terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Judiciário brasileiro e os muitos privilégios de uma casta

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Privilégios judiciários

Por Álbano Silveira Machado*

Desde a Colônia, o Estado brasileiro oferece privilégios para alguns poucos servidores e agentes públicos, assim como para uma seleta categoria de cidadãos e empresas privadas. Alguns estudiosos chamam a este fenômeno de patrimonialismo ou a apropriação privada do que é público. 

Embora exista em todas as instâncias federativas - federal, estadual e  municipal -, é na administração pública federal onde se encontram as principais ilhas de privilégios  de uma casta dos servidores públicos. Mas, há um poder que se destaca entre os demais: o Poder Judiciário. Este é um poder que tem se fortalecido e abusado autoritariamente em aprovar seus próprios privilégios, aproveitando-se da crise de credibilidade do Legislativo e do Executivo. E age de forma discricionária e de chantagem a estes outros poderes, no Estado, assim como ao poder econômico e midiático, no Mercado, para obter vantagens para si e para os seus da sua bolha de poder. 

Há um clamor moralizador no Brasil, nos últimos anos, com um único foco que é o de combate à corrupção na política, restrita aos poderes legislativos e executivos, e, em escala menor, a corruptores do mercado. A corrupção no Poder  Judiciário brasileiro fica escamoteada e protegida pelo protagonismo que juízes e promotores, com o apoio da grande mídia oligopolizada, assumiram no combate moralista, seletivo, politizado e partidário de desvios de recursos públicos para interesses privados.


Como uma verdadeira “caixa preta”, acessível a poucas pessoas, o Judiciário, em seu conjunto, tornou-se uma grande estrutura geradora de privilégios para poucos, com uma reduzida preocupação social, participação democrática, transparência e nenhum controle social. É o único poder que não possui nenhuma abertura para participação e fiscalização da sociedade, não tendo de prestar contas a ninguém. Às vezes, há comissões internas de  apuração de mal-feitos, que sempre chegam à conclusão de proteção do investigado, em um acordo corporativista. Por isso, permite descalabros com o dinheiro público, com tímida ou nenhuma reação popular.


Com um poder descomunal e desequilibrado na estrutura do Estado,  o Judiciário desrespeita o artigo 2º da Constituição Federal que estabelece: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". 


O Estado vive uma crise de gestão - administrativa e financeira - e busca o ajuste de responsabilidade fiscal com o controle e corte de  gastos nas políticas públicas, principalmente as sociais que sacrificam a população mais pobre. No entanto,  o Judiciário brasileiro aumenta progressivamente os  seus gastos para manter a sua máquina de controle social, político e econômico, e aumentar os privilégios de uma casta meritocrática. É o que mais gasta recursos públicos entre todos os países da América e da Europa, R$ 90,3 bilhões, ou 1,4% do PIB - Produto Interno Bruto, em 2017. A Venezuela gasta 0,34, a Argentina 0,13, a Alemanha 0,32,  a Itália 0,19 e os EUA gastam 0,14 do seu PIB.

O gasto de todo o Poder Judiciário brasileiro com folha de pagamento cresceu 11% (ou R$ 8,1 bilhões) de 2014, ano que marca o início da crise econômica, a 2017. No mesmo período, a economia do país se retraiu 5,6%.
A despesa com salários, benefícios e penduricalhos na Justiça subiu acima da inflação, mostra o relatório Justiça em Números 2018, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O documento reúne dados das Justiças Estaduais, Federal, do Trabalho e Militar e dos tribunais estaduais, regionais e superiores, exceto o STF (Supremo Tribunal Federal).
No ano passado, a remuneração custou R$ 82,2 bilhões ao país e bateu recorde. O montante representa 90,5% do Orçamento do Judiciário, distribuído a 448,9 mil funcionários. 

O teto salarial dos magistrados é de R$39,2 mil, mas, segundo o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário em Goiás - SINJUFEGO, os juízes e promotores engordam seus contracheques com ao menos 32 tipos de auxílios, gratificações, indenizações, verbas e ajudas de custo. 
Mas, não é só na esfera federal que há privilégios. Em Minas, se considerados os rendimentos brutos, somando os salários aos auxílios e "vantagens eventuais", o número de magistrados que recebem acima do teto constitucional chega a 97%. Como se os altíssimos salários não fossem suficientes, entre os benefícios mensais estão o abono de permanência, de R$ 3.300 mil; auxílio-saúde, de R$ 3 mil; auxílio-alimentação, de R$ 884; auxílio-livro de R$ 13 mil anuais; e auxílio-moradia (que causou revolta em todo país no início deste ano), de R$ 4.377. Somados, estes benefícios chegam a R$ 24.861 por mês, dados do primeiro semestre de 2018. 
Neste mês de dezembro, a Assembléia Legislativa de Minas aprovou o auxílio-saúde para promotores e procuradores do Ministério Público no valor de  até R$ 2.500, o que revoltou os mineiros que protestaram nas redes sociais e meios de comunicação. Dos 50 deputados estaduais presentes à votação, apenas 3 votaram contra, em um verdadeiro acordo entre poderes. Os representantes políticos temem as ações inquisitoriais do Ministério Público.

