sábado, 7 de março de 2020

Apanhadoras de flores do Jequitinhonha e Norte de Minas ganham reconhecimento mundial pela FAO

Os apanhadores de flores Sempre-Vivas habitam a porção meridional da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, região de Diamantina, numa extensão de 30 municípios, do Vale do Jequitinhonha e norte de Minas. 

Comunidades tradicionais de apanhadores de flores sempre-vivas dos municípios de Diamantina, Presidente Kubitschek, no Alto Jequitinhonha e Buenópolis, no norte de Minas, conseguiram o reconhecimento como Sistema Agrícola Tradicional de Importância Mundial (SIPAM). É o primeiro do país. O anúncio foi feito pela FAO, no dia 06 de março de 2020.
O selo é concedido pela FAO, uma das agências da Organização das Nações Unidas (ONU) que lidera os esforços internacionais para erradicação da fome e dá especial atenção ao desenvolvimento das áreas rurais, onde vivem 70% das populações de baixa renda no mundo e que ainda passam fome.
Os grupos tradicionais preservam técnicas seculares de manejo da terra e desenvolvem em seu território uma relação sustentável com a natureza. O reconhecimento da FAO é uma valiosa conquista para as comunidades Pé de Serra, Lavras, Macacos, Vargem do Inhaí, Mata dos Crioulos e Raiz, as últimas três quilombolas, localizadas nos municípios de Buenópolis, Diamantina e Presidente Kubitschek.
Foto: André Dib.
“Trata-se de um reconhecimento de extrema importância não apenas para Minas Gerais, mas para o Brasil. No mundo, somente 57 sistemas haviam conquistado este selo até hoje. Deste total, apenas três na América Latina”, explica Márcia Bonetti, coordenadora técnica estadual da Emater-MG, instituição vinculada à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa).
Um comitê científico da FAO esteve na região nos dias 28 e 29 de julho de 2019 para avaliar tanto a pertinência da candidatura ao selo, quanto o envolvimento dos governos local, estadual e federal, da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex), que representa os apanhadores, e das universidades. O representante da FAO no Brasil, Rafael Zavala, ressaltou a importância de todas as instâncias trabalharem juntas no processo de certificação. “O desafio é fazer funcionar este mosaico institucional. É uma grandiosa oportunidade para criarmos um exemplo do SIPAM a ser seguido no Brasil e até na América Latina.”
Fotos: João Ripper/Emater-MG

Esta também é a opinião de Mauro Agnoletti, coordenador do comitê científico que avalia as candidaturas e professor da Universidade de Florença. Ele falou sobre a importância dessa sinergia. “Estou bastante impressionado com a participação das autoridades públicas em todos os níveis. O importante agora é comunicar o que vimos aqui. Precisamos convencer pessoas de todas as partes do mundo a virem aqui, elas vão se apaixonar por este lugar. Toda essa produção tradicional raramente chega ao conhecimento do grande mercado.”
Para conquistar o selo, as comunidades precisam vencer algumas etapas. A primeira ocorreu em junho de 2018, quando formalizaram a candidatura com a entrega de um dossiê à FAO. A solenidade ocorreu durante o I Festival dos Apanhadores e Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas, realizado em Diamantina. A candidatura recebeu o apoio de pesquisadores, membros de órgãos públicos e de organizações da sociedade civil, que ajudaram a construir o documento. A decisão foi tomada na reunião do comitê científico, em novembro de 2019, em Roma, capital italiana. E divulgada, nesse 06 de março de 2020.
Sempre Viva1
Visita
Nos dias 28 e 29 de julho de 2019, uma comitiva, composta pelo avaliador e por representantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da FAO Brasil, da Codecex, da Emater-MG, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), da Seapa, e a pesquisadora da USP Fernanda Monteiro, percorreu a comunidade Mata dos Crioulos para conhecer as particularidades deste sistema agrícola tradicional. A pesquisadora mineira ficou otimista em relação à impressão causada nos avaliadores. “Foi possível conhecer, entre outras coisas, a belíssima cultura alimentar que o pessoal dessa região possui. Acredito que os avaliadores puderam compreender a grandiosidade do sistema”, ressalta Fernanda.

