos. As co­tas nos pos­si­bi­li­tam aces­so a al­go que é nos­so”, afir­mou. A jo­vem tam­bém foi apro­va­da, por meio das co­tas, pa­ra mú­si­ca na Uni­ver­si­da­de do Es­ta­do de Mi­nas Ge­rais (Ue­mg).
Juarez Rodrigues/EM/DA Press
Na ava­lia­ção do pró-rei­tor, o au­men­to da no­ta de cor­te es­tá re­la­cio­na­da à ado­ção do Sis­te­ma de Se­le­ção Uni­fi­ca­do (Si­su). Em 2013, cer­ca de 60 mil can­di­da­tos dis­pu­ta­ram as va­gas na UFMG. Em 2016, o nú­me­ro mais que tri­pli­cou, pas­san­do pa­ra 195,6 mil can­di­ta­tu­ras. Ao to­do, fo­ram 158,3 mil can­di­da­tos que ti­nham a op­ção de se ins­cre­ver em até dois cur­sos di­fe­ren­tes. “O Si­su tem es­se efei­to de fa­ci­li­tar o aces­so à dis­pu­ta pe­las va­gas nas uni­ver­si­da­des”, diz.

Nes­ta edi­ção, as di­fe­ren­ças en­tre no­tas de cor­te pa­ra co­tis­tas e não co­tis­tas va­riam en­tre 4,8% (me­nor di­fe­ren­ça, ob­ser­va­da no cur­so de bi­blio­te­co­no­mia) e 11,4% (maior di­fe­ren­ça, no cur­so de his­tó­ria). A di­fe­ren­ça mé­dia foi de 8,2%. “Por de­fi­ni­ção, as no­tas de cor­te dos co­tis­tas de­vem ser me­no­res que as da am­pla con­cor­rên­cia. Do con­trá­rio, as co­tas não te­riam ne­nhum efei­to”, diz Takahashi. Em 2014, po­rém, a no­ta de cor­te de co­tis­tas no cur­so de his­tó­ria foi maior do que os não co­tis­tas. Na­que­le ano, a di­fe­ren­ça mé­dia foi de 6,9%.

A ex­pec­ta­ti­va do pró-rei­tor é que a im­plan­ta­ção das co­tas em sua to­ta­li­da­de pos­sa re­cu­pe­rar a pro­por­ção de es­tu­dan­tes de bai­xa ren­da vin­cu­la­dos à UFMG até 2013. Na­que­le ano, 49% de es­tu­dan­tes eram pro­ve­nien­tes de fa­mí­lias com ren­da de até cin­co sa­lá­rios-mí­ni­mos. Es­sa pro­por­ção caiu de­pois da ado­ção do Si­su pa­ra 42%, em 2014, e pa­ra 46%, em 2015.

DE­SEM­PE­NHO Com a am­plia­ção do per­cen­tual de va­gas des­ti­na­das às co­tas, um dos fa­to­res es­pe­ra­do por Takahashi é que o in­gres­so de es­tu­dan­tes de es­co­las mu­ni­ci­pais e es­ta­duais se­ja am­plia­do. Nos pri­mei­ros anos das co­tas, ha­via um do­mí­nio de es­tu­dan­tes vin­dos de es­co­las fe­de­rais – es­sas ins­ti­tui­ções ocu­pam os pri­mei­ros lu­ga­res no ranking do Exa­me Na­cio­nal do En­si­no Mé­dio (Enem) 2015. “É pro­vá­vel que au­men­te um pou­co a pro­por­ção de es­tu­dan­tes de es­co­las es­ta­duais e mu­ni­ci­pais em re­la­ção aos es­tu­dan­tes egres­sos de es­co­las fe­de­rais de en­si­no mé­dio”, afir­mou. Es­sa pre­vi­são só po­de­rá ser con­fir­ma­da de­pois que os alu­nos efe­ti­va­rem a ma­trí­cu­la.

Os da­dos da uni­ver­si­da­de têm de­mons­tra­do que não há di­fe­ren­ça no de­sem­pe­nho de co­tis­tas e não co­tis­tas. “No que diz res­pei­to à qua­li­da­de, tu­do in­di­ca que não exis­ta ne­nhu­ma ra­zão pa­ra preo­cu­pa­ção”, dis­se Takahashi. O pró-rei­tor rei­te­ra que o au­men­to da com­pe­ti­ção pe­las va­gas na maior uni­ver­si­da­de pú­bli­ca do es­ta­do, de­cor­ren­te do Si­su, tam­bém cau­sou um au­men­to da com­pe­ti­ção en­tre os co­tis­tas. 
Arte EM


De­bu­tan­tes da fa­mí­lia

Mui­tos es­tu­dan­tes que en­tram pe­las co­tas são os pri­mei­ros da fa­mí­lia a in­gres­sar no en­si­no su­pe­rior. É o ca­so da es­tu­dan­te Lí­via Teo­do­ro, de 24 anos, que foi apro­va­da em his­tó­ria, com mé­dia ge­ral de 667,92. “Ob­ti­ve 880 pon­tos na re­da­ção e acre­di­to que is­so te­nha me aju­da­do bas­tan­te.” Ela cre­di­ta o de­sem­pe­nho ao ati­vis­mo na in­ter­net, on­de pu­bli­ca­va tex­tos so­bre fe­mi­nis­mo ne­gro. A jo­vem es­cre­ve pa­ra o blog Na Veia da Nê­ga e é coor­de­na­do­ra-ge­ral do Clu­be de Blo­guei­ras Ne­gras de Be­lo Ho­ri­zon­te.

