Romaria: fé, poeira e pau-de-arara
Deyse Magalhães
O caminhão de meu pai subia o Morro da Contagem numa madrugada fria do mês de maio. Carregava os romeiros no Pau de arara para ir á Aparecida do Norte pagar suas promessas e pedir a Santa a proteção necessária para aliviar as dores do dia a dia.
As mulheres com lenços amarrados debaixo do pescoço. Os homens com chapéus e cigarro de palha queimando entre os poucos dentes que lhes restavam na boca, soltavam foguetes ao passar pela ponte do Rio Fanado. Cantando em meio à estrada de terra que trepidava causando
causando um enorme desconforto numa viagem de mais de 1500 km, sentados em bancos de madeira, sem encosto, apenas com uma lona para se proteger do sol, do frio e da chuva se acaso chovesse. Era o único meio de transporte coletivo de passageiros da época.
Mas fé movia Maria. Maria que juntava dinheiro o ano todo pra comprar um colar, ou uma pulseira de ouro para ofertar a Santa em gratidão às bênçãos alcançadas.
-Nossa Senhora Aparecida há me ajudar! Vou levar esse cordão de ouro para ela e se Deus quiser voltarei ano que vem para agradecer os milagres.
Maria era uma pessoa simples, morava em casa humilde, não tinha luxo, como muitos brasileiros, mas a vida dura do Jequitinhonha ainda era pior. O pouco dinheiro que recebia comprava umas coisinhas aqui outras ali. Desta vez mandara um ourives da cidade fazer uma correntinha de ouro e caprichar nos detalhes.
–É para a Santa! Dizia com orgulho e feliz, pegando o adereço e levantando sobre o olhar mágico e entre as mãos apertava no peito.
O ronco do caminhão ganhava a estrada e a cidade ia ficando para trás, sumindo no meio da poeira vermelha.
Na sacola levava farofa, biscoitos de goma, bolo, café, paçoca de carne de sol para matar a fome durante a viagem.
Que dia vocês voltam? E meu pai num vozeirão respondia – Só sei o dia da saída, o dia da chegada só Deus é quem sabe! E dava uma risada que retumbava ao longe.
Já pegando a estrada definitiva que parecia não ter fim, os romeiros continuavam a cantoria alternando com rezas e ladainhas para seguir viagem.
A cachaça aliviava o cansaço, dava alegria e a ilusão de um caminho menos dolorido. Era o tempo da fé inabalável, da fé inquestionável. Mas ainda tinha muito chão a ser percorrido até o Santuário.
Os romeiros não viam a hora de ajoelhar aos pés da Santa e com os olhos marejados agradecer a nossa Mãe Poderosa Padroeira do Brasil!
(NOTA: o transporte em Paus de arara foi proibido, mas essa antiga prática continua sendo exercida no Brasil, principalmente na região nordeste, em romarias e nas lavouras)
Este texto foi publicado no facebook pela Deyse Magalhães, de Minas Novas, no Alto Jequitinhonha, nordeste de Minas, contando uma das muitas viagens que seu pai, o caminhoneiro Dário Magalhães, fazia, saindo de Minas Novas, seguindo a definitiva, rumo à Aparecida do Norte, em São Paulo.
O título não é da autora do texto. Publico sem licença prévia da minha prima Deyse.
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