Depois, o grupo foi recebido pelos prefeitos, pelo secretário de Estado de Cultura e Turismo, Marcelo Matte, e pela secretária de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ana Maria Valentini, para um jantar preparado com produtos locais pela chef Tanea Romão, em parceria com cozinheiras das comunidades.
Marcelo Matte deixou claro a intenção da Secretaria em apoiar essa atividade econômica exclusivamente mineira e tradicional. “Vamos trabalhar em políticas públicas capazes de garantir a dignidade dessas comunidades. Esse programa da FAO reforça a importância que esses grupos têm para Minas e para o mundo.”
A secretária Ana Valentini destacou a importância de trazer este selo para o Brasil. “Este selo vai chamar a atenção para a necessidade de envolvimento de todos na preservação da história do sistema dessas comunidades e dessa cultura riquíssima, que vem de muitas gerações.”
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A prática de cultivo das flores é repassada de geração a geração. Foto: Codecex


A presidente do Iepha, Michele Arroyo, falou sobre os ganhos que esse processo traz para o patrimônio cultural. “A candidatura tem nos permitido aprender com as comunidades para que consigamos contar e registrar esses saberes e patrimônio cultural enquanto um processo dinâmico, que no caso se chama ‘Plano de Salvaguarda’”.
O sistema
Os apanhadores de flores Sempre-Vivas habitam a porção meridional da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Além da coleta das flores, as comunidades realizam outras atividades produtivas que garantem a complementação de renda e segurança econômica e alimentar, como roças, criação de aninais e coleta de produtos do agroextrativismo, a exemplo de frutos e plantas medicinais.
O grupo integra uma categoria de comunidade tradicional, é certificado pela Comissão Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais (CEPCT-MG) e amparado pela Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.
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A Prefeitura de Diamantina comemorou a conquista no dia em que a cidade completava 307 anos de emancipação.  
As características do Sistema Agrícola Tradicional dos Apanhadores de Flores Sempre-Vivas que possibilitaram a candidatura ao programa da FAO são a utilização combinada de: diferentes altitudes, que vão de 600 a 1300 metros de altitude; elevada biodiversidade; conhecimentos tradicionais sobre o uso das áreas, gerando distintos agroambientes que resultam em paisagens manejadas; abundância hídrica; reserva de biodiversidade nativa; biodiversidade agrícola; e riqueza cultural.
Feira dos Apanhadores reuniu 500 participantes e 300 apanhadores. Foto: Codecex
Cronologia da grande conquista de reconhecimento mundial
Muito utilizadas na confecção de artesanatos comercializados no estado, em outras regiões do país e também no exterior, as flores Sempre Viva carregam importância histórica, econômica e sociocultural. Por essa razão, este sistema de agricultura tradicional, presente em municípios da Serra do Espinhaço, foi o primeiro a ser reconhecido como Patrimônio Agrícola Mundial no Brasil.

O selo foi concedido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) a sistemas no mundo que atravessaram adversidades ao longo da história e, mesmo assim, foram capazes de manter suas tradições culturais, diversidade agrícola e cumprir uma função ecológica. Até o momento, 57 sistemas foram contemplados.
Foto: João Roberto Ripper

O processo começou em 2016, quando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Embrapa pré-selecionaram cinco locais no país, entre eles a região de Diamantina. No ano seguinte, foi realizada uma ação junto aos apanhadores de flores Sempre Viva e à Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas da Serra do Espinhaço de Minas Gerais (Codecex). Identificou-se que, nesta primeira etapa, dos 30 municípios da Serra do Espinhaço em que a atividade é praticada, a candidatura consideraria inicialmente algumas comunidades rurais de Buenópolis, Diamantina e Presidente Kubitscheck.

