Crédito chega ao Vale do Jequitinhonha I
Monte Formoso, Médio Jequitinhonha
Fernando Travaglini - Jornal Valor Econômico - 28/12/2009
Alaíde Ramos acaba de sair do banco. Foi tomar um empréstimo de R$ 2 mil para a reforma da casa. Com um lenço azul na cabeça, vestido da mesma cor e óculos bifocais, caminha com dificuldade pelas ruas acidentadas de Monte Formoso, nordeste de Minas Gerais.
Aos 69 anos, tem o olhar entristecido pela morte do filho no dia 20 de julho, e do marido, apenas 40 dias depois. Como forma de se manter próxima a ele, ainda carrega as duas alianças de casamento. Agora, acumula a aposentadoria com a pensão por viuvez. A renda estável é garantia de conta em banco e de acesso ao crédito.
Como muitos moradores da cidade de 4.943 habitantes, no Vale do Jequitinhonha, uma das áreas mais pobres do Brasil, a 498 km de Belo Horizonte e a 100 km da divisa com a Bahia, Alaíde tem um pedacinho de terra na zona rural, onde planta café nas partes mais altas e feijão e mandioca nas baixadas. Prefere morar na cidade em uma casa de barro ou adobro, como dizem na região, a dois quarteirões do centro - a mancha urbana tem pouco menos de um quilômetro quadrado.
Os materiais comprados com o dinheiro emprestado pelo banco servirão para cobrir a casa que pertencia ao filho e onde mora a nora, Norma Caldeira.
A construção perdeu o telhado na última chuva. "Era coberta com palha de coqueiro, mas o vento arrancou. Tornamos a botar lona, mas também veio abaixo", conta. Norma tem conta no banco, mas não possui rendimento fixo e não pôde pegar o empréstimo. É vendedora de produtos Avon e Natura junto com a cunhada Eliete, que terminou o curso de enfermagem mas não arrumou emprego. Não há leitos hospitalares em Monte Formoso.
Histórias como a de Alaíde têm se tornado comuns na cidade. Desde que o Bradesco instalou um posto de atendimento avançado, em julho, o gerente Guilherme Salles, fluminense de Cabo Frio, contabiliza ter quadruplicado o número de contas - antes eram abertas apenas no Banco Postal, nos Correios. Hoje são 966 contas. A maior parte ainda é de aposentados e comerciantes, mas a inclusão da folha de pagamento da prefeitura e da câmara deve reforçar o número de contas. O maior deslumbramento é com a possibilidade do crédito.
"Ontem tinha fila de aposentados no banco querendo um dinheirinho", diz Hildebrando Gomes da Silva, ele próprio um integrante da fila. Assim que saiu o pagamento, correu para a agência e pegou um empréstimo consignado, com parcelas descontadas da aposentadoria, que iria ajudar nas compras de Natal.
Primeiro Banco
O primeiro contato da cidade com o sistema financeiro veio quando a Caixa Econômica Federal instalou um terminal eletrônico "Caixa Aqui", em 2001, para pagamento de benefícios governamentais. Hoje, a máquina funciona basicamente para os saques do Bolsa Família, que alcança 1.964 pessoas de 538 famílias, quase 40% da população. Antes do Bolsa Família, não tinha posto de gasolina, restaurante, pousada, água tratada, esgoto, ônibus com trajeto regular ou asfalto.
O acesso ao município mais próximo era feito por estrada de chão e a falta de um posto bancário obrigava os aposentados a gastar boa parte do benefício na viagem até a vizinha Joaíma, que conta com duas agências, uma do Banco do Brasil e outra do Itaú.
A prefeitura tentou remediar o caso e comprou uma Kombi alocando funcionários para sacar os benefícios. Mensalmente, a Kombi-pagadora percorria 44 quilômetros de estrada de terra para sacar R$ 187 mil para os 629 aposentados que aguardavam em Monte Formoso.
A última viagem ocorreu em 2005, quando o carro foi abordado por assaltantes. Por sorte, os saques não haviam sido feitos. Os aposentados deixaram de perder tudo, mas os funcionários foram humilhados e a facilidade oferecida pela prefeitura acabou.
Em junho de 2008 foi inaugurada uma agência dos Correios, que também passou a funcionar como Banco Postal, correspondente bancário do Bradesco.
Bom mesmo foi para o comércio local porque o dinheiro voltou a circular na cidade. "As vendas aumentaram entre 10% e 15%", comemora Hélio Pereira, dono da Mercearia Bananal, a maior de Monte Formoso.
