quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

No Brasil, os privilégios das mesmas famílias vêm desde a Colônia.


Ou , as famílias tradicionais e amigos do rei 

sempre estiveram no poder, defendendo cargos, 

títulos, privilégios e propriedades, inclusive de 

gentes.


Por Álbano Silveira Machado*

No Brasil, desde o século XVI até os dias de hoje, a prática do patrimonialismo sempre permeou a administração pública. Na era colonial, os primeiros portugueses representantes da Coroa montaram uma máquina pública com a participação efetiva de brasileiros para arrecadar riquezas e impostos e enviar para Portugal. Porém, parte do arrecadado fazia fortuna de algumas poucas famílias, os amigos do rei.

Portugueses e seus descendentes constituíram famílias com brasileiros. Destas uniões familiares nasceram filhos com destinos já traçados: ocupar cargos na administração pública federal que se alastrava em cidades litorâneas e, pouco a pouco, em Vilas e Províncias do interior.

Para formar altos burocratas para a gestão pública colonial, Marquês de Pombal criou uma escola, em Lisboa, onde jovens brasileiros se transformaram em administradores dos negócios da Coroa, no Brasil. Um exemplo foi José do Patrocínio.

Para administrar todo o território colonial o governo português distribuiu enormes faixas territoriais a famílias e amigos da Coroa, no episódio das Sesmarias. Com a doação das terras públicas às famílias tradicionais, criou-se uma aristocracia rural em que grandes proprietários de terras, com trabalho escravizado, concentraram poder econômico e político, segundo Raymundo Faoro, no livro “Os donos do poder”, publicado em 1958. Esta realidade foi bem proeminente na República Velha, de 1910 a 1930, quando o coronelismo concentrava os poderes locais do Legislativo, Judiciário e Executivo. De lá pra cá, muita coisa mudou, mas nos rincões do país há resquícios do coronelismo, vestido com outras roupagens de camuflagem.

Filhos destas famílias seriam ocupantes de cargos públicos. Eles criaram uma linha de sucessão em que filhos, parentes e amigos eram indicados e preparados para assumirem o seu posto após aposentadoria, promoção ou falecimento. O sociólogo alemão Max Weber chamou esta e outras práticas similiares de patrimonialismo que é a característica de apropriação do espaço público por interesses particulares.

Até 1930, apenas as Forças Armadas e a Diplomacia brasileira seguiam princípios de uma burocracia racional e meritocrática. Na era Vargas, uma reforma de administração pública, com tais orientações, foi implementada, visando um projeto nacional-desenvolvimentista, entre 1930 e 1945.

O presidente Getúlio Vargas criou o DASP – Departamento Administrativo dos Serviços Públicos que centralizou todas as ações e medidas da Reforma que propôs racionalizar a burocracia pública, valorizando a meritocracia e a universalização dos serviços públicos. Algumas medidas tomadas pelo DASP: realização do concurso público como única forma de acesso a cargos públicos; criação de autarquias, fundações e empresas de economia mista para alavancar o desenvolvimento econômico e social; modernização das relações capital-trabalho com a criação do Ministério do Trabalho e decreto de aprovação da CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, entre outros.

Segundo Bresser Pereira, a reforma burocrática de Vargas foi a primeira que pensou o Brasil com um projeto de desenvolvimento, visando o incremento da industrialização, da urbanização e da estruturação de uma burocracia racional e meritocrática. Porém, a Reforma criou ilhas de excelência ao atingir apenas a administração federal. Para manter aliados políticos nos Estados e Municípios, com práticas de patrimonialismo, clientelismo e patriarcalismo, a reforma não alcançou as administrações públicas locais e regionais.

As instituições políticas formadas visavam a barganha por cargos e benesses do Estado. Seguindo o modelo de Partido de Quadros, as organizações partidárias são organizadas, em geral, para a prática do exercício de utilizar recursos públicos, nas três instâncias federativas, para o grupo político na ocupação de cargos públicos e na destinação de investimentos em obras e serviços, nem sempre de utilidade pública, mas para benefícios pessoais e familiares.

O sindicalismo brasileiro, copiando uma ação viciada do Estado também burocratizou a sua administração, com eleições seguidas das mesmas pessoas nas direções que contratam familiares como funcionários da entidade, esvaziando ainda mais a já débil representação social.

O Estado brasileiro está loteado por grupos corporativos representativos de interesses privados com uma produção permanente de corrupção e uma burocracia ineficiente. A troca de favores, a ocupação de cargos, a aprovação de privilégios e a alocação de recursos para servir aos amigos do governo é uma prática corriqueira. “Para os amigos, tudo. Para os inimigos, a lei dura”, repetem os donos eternos do poder.

Recursos públicos não são mais priorizados para atendimento das necessidades da população, mas disputados por grupos econômicos e seus asseclas representantes que, de forma descarada, propõem corte de políticas públicas, privatização do orçamento público, criminalização dos representantes dos movimentos sociais que reivindicam direitos e vão implantando uma agenda de ultra-liberalismo que indica o caminho de volta à escravidão da maioria da população.

A democracia representativa entra em crise, aqui, e no resto do mundo, sentencia o cientista político catalão Manuel Castells, em “Ruptura – a crise da democracia liberal”, publicado em 2018. Há um rompimento entre governos e governados, pois a desconfiança leva à falta de legitimidade, criando um clima de indignação. Surgem manifestações e protestos populares contra o estabilishment, a corrupção, a política, os partidos e toda representação de uma democracia cansada, esclerosada.

Neste caos político, surgem falsas lideranças como Jair Bolsonaro, pregando uma nova/velha ordem, numa lógica que o povo não quer o que aí está, mas não sabe ao certo o que virá.

*Álbano Silveira Machado cursou Psicologia, na UFMG, Especialização em Gestão Pública Municipal, Metodologia de Projetos Sociais (PUC MG). É Mestrando em Estado, Gobierno y Políticas Públicas.

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