“Para solicitar a candidatura, o sistema agrícola deve ser único e atender a algumas características, como possuir uma paisagem notável e diferenciada, rica biodiversidade, segurança alimentar, modelos de gestão diferenciados com sistemas de conhecimento local e tradicional, tecnologias de produção engenhosas, identidade cultural e valores socioculturais utilizados para sua manutenção”, explica Márcia Bonetti, coordenadora técnica estadual da Emater. 

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de São Paulo (USP), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) foram os responsáveis pela produção do dossiê técnico-científico que conta a história do sistema agrícola tradicional dos apanhadores de Sempre Viva. O documento foi encaminhado à FAO pelo Ministério das Relações Exteriores, em novembro do ano passado, juntamente com o plano de conservação dinâmica elaborado pela Codecex em parceria com o Governo de Minas Gerais, prefeituras e demais parceiros.

Márcia conta que os apanhadores desenvolveram sistemas agrícolas diversificados em variadas altitudes, que vão de 600 a 1.300 metros, aprenderam a lidar com a paisagem e com todas as adversidades encontradas ao longo dos séculos. No topo da serra, eles soltam o gado em uma parte do ano, coletam e fazem o manejo das flores Sempre Viva. Nas partes mais baixas, realizam o plantio das roças de toco e fazem uso de sementes crioulas, cultivadas ao longo de gerações.

O conhecimento é secular e, por meio dele, o homem vem realizando intervenções sustentáveis em regiões pouco atrativas devido às características do solo e relevo. O resultado é um sistema agrícola com uma paisagem notável que tem resistido às mudanças climáticas e sociais, e refletido em importante material genético para o futuro da humanidade.
Foto: André Dib
Foto: André Dib.
Em reunião com a secretária de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Ana Valentini, a coordenadora da Emater informou que, neste momento, o dossiê está sob avaliação do Comitê de Análise Científica da FAO, formado por pesquisadores dos cinco continentes. Ainda no primeiro semestre, representantes do comitê virão ao Brasil para conversar com os proponentes e parceiros da candidatura.
Foto: João Roberto Ripper
Foto: João Ripper/Emater-MG
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Neste sentido, a coordenadora da Emater reforçou o pedido de apoio do governo, por meio da secretaria, para a recomposição do grupo executivo permanente, responsável pela elaboração de estratégias de apoio ao sistema agrícola tradicional, e a criação de espaços de diálogo com os setores envolvidos na regulamentação da atividade extrativista de flores Sempre Viva.

Para a secretária, o reconhecimento dos apanhadores de flores de Sempre Viva aumenta a expectativa de investimentos, políticas públicas adequadas, geração de empregos e, consequentemente, a renda destas populações. “Esta conquista trará muito orgulho para Minas Gerais e também para o Brasil”, destaca.
Apanhadores de flores

Foto: André Dib.

COMUNIDADES APANHADORAS DE FLORES

Onde estão: na região da Serra do Espinhaço, norte de Minas Gerais, em cerca de 30 municípios: Diamantina, Gouveia, Serro, Presidente Kubitschek, Couto Magalhães de Minas, Olhos D'Água, Buenópolis, Bocaiúva, entre outros.  
  • Atividades: colheita e venda de flores, raízes, cipós e frutos. 
  • Roçado e criação de animais
  • Por que lutam: pela recategorização do Parque Nacional das Sempre-Vivas em Reserva de Desenvolvimento Sustentável
  • Ameaças: Parque Nacional das Sempre-Vivas, gerido pelo ICMBio, impõe restrições às ações humanas. 
  • Avanço da monocultura de eucalipto e pinus, da mineração e de fazendeiros
  • Como se organizam: associações e Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas, articulação com o Ministério Público Federal, com a Defensoria Pública Federal e com o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. Debates na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Informações do  IEPHA, ESALQ/USP, UFVJM, UFMG, EMATER, SEAPA, FAO/BRASIL, reporterdobrasil.com.br
Outras Fotos: Gui Gomes e  Marcio Isensee Sá



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