Monte Formoso, Médio Jequitinhonha
Fernando Travaglini - Jornal Valor Econômico - 28/12/2009
Alaíde Ramos acaba de sair do banco. Foi tomar um empréstimo de R$ 2 mil para a reforma da casa. Com um lenço azul na cabeça, vestido da mesma cor e óculos bifocais, caminha com dificuldade pelas ruas acidentadas de Monte Formoso, nordeste de Minas Gerais.
Aos 69 anos, tem o olhar entristecido pela morte do filho no dia 20 de julho, e do marido, apenas 40 dias depois. Como forma de se manter próxima a ele, ainda carrega as duas alianças de casamento. Agora, acumula a aposentadoria com a pensão por viuvez. A renda estável é garantia de conta em banco e de acesso ao crédito.
Como muitos moradores da cidade de 4.943 habitantes, no Vale do Jequitinhonha, uma das áreas mais pobres do Brasil, a 498 km de Belo Horizonte e a 100 km da divisa com a Bahia, Alaíde tem um pedacinho de terra na zona rural, onde planta café nas partes mais altas e feijão e mandioca nas baixadas. Prefere morar na cidade em uma casa de barro ou adobro, como dizem na região, a dois quarteirões do centro - a mancha urbana tem pouco menos de um quilômetro quadrado.
Os materiais comprados com o dinheiro emprestado pelo banco servirão para cobrir a casa que pertencia ao filho e onde mora a nora, Norma Caldeira.
A construção perdeu o telhado na última chuva. "Era coberta com palha de coqueiro, mas o vento arrancou. Tornamos a botar lona, mas também veio abaixo", conta. Norma tem conta no banco, mas não possui rendimento fixo e não pôde pegar o empréstimo. É vendedora de produtos Avon e Natura junto com a cunhada Eliete, que terminou o curso de enfermagem mas não arrumou emprego. Não há leitos hospitalares em Monte Formoso.
Histórias como a de Alaíde têm se tornado comuns na cidade. Desde que o Bradesco instalou um posto de atendimento avançado, em julho, o gerente Guilherme Salles, fluminense de Cabo Frio, contabiliza ter quadruplicado o número de contas - antes eram abertas apenas no Banco Postal, nos Correios. Hoje são 966 contas. A maior parte ainda é de aposentados e comerciantes, mas a inclusão da folha de pagamento da prefeitura e da câmara deve reforçar o número de contas. O maior deslumbramento é com a possibilidade do crédito.
"Ontem tinha fila de aposentados no banco querendo um dinheirinho", diz Hildebrando Gomes da Silva, ele próprio um integrante da fila. Assim que saiu o pagamento, correu para a agência e pegou um empréstimo consignado, com parcelas descontadas da aposentadoria, que iria ajudar nas compras de Natal.
Primeiro Banco
O primeiro contato da cidade com o sistema financeiro veio quando a Caixa Econômica Federal instalou um terminal eletrônico "Caixa Aqui", em 2001, para pagamento de benefícios governamentais. Hoje, a máquina funciona basicamente para os saques do Bolsa Família, que alcança 1.964 pessoas de 538 famílias, quase 40% da população. Antes do Bolsa Família, não tinha posto de gasolina, restaurante, pousada, água tratada, esgoto, ônibus com trajeto regular ou asfalto.
O acesso ao município mais próximo era feito por estrada de chão e a falta de um posto bancário obrigava os aposentados a gastar boa parte do benefício na viagem até a vizinha Joaíma, que conta com duas agências, uma do Banco do Brasil e outra do Itaú.
A prefeitura tentou remediar o caso e comprou uma Kombi alocando funcionários para sacar os benefícios. Mensalmente, a Kombi-pagadora percorria 44 quilômetros de estrada de terra para sacar R$ 187 mil para os 629 aposentados que aguardavam em Monte Formoso.
A última viagem ocorreu em 2005, quando o carro foi abordado por assaltantes. Por sorte, os saques não haviam sido feitos. Os aposentados deixaram de perder tudo, mas os funcionários foram humilhados e a facilidade oferecida pela prefeitura acabou.
Em junho de 2008 foi inaugurada uma agência dos Correios, que também passou a funcionar como Banco Postal, correspondente bancário do Bradesco.
Bom mesmo foi para o comércio local porque o dinheiro voltou a circular na cidade. "As vendas aumentaram entre 10% e 15%", comemora Hélio Pereira, dono da Mercearia Bananal, a maior de Monte Formoso.
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