Conheça a mineira de Araçuaí que de doméstica se tornou chefe de cozinha em Paris
Ana Ribeiro veio de Minas.
Será possível fazer uma carreira de sucesso trabalhando como doméstica?
Foto: Divulgação |
Dos fogões à lenha da cidade de Araçuaí, Ana chegou às cozinhas mais chiques da França. De empregada doméstica a chef de cuisine.
“É um voo e tanto, do Vale do Jequitinhonha para Paris”, comenta a repórter Isabela Assumpção.
Uma caminhada vitoriosa, que começou ainda menina. Órfã, aos 7 anos, foi criada na casa onde a mãe trabalhou como doméstica.
Globo Repórter: Mas você ficou como filha da família ou como empregada?
Ana Ribeiro, chef de cuisine: No início é engraçado, porque só depois que você cresce, que você tem entendimento da vida você sabe que você é só um agregado daquela família.
Ana Ribeiro, chef de cuisine: No início é engraçado, porque só depois que você cresce, que você tem entendimento da vida você sabe que você é só um agregado daquela família.
Globo Repórter: Você não fazia comida de boneca, você fazia comida de verdade?
Ana Ribeiro: Comida de verdade mesmo. Eu não tive muito adolescência ou infância pra brincar. Eu tive uma infância pra cozinhar mesmo, pra trabalhar na casa.
Ana mudou de vida. Reescreveu sua história, através dos livros. “Eu tenho uma gana, uma vontade de aprender sempre”, conta.
Mas, para estudar, ela tinha que deixar tudo arrumadinho. “Eu tive que barganhar muita coisa. Por exemplo, eu tinha que deixar o jantar pronto, eu tinha que torrar o café antes, eu tinha que fazer os biscoitos”, lembra.
A vida era de doméstica, mas o sonho era muito maior. “Eu sempre me vi no Rio de Janeiro. Cristo Redentor. Tudo que falava em Rio de Janeiro era aquilo que me movia. Então. Eu falei: ‘eu vou sim’”, revela.
E ela veio. Trabalhava na casa de amigos mineiros, que tinham vindo morar na cidade maravilhosa. “E aí nessa época, eu me lembro que teve o boom dos congelados. E aí eu comecei a fazer congelados para outras pessoas”, lembra.
Um dia, Ana viu no jornal o anúncio de um curso de culinária italiana. Mas não tinha como pagar a inscrição. “‘Infelizmente eu não vou poder pagar’. Aí a pessoa do outro lado me fala assim: ‘a gente está precisando de alguém para ajudar. Você não quer?’. Tudo conspirando. ‘Você não quer?’. ‘Posso?’. ‘Pode’”, diz.
E Ana foi parar no restaurante de um dos hotéis mais famosos do Rio de Janeiro: além de contratada ganhou um superprêmio. “Foi um prêmio que eu ganhei pelo próprio hotel de ficar 40 dias lá na França. Fiquei com Paul Bocuse. Foi uma experiência maravilhosa, tudo pago pelo hotel. Então, eu fiquei assim muito feliz”, afirma.
O hotel funcionava em um prédio na Praia de Copacabana.
Globo Repórter: Nunca tinha havido uma chef de cozinha mulher lá?
Ana Ribeiro: Não. Até então eu nem sabia disso. Mais precisamente, quando eu cheguei ao Rio vindo da Ilha do Governador, você vê que tudo conspira. Nunca esqueço, eu peguei o ônibus 472, desci na Central. Ele faz aquele contorno da Atlântica para pegar o ponto final. Aí eu olho para aquele prédio imenso e falo assim: ‘ainda vou trabalhar aqui’. E dez anos depois, estou eu lá no 37° andar , com aquela vista, aquele mar de Copacabana, aquela praia aos meus pés. Eu olhava pro Cristo, e falava: ‘Aqui estou’.
Ana ensina, para a equipe do programa, uma receita que faz desde mocinha, lá em minas.
“Aqui está com minha letrinha o rocambole que era um dos pratos que eu sempre fazia aos domingos”, conta Ana.
Um rocambole de batata com recheio de frango. Frango refogadinho. Com temperos simples.
“Às vezes, o Globo Repórter vai chegar em regiões que não tem alho poró. Aí a pessoa não vai fazer porque não tem alho-poró? Mas tem cebola. Tem alho. Então, fica muito mais fácil”, diz Ana.
Tá aí a dica. Qualificação. Quanto mais conhecimento, mais chances de conseguir um bom emprego, um bom salário.
“Quais que são as ferramentas básicas do trabalho das domésticas?”, pergunta a repórter.
“Ela tem que ser uma pessoa organizada. Ter conhecimento da rotina de serviço e de materiais e equipamentos”, responde Laura do Nascimento, professora.
Em um curso do Senac, no Recife, a turma aprendeu técnicas de limpeza, cuidados com a higiene e muito mais.
“Tem muita gente que acha que você tem que fazer tudo. Você tem que lavar, passar, arrumar, engomar, tomar conta das crianças. Ainda tem quem tem criança. E ainda levar o cachorro pra passear. Tem muitas delas que acham que você tem que fazer isso. Achei ótimo essa história dessa Lei de Doméstica, porque determina o que você vai fazer”, conta Patrícia Pereira, camareira.
“Vocês precisam especificar um contrato. O que é que eu faço? Meu contrato é o que? É limpeza? É cozinha? É lavar roupa? Por que? São dias específicos e tarefas diferenciadas”, diz a professora.
“A doméstica hoje em dia continua a vida inteira a fazer o mesmo trabalho ou dá pra fazer carreira?”, questiona a repórter.
“Dá pra fazer carreira. Ela vai sair da residência pra hotelaria que abrange muito dessas profissões”, responde a professora.
Patrícia já está empregada como camareira de um hotel.
“A minha profissão me sustenta, sustenta meu filho, paga minhas contas e faz me vestir do jeito que eu quero. E as pessoas acham que a empregada é aquela que usa um lencinho, aquela que é a coitadinha. E não é por aí. Não mais hoje, graças a Deus que a gente tem o direito de ir e vir, de ser o que a gente quiser. Pelo amor de Deus, acabou a escravidão, aquela história de sentar na beira do fogão e esperar a patroa dizer ‘pode comer’, ‘pode dormir’. Duas horas da manhã, você lavando casa. Por favor, minha mãe era assim. Por favor”, revela Patrícia.
“O que diferencia as empregadas do passado das empregadas de hoje?”, pergunta Isabela.
“Acho que a questão da escolaridade. E hoje tem as pessoas que gostam do serviço doméstico, gostam da cozinha. Então, é uma opção”, diz a professora Laura do Nascimento.
Ana que o diga. Hoje ela ganha a vida como banqueteira e professora de arte culinária.
Globo Repórter: Paixão da sua vida é a cozinha?
Ana Ribeiro: Sim, a cozinha. eu gosto muito. da cozinha, dos livros e futebol. Cheguei a jogar. Lá em Minas a gente jogava na areia, na rua”.
Globo Repórter: Que posição você jogava?
Ana Ribeiro Adivinha? No ataque.
Alguém duvida?
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