Pequena cidade enterra seus 14 mortos em silêncio, incrédula, às vezes com choros, gritos e desespero
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PUBLICADO EM 26/11/13 - 18h52 -Joana Suarez - Hoje em Dia
Rubelita. A pequena Ana Luiza Vieira de 5 anos, mesmo sem
escutar e falar, por causa de um problema de saúde, sempre sabia a hora
que o pai chegava com o micro-ônibus em casa. Mas ontem, ao fazer um
gesto para o avô procurando pelo pai, ela entendeu que não o veria. “Ela
veio mexendo as mãos imitando um volante e querendo dizer: 'cadê
papai'”, contou o aposentado Antônio Vieira, 62, que juntou as mãos e
apontou para o céu para que a neta soubesse onde seu pai estaria agora.
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O pai de Ana, Willian Vieira, 35, era o motorista do micro-ônibus que
colidiu com uma carreta que invadiu a pista contrária nessa segunda. O
acidente na BR-251 deixou ele e mais 13 pessoas mortas, e outras 11
feridas. As vítimas eram do município de Rubelita, no Vale dfo Jequitinhonha, no norte de Minas – a
maioria seguia no veículo para fazer tratamento oncológico e exames em
Montes Claros.
Além de Ana Luiza, Willian deixou um filho de nove meses e a esposa
Emília Ferreira. “Minha filha era muito apegada ao pai. Ela estava
conseguindo começar a falar agora. Não deixamos que ela visse o
enterro”, contou Emília muito abalada. O motorista trabalhava no
Consórcio Intermunicipal de Saúde da Rede de Urgência do Norte de Minas
(Cisrun) há cinco anos transportando pacientes.
Nesta terça-feira, no velório das vítimas, cada rubelense sentia a
perda de alguém querido após uma tragédia que abalou o humilde lugarejo,
agora conhecido pelo país inteiro.
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Com o decreto de luto oficial de três dias pela prefeitura, todo o
comércio de Rubelita estava fechado. Apenas uma rua da cidade tinha
movimento, onde aconteciam velórios em três casas.
Outras cinco vítimas foram veladas no ginásio poliesportivo de
Rubelita, que deixou de ser um lugar de lazer e esporte nesta terça para
abrigar os corpos que vieram de Montes Claros. Por volta das 7h, as
pessoas começaram a chegar ao local. Cerca de 4.000 moradores saíram de
suas casas para se despedir dos conterrâneos.
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Foi com a chegada dos caixões que as pessoas começaram a acreditar no
que realmente tinha acontecido. Alguns passaram mal e saíram carregados.
Gritos e choros de desespero ecoavam daqueles que viam seus familiares
com rostos deformados, alguns irreconhecíveis.
Os passageiros que sentavam na frente não tiveram chance de sobreviver
ao impacto do micro-ônibus com a carga de motores veiculares da carreta,
que se misturaram aos pedaços do ônibus. A gravidade do acidente estava
ali traduzida na tristeza e na quantidade de pessoas.
No fim da tarde, quase toda a cidade estava na porta do cemitério para
enterrar seus filhos, num silêncio sofrido e na esperança de que a vida
volte ao normal nos próximos dias.
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Mudança durante o trajeto
Toda segunda e terça-feira, o micro-ônibus saía de Rubelita com destino
a Montes Claros. Na última viagem, nessa segunda, uma passageira que
pegava carona até o distrito de Padre Carvalho, logo depois de Salinas,
pediu para descer no trevo ao invés de parar no posto onde ela sempre
ficava, um pouco antes do local do acidente. Dominga Regina Paixão, 35,
morreu quando se preparava para descer do veículo.
As pessoas que precisavam ir à "cidade grande” tinham que agendar antes
na Secretaria de Saúde do município ou contar com alguma vaga que
sobrasse. Foi o caso de Maria Madalena dos Santos, 43, que chegou a
ligar para o taxista que sempre a levava até Salinas, mas como ele não
atendeu, ela resolveu pegar o ônibus.
A família, que estava feliz com o nascimento do neto de Madalena, ficou
sabendo da tragédia que ocorreu no mesmo dia. A dona de casa não chegou
a conhecer os dois netos. O outro nascerá daqui algumas semanas. “Ela
estava tão feliz com os futuros netos. Sempre ajudou todo mundo que
precisava. Os irmãos perderam tudo com a morte de Madalena”, destacou a
professora Analva Almeida, 40, prima dela.