Lí­via cur­sou to­do o en­si­no fun­da­men­tal e mé­dio em es­co­la pú­bli­ca. “Ti­ve a opor­tu­ni­da­de de co­nhe­cer pro­fes­so­res que me ins­ti­ga­ram mui­to e fi­ze­rem des­per­tar es­se la­do apai­xo­na­do por es­tu­dar, en­tre­tan­to, não bas­ta que­rer pa­ra con­se­guir ab­sor­ver co­nhe­ci­men­to den­tro de uma es­co­la pú­bli­ca.Não é na­da fá­cil se con­cen­trar nu­ma sa­la com 40 alu­nos e go­tei­ras em dias de chu­va. Es­te era o re­tra­to de mui­tos dos meus anos es­co­la­res.”

Por um tem­po a uni­ver­si­da­de era al­go dis­tan­te pa­ra a jo­vem, que te­ve que aban­do­nar tem­po­ra­ria­men­te o en­si­no mé­dio. “Pa­rei de es­tu­dar por con­ta do tra­ba­lho, saía mui­to tar­de e não ti­nha o mí­ni­mo fo­co nos es­tu­dos, após um dia in­tei­ro de tra­ba­lho.”  Lí­via re­co­nhe­ce que, mes­mo gos­tan­do mui­to de es­tu­dar, o en­si­no em es­co­la pú­bli­ca não a co­lo­ca­va em pé de igual­da­de com alu­nos que es­tu­da­ram na re­de par­ti­cu­lar.

SO­NHO “A UFMG pa­ra mim é um so­nho, que não acre­di­ta­va con­se­guir. Fi­quei em pri­mei­ro lu­gar das co­tas. Sem as co­tas não te­ria se­quer ten­ta­do e, não por não acre­di­tar na mi­nha ca­pa­ci­da­de, mas sim por di­ver­sos fa­to­res que nos dei­xam atrás da­que­les que tem to­da uma es­tru­tu­ra pri­vi­le­gia­da pa­ra as­se­gu­rar que eles che­guem lá”, afir­mou.

Lí­via se­rá a pri­mei­ra a se for­mar no en­si­no su­pe­rior na fa­mí­lia,  tan­to do la­do pa­ter­no quan­to ma­ter­no. “Mi­nha avó, com quem mo­ro, é anal­fa­be­ta, mi­nha mãe não ter­mi­nou o pri­má­rio. Am­bas mu­lhe­res for­tes e guer­rei­ras, que, co­mo po­dem ima­gi­nar, es­tão des­lum­bra­das em me ver en­trar em uma uni­ver­si­da­de pú­bli­ca.” 

Lista do ProUni

A lista com os nomes dos candidatos pré-selecionados a bolsas do Programa Universidade para Todos (ProUni) já está disponível na internet. O resultado da primeira chamada pode ser acessado na página do programa  (siteprouni.mec.gov.br), pelo 0800-616161 e nas instituições de ensino participantes. O estudante deverá comparecer até 1º de fevereiro na instituição para a qual foi pré-selecionado e comprovar as informações prestadas na ficha de inscrição. A perda do prazo ou não comprovação das informações implicará, automaticamente, reprovação do candidato. O programa ofertou 203.602 bolsas para 30.931 cursos. 

Palavra de especialista

Rodrigo Ednilson
Coordenador-Geral de Educação para as Relações Etnicorraciais do Ministério da Educação

Qualidade do ensino preservada


“A análise dos dados permite-nos observar um crescimento progressivo das notas de corte de todos os cursos da UFMG nos últimos anos, desde 2013. É possível observar também que as notas de corte de estudantes cotistas é, invariavelmente, mais baixa do que as notas dos estudantes não cotistas; diferença que varia mais ou menos, dependendo do curso. A leitura deste dado, todavia, não deveria ser feita dissociada dos dados, divulgados pela própria UFMG em 2015, que evidenciam que o desempenho de estudantes cotistas, medido por suas notas, mostrou-se igual ou superior às notas de estudantes não cotistas ao longo do curso. Creio que tal ressalva seja de fundamental importância para que não retornemos ao discurso de que o ingresso de estudantes cotistas, com notas de ingresso mais baixas, ameaçaria a qualidade das instituições de ensino superior.”
Fonte: Estado de Minas

Nenhum comentário:

Postar um comentário