sábado, 16 de junho de 2012

Os doidos de Minas Novas

Minas Novas, Terra de doido.

Sobradão de Minas Novas. Qual foi o doido que construiu um aranha-céu deste, de adobe e pau-a-pique, em pleno século XVIII? Deve ter sido o primeiro doido de Minas Novas. 

Todos dizem que minha cidade é terra de doido.
Minha cidade tinha muitos doidos, contou-me vovô.
Cada doido mais doido e com suas manias, suas esquisitices.

E vovô fala-me de cada um com tanto carinho, que dá vontade de conhecer Bastiana Doida, Bastiana Mingau, Onofre, Zezé Reverth, Biela, Varistinho, Rita Pezinho, Modesto e tantos outros que povoam a imaginação do povo daqui.
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Todos doidos, mas doidos mansos, boa gente!
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Vovô falou de Modesto - de poste em poste - batendo e ouvindo.
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Ouvia sons imaginários e repetia-os a quem quisesse ouvir, cantando cantigas doidas e desatinadas.
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Lembrou-se, também, de Bastiana Mingau, preta velha e forra que vivia em companhia do compadre seu.
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E demos muitas risadas, quando vovô disse que Bastiana rezava, gritava e chorava entre tosses, risos e peidos.
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Que vontade de ter vivido a infância de vovô para ter conhecido Mestra Biela - culta, violonista, professora - que filosofava sobre política municipal dizendo que chegaria o dia de cair os muros e subir os monturos.
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Vovô disse que se arrepiava diante de tão louca lucidez.
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E Onofre?
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Repetidor de frase conhecida até pelas ruas e becos da cidade:
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-"Encher 'pó' é 'ieu', fazer ‘chichimia’ é os 'oto' ".
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E vovô disse que ainda sou criança para entender o que é "fazer chichimia". Um dia eu aprendo. . .
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Vovô contou-me a história de Rita Pezinho que era o terror da criançada e sentava-se nos degraus do Rosário e passava horas quieta, até que a "capetada" viesse lhe perturbar.
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Aí, então, Rita descia o pau!...
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Vovô falou das ilusões de Rita - que sonhava ver crescer seu pezinho, devorado pelo fogo, o que rendeu seu apelido e a fez conhecida por mais um ditado popular da cidade:
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"Oh! Ilusão de Rita Pezinho"! (Ditos a qualquer um que sonha sonhos doidos.)
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Vovô falou de Varistinho - doidinho por sinos de igreja e também de Zezé Reverth, doido, mas que carregava sonhos grandiosos, de dizer e se achar um nobre, vindo da França - em uma nau, que segundo vovô era um barco grande que fazia viagens intermináveis de um país a outro.
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Pobre Zezé! Como devia sofrer!
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Comoveu-me a triste história de Manoel Rabicó, doido menino que vivia na rua, sujinho que só ele.
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O doidinho tomou banho uma vez na vida, dado pela polícia, nas águas do Fanado, por ordem do prefeito, que lhe pôs bota, gravata e roupa limpa, depois disso Rabicó subia e descia ladeiras dizendo:
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“- Neguinho hoje tá é penando!”
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E encantava a cidade que ria-se das peripécias do Neguinho.
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Essas figuras misturam-se em minha cabeça e me pus a sonhar com cada um e comparei-os em minha meninice, aos doidos de hoje, doidos bobos, sem graça, sem encanto e sem fantasia.
É vovô!... nossa terra é terra de doido sim, mas eu queria mesmo era ser criança, junto com você, para conhecer as pessoas mais lúcidas de quem já ouvi falar: Os doidos de seu tempo de criança

Samuel Gomes Fernandes -
Estudante da 7ª série - E. E. "Dr. Agostinho da Silva Silveira" - MINAS NOVAS (MG)

Texto escrito como redação escolar, em 2008.

Samuel é neto do Fernando Fernandes, natural de Gangorras, atual José Gonçalves de Minas. Fernando mora em Minas Novas há mais de 40 anos. Quem não o conhece ao lado da Liga, no pé da castanheira?


Publicado no Face book por minha prima Deyse Magalhães e Marcelo Costa.  


Comentário:


Convivi, entre 1966 e 1969, quando estudava no Ginásio Minas Novas, atual E.E. José Bento 


Nogueira, com a maioria destes "doidos" , figuras populares, descritas poeticamente pelo 


jovem Samuel. 


Comecei ali a aprender  que ser louco é algo muito normal, e ser normal é algo muito louco.


Somente Minas Novas para nos dar tamanha lição! 

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