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Filhos levavam pais para tratamento
Entre as vítimas, estavam filhos que foram levar os pais para fazer
tratamento de câncer. Um deles, Fernando de Oliveira, 25, estava noivo e
iria se casar no próximo ano. Sua namorada precisou ser hospitalizada
quando recebeu a notícia. O pai dele também estava no micro-ônibus e
está internado. “A cada seis meses ele levava o pai para consultar em
Montes Claros. Deixamos o caixão fechado porque ele está muito
machucado. A noiva dele nem aguentou ver”, afirmou o cunhado Joaquim
Neto, 34.
Quem também levava a mãe para quimioterapia era Maria Lúcia Almeida de
Araújo, 52, que depois de viúva, voltou de São Paulo para ficar com a
mãe em Rubelita. Ela e Ana Corrêa de Almeida, 78, morreram no acidente.
As duas comemoraram aniversário em outubro e novembro último
respectivamente. “Nunca vou esquecer o carinho que minha mãe tinha pela
família. Nunca deixava a gente ir embora sem comer”, desabafou chorando o
trabalhador rural José Deosdete, 55, filho de Ana.
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Mãe e filho morrem abraçados
Um dos velórios que mais chocou a cidade – se é que se pode dizer isso
diante de tanto sofrimento - foi o de Maria Aparecida da Silva, 23, e
Lucas Silva Miranda, 5, que foram encontrados mortos abraçados dentro do
micro-ônibus. A mãe levava o filho para tratar de uma alergia no corpo.
Os dois foram velados dentro de casa. Do lado de fora se escutava o
choro do pai e marido, que agora ficou sozinho. O caminhoneiro Eliezer
Miranda, 32, conhecido como Bigó, estava longe de casa há 25 dias, e
voltaria para o Natal. Ele visitava a família uma vez por mês. O casal
estaria juntando dinheiro para terminar de construir a casa.
“Ele queria ter vindo na quinta-feira passada. Chegou a falar com o
filho que ia levar ele no hospital, mas não conseguiu”, disse o colega
de trabalho de Eliezer, Dinaldo José de Paula, 37.
Na porta da casa, o pai de Maria Aparecida, José Antenor da Silva,
também estava inconsolável. “Perdi dois pedaços de mim porque neto é
como filho. Tenho oito filhos, mas nada cura a perda de um deles”.
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Velórios
Nove corpos foram velados em Rubelita, cinco no ginásio e quatro em
casas. Um foi levado para a Bahia e, outros quatros ficaram no povoado
de Lagoa de Baixo, na zona rural da cidade.
Vidas em perigo na BR-251
No caminho entre Belo Horizonte e Salinas, no Norte do Estado, a equipe
de reportagem presenciou pelo menos oito acidentes na última
segunda-feira. O prefeito da cidade, Inael Murta, afirmou que já pediu
ajuda ao governo federal para melhorar as condições da BR-251. “O ideal
era a duplicação, mas nem peço isso mais, quero só melhorias. É o mínimo
que o governo tinha que fazer por uma estrada que toda semana tem
acidentes com vítimas fatais”.
Quem se arrisca na estrada sabe desse perigo diário. “Há 35 dias vi
outro acidente nessa BR que matou nove pessoas. Alguém tem que fazer
alguma coisa pela rodovia”, destacou o caminhoneiro Dinaldo de Paula,
37. Parentes disseram que o motorista do micro-ônibus, Willian Vieira,
estava planejando largar o serviço porque achava a estrada muito
arriscada.
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Sobreviventes
Apesar de triste pela morte dos conterrâneos e de uma sobrinha, o dono
da loteria Wanderley Dias, 46, estava, na verdade, aliviado pela filha,
Bruna Alves da Costa, 18, que sobreviveu. “Graças a Deus ela teve só uma
fratura na perna, já fez cirurgia e está bem, mas não consegue falar
sobre o acidente porque chora muito”. Já sobrinha de Dias, Gleiciely
Caldeira, 26, que era ajudante do motorista, também morreu na hora.
Segundo o prefeito de Rubelita, Inael Murta, os demais feridos da
tragédia estão estáveis.
As coincidências da vida agiram a favor dessa vez para o funcionário da
mercearia, Valdilson Pereira Mendes, 41. Ele iria no ônibus de carona
para Montes Claros resolver o pagamento da funerária que enterrou seu
filho de 14 anos, que morreu atropelado há poucas semanas. “Minha mulher
falou para eu ir na segunda, mas acabei dando jeito de ir na
sexta-feira, três dias antes do acidente. Deus que me ajudou”.
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Fonte: Hoje em Dia
Um comentário:
muito triste..
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