quinta-feira, 22 de abril de 2021

Brasil deve ser protagonista e não pária do clima global

País há de voltar ao convívio das nações como atuante na questão ambiental

Folha de S. Paulo, 21.abr.2021 às 23h15

Luiz Inácio Lula da Silva

Ex-presidente da República (2003-2010) e presidente de honra do PT

Gleisi Hoffmann

Deputada federal (PR) e presidenta nacional do PT


iniciativa do presidente Joe Biden de reunir a Cúpula de Líderes sobre o Clima é coerente com o primeiro ato de seu governo, que foi o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, encerrando um período de negacionismo científico e de isolacionismo político que ameaçava a todos. São gestos que nos fazem retomar a esperança no diálogo, na razão e no futuro da humanidade.

O Brasil foi até recentemente um dos portadores dessa esperança. Está viva na memória a Conferência de Copenhague, em 2009, onde apresentamos metas voluntárias, ambiciosas e factíveis de redução da emissão de gases. Estão registrados os avanços que realizamos na preservação da Amazônia, no combate ao desmatamento e às queimadas e na geração de energia limpa, quando o governo brasileiro estava realmente comprometido com o ambiente.

Em sobrevôo realizado em maio de 2020, em Roraima, Greenpeace registrou invasão de garimpeiros na Terra Indígena Yanomani. O desmatamento das terras indígenas aumentou 64% em relação a março de 2019. Por estarem dentro ou circulando por esses territórios, garimpeiros, madeireiros e invasores são potenciais transmissores do vírus da COVID 19 para os indígenas. Foro: Chico Batata/Greenpeace 

Infelizmente, para nós e para o mundo, é bem diferente a situação em que nosso país se encontra hoje e a maneira como é visto pela comunidade internacional. O Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia registrou em março novo recorde no desmatamento, de 216% a mais em relação a março de 2020. É o resultado de uma política de destruição que envergonha os brasileiros e ameaça o planeta; um legado trágico que haveremos de superar pela via da democracia.

O Brasil há de voltar ao convívio das nações como um parceiro atuante na questão ambiental e climática, porque esta é a nossa vocação e porque já mostramos do que somos capazes. Entre 2004 e 2015, por exemplo, reduzimos em 79% o ritmo de desmatamento da Amazônia. Criamos 59 milhões de hectares de áreas de proteção de florestas e dos povos que nelas habitam. Foi o que nos credenciou à cooperação soberana com outros países, como Alemanha e Noruega, no Fundo Amazônia.

Defendemos o princípio da responsabilidade comum e compartilhada em relação ao meio ambiente, mas sempre proporcional aos recursos de cada país. Não se pode cobrar de países excluídos historicamente da acumulação de riqueza, à custa da degradação ambiental, o mesmo preço devido pelos que dela se aproveitaram. Não há que sujeitá-los a pressões econômicas nem abandonar os mais frágeis frente às mudanças.

É de maneira soberana, portanto, que o Brasil poderá e deverá voltar a participar deste esforço comum. Sem transigir com sua responsabilidade nem com o potencial humano, natural, tecnológico e econômico para enfrentar a crise. Dando o exemplo. Como protagonista e não como pária.

A cúpula se realiza num momento especialmente grave, em que a emergência climática e a pandemia de Covid-19 estão diante de nós como um alerta dramático. Tanto o aquecimento global como o surgimento de um vírus novo e mortal são respostas da natureza às agressões continuadas do ser humano. A natureza está nos avisando para mudar —e mudar urgentemente, ou não haverá para nossos filhos e netos o planeta que nossas gerações conheceram.

A mesma urgência que orienta a cúpula climática é absolutamente necessária para uma tomada comum de responsabilidades frente à pandemia. Está claro que também sobre essa emergência não haverá saídas isoladas; que nenhum país estará a salvo se todos não estiverem protegidos.

Infelizmente, também nesse ponto o atual governo do Brasil jamais atuou de maneira responsável. Nosso povo sofre a maior tragédia de sua história, e o país é visto como ameaça global. Isso não nos impede, ao contrário, de renovar o chamado aos líderes mundiais para uma ação comum para tornar os meios de enfrentar a pandemia acessíveis a todos, ricos e pobres.

Vacinas, testes e medicamentos contra a Covid-19 devem ser considerados bens da humanidade. Os trilhões que salvaram o sistema financeiro na crise iniciada em 2008 devem agora salvar vidas humanas. E o FMI não pode exigir mais sacrifícios de países que enfrentam a crise com recursos limitados.

Mobilizações como esta cúpula reacendem nossa fé no futuro e no aprofundamento do diálogo democrático, em direção da paz e da igualdade entre os povos.

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