Outro privilégio conhecido é o julgamento de autoridades judiciárias, que são julgados em foro especial, mesmo que tenham cometido um crime comum. Juízes criminosos não são julgados e presos. São aposentados de forma compulsória, percebendo o salário integral. No Brasil, são cerca de 30 mil juízes, desembargadores, ministros e promotores que gozam dessa regalia.

As férias anuais do poder judiciário são de 60 dias para juízes, desembargadores e ministros, e 30 dias para os serventuários, os servidores públicos comuns. 

É importante salientar que os privilégios são principalmente para juízes, promotores, ministros, desembargadores e cargos em comissão. Os sindicatos dos serventuários denunciam diversos privilégios da casta e exigem salários e condições de trabalho mais dignas para os  demais servidores.


Um levantamento feito pelo SINJUFEGO, no início de 2018, aponta que a média dos salários  dos juízes e desembargadores nos Estados é  de R$ 41.802, podendo chegar a R$ 100 mil, e muito mais, em alguns casos. No Brasil, a média dos vencimentos  dos magistrados é 20 vezes maior do que a de cidadãos comuns, com nível de formação universitária, enquanto que em países europeus é pouco mais que o dobro.  

Ainda segundo o SINJUFEGO, no primeiro trimestre de 2018, a média de rendimentos de juízes e desembargadores nos Estados é de R$ 41.802 mensais; a de promotores e procuradores de justiça, R$ 40.853. Os presidentes dos Tribunais de Justiça apresentam média ainda maior: quase R$ 60 mil (R$ 59.992). Os procuradores-gerais de justiça, chefes dos Ministérios Públicos, recebem também, em média, R$ 53.971. Supera-se o teto em 50 dos 54 órgãos pesquisados. Eles abrigam os funcionários públicos mais bem pagos do Brasil. Há salários reais que ultrapassam R$ 100 mil. 
Outro problema é a prática de nepotismos e compadrios na ocupação dos espaços. Um exemplo: segundo o jornal Folha de S.Paulo, 16% dos integrantes do Judiciário no estado do Rio são parentes de outros membros desse poder. Esta situação seguramente se reproduz em maior ou menor grau nos outros estados.

Há suspeitas de vendas de decisões e sentenças, principalmente para bancos e grandes empresas, com transações milionárias.  Não há fiscalização e investigações são acobertadas.

O Brasil necessita urgentemente de uma Reforma do Judiciário para qualificar e distribuir universalmente os serviços judiciais, criar o controle social, deselitizar o acesso e a carreira no Sistema Judiciário, cortar os privilégios, punir Juízes e promotores  que cometerem crimes. E, claro, defender o Estado Democrático de Direito, tendo a Constituição Federal como princípio fundamental e guia dos serviços judiciais. 

Que a Justiça seja feita para a construção de uma sociedade democrática!

*Álbano Silveira Machado é formado em Psicologia, na UFMG; pós-graduado em Gestão Pública Municipal, Faculdades Santo Agostinho, e Metodologia de Projetos Sociais, pela PUC-MG; mestrando em Estado, Gobierno y Políticas Públicas, pela FLACSO - Faculdades de Ciências Sociais da América Latina. 

