quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Projeto social leva turistas a conhecer comunidades quilombolas do Vale.

Criatividade para driblar as dificuldades do dia a dia, vontade de vencer e persistência impulsionam os moradores das comunidades sertanejas.

 postado em 17/11/2015 00:12 / atualizado em 18/11/2015 18:54
Elizabeth Colares/EM/D.A Press
Só pelo título desta matéria já dá para perceber que o que o espera é um roteiro diferente e inusitado. Quem, em sã consciência, sairia do conforto do seu lar para se embrenhar sertão adentro, se hospedando, muitas vezes, em casas de nativos e convivendo com toda uma infraestrutura simples e até mesmo deficitária, quando se trata de estradas? Mas a ideia de conhecer uma cultura que acumulou riquezas imateriais e mantém a tradição herdada dos antepassados, especialmente na religiosidade, nos cânticos e na criatividade para driblar as dificuldades do dia a dia, atrai mais pessoas do que se imagina. E é exatamente essa a proposta do Projeto Agentes Quilombolas Socioambientais, realizado pela ONG Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), com o apoio do Oi Futuro. É o que se chama de turismo social, pois tem a intenção de, principalmente, gerar renda para os moradores e, em contrapartida, oferecer ao turista um pouquinho do saber das comunidades.

A ideia é mostrar para todo o mundo a beleza e a diversidade do local e que a cultura quilombola tem muito para acrescentar e encantar. A começar pela gastronomia, que vai arrebatar de vez quem ainda tinha dúvida de que estaria indo para o lugar certo. Mas prepare-se para fazer uma dieta alimentar na volta, porque, com certeza, você vai precisar. É que é difícil resistir a tantas guloseimas fresquinhas, servidas em cada lugar a que se chega. Quitandas de todo tipo e comidas típicas como a galinha caipira, quiabo, molho de mamão verde com carne de sol cozida, angu de fubá de produção própria, tropeiro com feijão-de-corda e outras infinitas variedades que seu estômago vai agradecer. Os doces, bolos e biscoitos são capítulo à parte, com destaque para o de polvilho escaldado e frito na hora. Tudo com receitas que passam de mães para filhas, por várias gerações.


Elizabeth Colares/EM/D.A Press
Quilombolas de Berilo são simples, mas já têm estrutura para receber visitantes (( Foto: Elizabeth Colares / EM/DAPres}
MEMORIAL A forte manifestação religiosa, presente tanto nos cânticos quanto nas danças, é outro atrativo importante. A festa de Nossa Senhora do Rosário é um exemplo, sendo responsável por atrair centenas de fiéis aos vários municípios onde é realizada. As congadas são outro tesouro muito bem representado pelos quilombos. É certo que essa manifestação esteve por um tempo meio esquecida, mas foi resgatada por pessoas que lutam para manter sua origem viva. 

Alessandro Borges de Araújo, de 27 anos, não se rendeu às pressões para sufocar sua história. E, num esforço exemplar, vem conseguindo fazer valer a tradição em Berilo, cidade com cerca de 12 mil habitantes, distribuídos na sede e nas comunidades próximas. “A dança do congado aqui é resistência. Enquanto puder contribuir para mantê-la viva, o farei.” Além de convencer as pessoas a abraçar a causa, ele organiza e cuida de um pequeno memorial, com instrumentos, estandartes, bandeiras e outras peças. “A ideia é fazer um memorial de Berilo, que tem cerca de 280 anos”, diz.


Elizabeth Colares/EM/D.A Press
Alessandro Araújo busca manter fortes as raízes de Berilo e diz que congado lá é sinal de resitência cultural ( Foto: Elizabeth Colares / EM/DAPres}

Como Alessandro, representantes em cada comunidade nas regiões de Berilo, Chapada do Norte e Minas Novas lutam pela preservação de seus bens e por dias melhores. E o turismo vai ajudar um pouco nesse papel de desenvolvimento. Qualquer época é interessante, mas a melhor mesmo é a partir de março, quando as chuvas, que começaram agora em novembro, terão passado e transformado a paisagem de vermelha (marcada pela poeira), para verde e colorida pelas flores. Quando os rios, que agora estão por um fio, voltam a brotar e a convidar para um mergulho. E, quem sabe, até as estradas possam ter a atenção dos governantes e ofereçam melhor acesso às localidades, já que, atualmente, o percurso é coberto por cascalho, com vários pontos críticos (BR-367 – Berilo/Araçuaí).



Depoimento
  
“O lugar se chama Vale do Jequitinhonha, mas bem que poderia se chamar Vale Encantado, pelo tanto que toca a alma e mexe com nossa estrutura. Tive vontade de chorar várias vezes, ao ver a situação daquela gente tão sofrida, mas me contive ao ver também a alegria estampada nos rostos e a felicidade ao nos receber (a mim 
e meu grupo). É uma gente brava, resistente, que tem que lutar até contra ela mesma para sobreviver. A simplicidade de lá nos faz refletir sobre a ganância de cá. Um povo esquecido pelos governos e que, mesmo assim, toca a vida como pode. O que dizer das viúvas de maridos vivos, como são chamadas as mulheres que cuidam sozinhas dos filhos, enquanto o companheiro sai em busca de trabalho nos grandes centros? O que dizer das estradas, de terra esbarrancada, às vezes com cascalho, mas a maioria sem condições de tráfego, cheias de poeira e que, quando chove, não tem jeito de passar, e as pessoas chegam a ficar dias ilhadas? Problemas à parte, o lado bom é que é uma gente criativa e persistente. A terra é boa para plantar e comida na mesa não falta. As chuvas também renovam o verde e a esperança do morador. Isso sem falar das tradições mantidas com muito afinco e valor. Sem dúvida, a riqueza imaterial do Vale compensa por si só.” (Beth Colares)

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