sábado, 21 de abril de 2018

Corrupção construiu a fortuna dos Inconfidentes

Obra revela que propina, venda de cargos públicos e sonegação de impostos eram comuns entre os inconfidentes - e esses golpes eram articulados pelas musas que os poetas revoltosos cantavam.

Natália Rangel, na Revista Isto É, de 16.04.10
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HERANÇA 
Em Vila Rica, atual Ouro Preto, os poderosos pagavam por privilégios pessoais

Se depender da exaustiva e minuciosa pesquisa do historiador paulista André Figueiredo Rodrigues, o calendário nacional corre o risco de perder um de seus feriados mais importantes e festejados: o de 21 de abril. Nessa data se homenageia o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”, mártir da Inconfidência Mineira enforcado e esquartejado no ano de 1792. 
O historiador Rodrigues é o autor do recémlançado livro “A Fortuna dos Inconfidentes” (Globo), obra que revê radicalmente alguns aspectos do movimento mineiro, desconstruindo parte de seu ideário. Tiradentes era um dos rebeldes dessa sublevação. 
O autor do livro teve acesso a uma infinidade de documentos e de processos judiciais da época. A grande novidade é que, através deles, descobre- se que a corrupção e a festa com o dinheiro público não é característica dos atuais dias republicanos. 
A Inconfidência foi uma reação do Brasil Colônia contra os impostos escorchantes cobrados pela Coroa Portuguesa. Através da íntegra dos relatórios, a obra revela  que boa parte dos bens que até hoje se atribuíam aos inconfidentes correspondia, na verdade, a uma ínfima parte de seu patrimônio real – ou seja, eles sonegavam o máximo que podiam. “Tudo o que era possível esconder, eles escondiam”, diz Rodrigues.
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O OURO DE TIRADENTES
De acordo com o livro, o mártir da Inconfidência não vivia de seu modesto soldo militar como

alferes – ele foi um homem influente e rico. Ganhou o direito de explorar 47 pontos de mineração na
Mantiqueira, criava gado, possuía sítios, sesmarias e escravos. Atuava também como agiota, 
emprestando dinheiro a juros escorchantes. O livro defende a tese de que Tiradentes 
não queria reformas sociais e igualdade de direitos.
Assim, é equivocada a versão que se tinha até agora de que os 24 inconfidentes condenados por crime de lesa-majestade eram pessoas de posses muito modestas. 
Na visão de Rodrigues, os inconfidentes estavam distantes dos ideais de igualdade e liberdade defendidos pela Revolução Francesa e prova disso é que 60% deles eram proprietários de escravos e não se mostravam dispostos a aderir às teorias abolicionistas. 
Na narrativa do autor, o que se percebe é que todos eles buscavam burlar a autoridade da Coroa Portuguesa em benefício próprio e muitos entraram para o grupo dos inconfidentes em busca justamente de ajuda financeira. 
Entre os idealistas estão os poetas Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga (autor de “Marília de Dirceu”) e entre os pragmáticos que se aproveitaram do movimento para ganhar mais poder e fortuna estão os coronéis Domingos de Abreu Vieira e Francisco Antônio de Oliveira Lopes, os padres José da Silva e Oliveira Rolim e Carlos Corrêa de Toledo, o sargento Luís Vaz de Toledo Pisa, o minerador, e também poeta, Inácio José de Alvarenga Peixoto. Esse último se tornou ouvidor de Minas por indicação de um amigo influente – cargo que lhe foi comprado a peso de ouro. 
O livro conta que Alvarenga Peixoto, como representante do governador, pediu seis contos de réis para comprar produtos para a guerra contra os espanhóis travada no Sul do País. Recebeu o dinheiro público, mas o guardou para si e deu um calote geral. Utilizou-o para pagar as suas próprias dívidas, que nada tinham a ver com o conflito.
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“É a mesma forma de burlar e se apropriar do bem público.
Igualzinho ao que acontece hoje”
André Figueiredo Rodrigues, autor de “A Fortuna dos Inconfidentes”
Mulheres comandavam o esquema de corrupção
Alguns nomes pouco lembrados na história da Inconfidência Mineira são os das mulheres dos revoltosos e elas ganharam destaque no livro. Após a prisão dos rebeldes coube a essas esposas administrar os bens da família para que tudo não se perdesse nos leilões da Coroa. E no processo de preservação do patrimônio, nunca por meios lícitos, elas mostraram ser mestres no ofício, como explica Rodrigues: “As mulheres burlaram as leis, tocaram as fazendas, subornaram os meirinhos e juízes. Foram responsáveis pela preservação da fortuna dos inconfidentes nas mãos das próprias famílias.” 
Para isso lançaram mão dos compadres influentes e dos amigos que tinham funções no alto escalão do palácio. É o caso de Bárbara Eliodora, mulher de Alvarenga Peixoto, e de Hipólita Jacinta, esposa de Antônio de Oliveira Lopes, grande proprietário da região mineira de Prados – ambos os maridos presos como inconfidentes.
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O QUE HÁ DE NOVO

O poeta Alvarenga Peixoto enriqueceu ao “comprar” um cobiçado cargo de ouvidor.
O confisco dos inconfidentes pela Coroa foi em vão: eles ocultaram 90% de seus bens. 
Bárbara Eliodora não ficou louca nem miserável: salvou grande parte de seu patrimônio.
Bárbara Eliodora entrou para a historiografia oficial como uma viúva que enlouqueceu de amor e morreu na penúria. Na verdade, ela teve uma velhice tranquila e ainda deixou riquezas para toda a sua descendência, segundo provam os dados reunidos no livro. Bárbara soube acionar parceiros para proteger a fortuna do marido que Portugal tentava embolsar. 
Já Hipólita, também esperta, mostrou- se uma hábil financista ao encontrar por si mesma uma forma de subornar os fiscais da Coroa Portuguesa que tinham ordem para efetuar o seqüestro de seus bens. Numa carta reproduzida no livro e que revela claramente a mentalidade daquele período, Alvarenga Peixoto escreve às autoridades coloniais: “Entretanto, espero que Vossa Mercê dê alguma desculpa a um mineiro que tem obrigação e necessidade de ser mentiroso como os outros.” O trecho da correspondência aponta para uma das características marcantes dos inconfidentes: a mentira na divulgação do patrimônio e a consequente sonegação. 
Como se vê, a partir da obra de Rodrigues, há muita gente no Brasil, sobretudo na classe política, que vive um eterno 21 de abril.

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