Campanha presidencial teve pouco debate sobre o Judiciário
Nas eleições passadas, os candidatos a Presidente da República registraram de forma simplificada e acanhada as propostas para o Judiciário, segundo a Revista Consultor Jurídico:
Jair Bolsonaro, do PSL, propõe que o STF eleve o número de ministros de 11 para 21 para ter um maior controle e decisões favoráveis ao Governo. O capitão da reserva do Exército quer acabar com a progressão de regime, instituir a prisão perpétua e isentar policiais e integrantes das Forças Armadas de responder por homicídios que cometerem em serviço.
Geraldo Alckmin, do PSDB, propôs que o agente público que não comprovar a origem de seu patrimônio, ele o perderá.
Ciro Gomes, do PDT, defendeu que nenhum Ministro do Supremo Tribunal Federal possa ter sido filiado a algum partido em toda a sua vida. Ele propôs que magistrados e integrantes do Ministério Público atuem com contenção, sem extrapolar suas funções.
O candidato do PSOL, Guilherme Boulos, propôs frear os abusos autoritários e de privilégios do Judiciário e Ministério Público com controle social e rever as remunerações de magistrados e integrantes do Ministério Público. Ele quer também desmilitarizar a polícia e descriminalizar o uso de drogas. 
Fernando Haddad, do PT,  propôs um maior controle sobre o Judiciário e o Ministério Público, redução de benefícios de magistrados, promotores e procuradores e a instituição de mandato fixo para ministros do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, Haddad propõe uma verdadeira Reforma do Judiciário.
Conheça a proposta completa:
Promover a reforma do Sistema de Justiça
“O governo Haddad proporá à sociedade brasileira retomar o debate sobre a necessária reforma do Poder Judiciário e do Sistema de Justiça. É preciso alargar o acesso dos pobres à Justiça e conferir  agilidade e estabilidade às decisões judiciais.

O investimento no setor deve ter como premissa a melhoria na prestação dos serviços à população, o que passa pela profissionalização da administração da Justiça, pela simplificação de procedimentos, pela ampliação dos serviços a regiões pouco favorecidas e pela estruturação e qualificação das carreiras auxiliares.

Temos que eliminar os privilégios e favorecer o ingresso e a ascensão nas carreiras do Sistema de Justiça a todos os segmentos da população, em particular daqueles que são vítimas históricas de desigualdades e opressões.
Além disso, será necessário ainda conferir transparência e controle social na administração da Justiça. 

Em um país tão marcado por desigualdades históricas e estruturais de classe, de raça e de gênero, a elitização das carreiras do sistema de Justiça amplia fossos entre o mundo do Direito e a vida das pessoas comuns.

O acúmulo de privilégios inadequados demanda, como em todos os poderes da República, a salvaguarda dos princípios da moralidade e legalidade em ações concretas, como:
* a proibição total de patrocínios empresariais a eventos das associações, instituições e carreiras do Sistema de Justiça;
*o fim do auxílio-moradia para magistrados, membros do Ministério Público e demais agentes públicos que possuam casa própria e residam no domicílio ou que usem imóvel funcional, bem como a regulamentação definitiva e segura da aplicação do teto ao funcionalismo público;
*a redução do período de férias de 60 para 30 dias para todas as carreiras que conservam esse privilégio; e
*a democratização da escolha dos órgãos diretivos do Poder Judiciário.

É preciso repensar o papel e a composição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e instituir ouvidorias externas, ocupadas por pessoas que não integrem as carreiras, ampliando a participação da sociedade para além das corporações do Sistema de Justiça.

Em linha com a experiência internacional das democracias consolidadas, e como elemento-chave de uma República, faz-se necessário instituir tempo de mandatos para os membros do STF e das Cortes Superiores de Justiça, não coincidente com a troca de governos e legislaturas.

É preciso introduzir mudanças na escolha dos integrantes do STF dos Tribunais superiores, conferindo transparência ao processo e um papel maior à sociedade civil organizada. Os nomeados devem ter compromisso com a democracia, com o Estado Democrático de Direito e com a separação de poderes, sobretudo com as garantias judiciais previstas na Constituição Federal.

Durante os governos Lula e Dilma, foram aprovadas leis extremamente relevantes com o objetivo de prevenir e punir crimes como o de corrupção, o crime organizado e o atentado contra o Estado.
Se, de um lado, o país avançou na repressão a ilícitos cometidos pelos mais ricos e poderosos, o texto de algumas leis, por outro lado, tem permitido, ao longo de sua aplicação, um desvirtuamento que atenta contra a democracia, os direitos e garantias individuais estabelecidos como cláusula pétrea pela Constituição de 1988.

A prisão de manifestantes não pode ser enquadrada na Lei Antiterrorismo. De igual modo, os acordos de leniência, previstos na Lei Anticorrupção, não devem ser usados para proteger empresários corruptos em prejuízo da empresa e dos trabalhadores.

As delações premiadas, previstas na Lei das Organizações Criminosas, também não podem se prestar a proteger bandidos confessos e a condenar pessoas inocentes. Isso porque delações premiadas só podem ser consideradas válidas após a apresentação de provas mínimas que sustentem as acusações.

Por essa razão, em diálogo com a sociedade, o governo constituirá comissões de alto nível para promover a avaliação de impacto e propor alterações para o aperfeiçoamentos de leis apontadas pela comunidade jurídica como violadoras de direitos e garantias constitucionais, que interditam a política em função de uma aplicação prática que desvirtua a finalidades”.

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