O Vale e o jornalismo
Carlos Jáuregui
Nascido em Belo Horizonte, Luís Santiago é um escritor e jornalista que trocou a capital mineira por Pedra Azul, município no Baixo Jequitinhonha. Sua obra é composta por oito livros, quatro sobre a História do Vale, além de livros de poesia. Mesmo tendo deixado a escola aos 12 anos de idade, há mais de 20 anos ele tem colaborado com artigos na área cultural para vários jornais mineiros. Atualmente, ele é redator do Jornal de Notícias do Jequitinhonha, em Almenara, diretor de Projetos da Federação das Entidades Culturais e Artísticas do Vale do Jequitinhonha (Fecaje) e faz o curso superior de História.
Carlos - O que te fez vir paro Vale?
Luís - Minha mãe é de Pedra Azul e ela tem uma fazendinha lá. Aí eu resolvi ir olhar a fazenda dela.
Carlos - Você foi criado em Belo Horizonte. O que te interessou no Vale?
Luís - As músicas de Elomar, aquela idéia do medievalismo, esse arcaísmo do Vale do Jequitinhonha, eu fiquei fascinado com isso. Eu via o vaqueiro com aquela roupa de couro e, desde menino, eu ouvia a história do bicho da carneira também chamado de bicho da fortaleza ou de Pedra Azul, uma espécie de lobisomem. Sem falar no próprio calor humano da região. Eu vejo as pessoas de fora falar “Vale da Miséria”, imaginam chegar aqui e encontrar porco na rua, casas caindo aos pedaços, pessoas morrendo de fome. E não, o que surpreende, além da criatividade e riqueza cultural é que as pessoas daqui são muito calorosas, atenciosas e hospitaleiras. É uma coisa que me prendeu aqui.
Carlos - E como você começou no jornalismo?
Luís - Eu já escrevia e participava, em Belo Horizonte, do CEC (Centro de Estudos Cinematográficos) e, através do CEC, a gente fazia críticas de cinema para jornais. Depois, eu também fiz algumas contribuições para o Jornal do Vale. Depois, em 94, comecei a colaborar com o jornal Boca das Catingas, em Pedra Azul e vim a ser o diretor e editor dele. De 98 pra cá, quando eu mudei para Almenara, tenho trabalhado como redator.
Carlos - Muitos jornalistas em Almenara não tem o curso superior e inclusive há uma repórter que é semi-analfabeta. Como funciona esse trabalho?
Luís - O sistema do jornalismo de lá é diferente. As matérias são geralmente pagas, é o que mantém os jornais. Então, o repórter é mais um vendedor de matéria e, geralmente, ele não é redator. Ele faz a cobertura, faz a entrevista, pega algum material impresso, toma notas e leva para o redator. No caso dessa moça repórter, que é semi-analfabeta e dificilmente escreve uma palavra certa: ela vai, faz a cobertura do evento e leva para o redator fazer a matéria.
Carlos - E como funciona a imprensa no Vale? O jornalismo pago é comum na região?
Luís - Eu acredito que sim. Em cidades pequenas é assim que funciona, porque a venda é mínima. Os anúncio são valores também pequenos e poucas pessoas tem condições de fazer a assinatura. E eu acho que esse jornalismo sobrevive, mesmo a base de matérias pagas, porque ele é que traz a informação dessa região. Só quando acontece um crime hediondo, uma família inteira, uma enchente, aí que aparece na grande imprensa. No dia-a-dia, nas coisas cotidianas, não teria informação nenhuma.
Carlos - E como é a cobertura da grande mídia sobre o vale?
Luís - Eles pegam esse aspecto do Vale da miséria. Isso tem um lado positivo, porque projetos de desenvolvimento aparecem a partir daí, de alguma forma você sensibiliza os governantes. Porém, essa idéia de “Vale da Miséria” baixa demais a auto-estima das pessoas. Mas quem vem aqui vê que o Vale tem uma riqueza que poucos lugares do mundo têm.
Carlos - Isso mudou nos últimos tempo? Com festivais de cultura, feiras de artesanato?
Luís - Os primeiros Festivales lançaram grandes nomes. Então a cultura do Vale do Jequitinhonha foi conhecida a partir daí. E hoje, continua tendo um papel de divulgação.
Carlos - Nos seus poemas há muito misticismo e religião. Você tem um interesse particular pela religiosidade do Vale do Jequitinhonha?
Luís - Não sei se chega a influenciar na minha produção poética, mas eu admiro demais, principalmente as festas do Rosário com a coroação do rei, os tambozeiros, catopés, que são coisas ancestrais.
Carlos - Voltando ao jornalismo. Você fala sobre o jornalismo militante do Vale.
Luís - Os primeiros jornais na região do Serro apareceram em 1828. Como era muito difícil o transporte de uma tipografia, as pessoas fizeram todos os tipos em pedra ou em metal fundido. Pouco depois, em 1830, Teófilo Otoni montou o jornal Sentinela do Serro. Ele mandava o jornal para a corte propondo mudanças constitucionais. Em 1860, Joaquim Felício dos Santos editava O Jequitinhonha e publicou as Memórias do Distrito Diamantino que é um livro indispensável sobre a mineração em Minas Gerais. Na década de 1920, em Almenara, que era um distrito de Jequitinhonha, Olindo Miranda criou um jornal especificamente para a emancipação do lugar.
Carlos - O que deve mudar na cobertura que a grande mídia faz do Vale?
Luís - Eu acho que algum grande jornal deveria ter uma sucursal local aqui na região.
Entrevista publicada no http://blog.vivaovale.com.br, em 23/07/2006.
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