O Governo precisa cuidar de quem mais precisa: os pobres e trabalhadores.
Em entrevista, Lula afirma que compromisso com o referendo revogatório das medidas de Temer incluirá os pobres no processo eleitoral. “O pobre ainda é a solução do Brasil. Não o problema”, afirmou.
Por Cláudia Motta, especial para a Rede Brasil Atual
Cordisburgo (MG) – “Esse homem tem algum encantamento, por fascinar tanta gente durante tanto tempo.” A frase é de João Henrique Ribeiro, o Zito, um dos boiadeiros, “o guieiro”, que acompanhou João Guimarães Rosa na viagem de 240 quilômetros que resultou no livro Grande Sertão Veredas. E ajuda a definir a relação de Luiz Inácio Lula da Silva com o povo.
O ex-presidente deixou Cordisburgo, a terra de Guimarães Rosa, na manhã da segunda-feira (30) rumo a Belo Horizonte. A etapa mineira da caravana Lula Pelo Brasil termina na capital, depois de percorrer em oito dias 1.500 quilômetros, passando por 20 municípios do norte do estado. O ato de
Em agosto, a comitiva percorreu durante 22 dias nove estados do Nordeste, passando por 58 cidades. E aqui se repetiram os atos com milhares de pessoas em praças, ou paradas à beira da estrada. Jovens, velhos, trabalhadores do campo e da cidade, pequenos agricultores, indígenas, empresários estudantes, professores. Gente fascinada por muito tempo, apesar de Lula “apanhar desde que nasceu”, conforme ele mesmo disse em entrevista aos jornalistas durante o percurso a Belo Horizonte.
Também como no Nordeste, a caravana mineira ouviu a população e viu de perto as mudanças promovidas pelos 14 anos de governo petista, assim como os retrocessos pós golpe. O ex-presidente e sua comitiva – composta por lideranças do movimento sindical, secretários de estado, deputados, senadores, ex-ministros – esteve em grandes cidades, como Montes Claros, e outras menores, como Periquito.
E Lula mais ouviu do que falou. Mesmo quando estava no palco, “entrevistou” as pessoas que iam homenageá-lo, divertindo o público e ao mesmo tempo ilustrando com histórias do mundo real a transformação de milhões de vidas por intermédio dos programas de distribuição de riqueza, como agora prefere dizer.
Apesar do tempo mais curto, a caravana por Minas foi grande em diversidade. Na Coteminas, uma das maiores indústrias têxteis do país, o ex-presidente conversou com empresários da família Alencar, filhos de seu ex-vice, morto em 2011. A indústria já fechou filiais na Paraíba (RN) e nos Estados Unidos diante da crise no setor têxtil. Visitou um viveiro de mudas do Movimento Sem Terra, o Vale do Rio Doce, atingido pela tragédia da Samarco, e terras projetos de agricultura familiar responsável pelo abastecimento de grande parte de Montes Claros e região.
Em Diamantina, com reitores de 19 universidades e instituições federais mineiras, ouviu demandas e propostas para o setor que sofre com o congelamento os investimentos em educação e saúde – e recebeu um apelo a se comprometer em anular a emenda que engessa os recursos de educação, saúde e outras áreas sociais por 20 anos. O formato desse encontro repetia outros feitos anualmente durante a gestão do petista. E foi tratado com igual importância. Os reitores reuniram-se um dia antes para elaborar o balanço que foi apresentado a Lula, aos ex-ministros, deputados e senadores. “Só isso que aconteceu aqui já teria valido a caravana”, comentou o ex-presidente ao final da reunião.
Brasil que pode dar certo
Minas Gerais é o estado com maior número de universidades federais. “Chegar em Teófilo Otoni e ver aquela universidade (o campus local da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri), uma suntuosidade para aquela região, dá muito orgulho, negócio de emocionar. É uma marca profunda na sociedade, um menino, uma menina que tiram um diploma”, disse Lula, no ônibus com jornalistas.
“Também fiquei muito feliz na visita àquela cooperativa de pequenos agricultores (Aspropen). Você percebe que o Brasil pode dar certo com pouca coisa. É isso que me anima, acreditar que o pobre não é o problema, mas a solução para o Brasil.”
E explicou essa lógica que martela em todos os seus discursos. “Quando coloca o pobre dentro da economia, o país dá um salto de qualidade. É isso que acredito. Quando eu era presidente, eu dizia para os meus economistas que faziam apologia da macroeconomia: a macroeconomia de vocês só dá certo porque tem uma microeconomia funcionando ali pra baixo. Um conjunto de políticas públicas. As pessoas não têm noção do significado do aumento do salário mínimo, do que vale uma aposentadoria numa cidade do interior. Meu otimismo em relação ao Brasil é que ele pode dar certo quando tiver gente que conheça o Brasil, que goste do Brasil, que queira fazer o país crescer.”
Por onde passou, Lula recebeu carinho e presentes. Nesta caravana ainda mais, já que completou 72 anos na sexta-feira (27). Teve Parabéns a Você cantado por milhares de pessoas em diferentes cidades, bolos, frutas, doces, serestas, cachaças.
Os organizadores tiveram dificuldade de tirá-lo fazenda Santa Rita. Uma procissão de lavradores seguiu Lula até a beira da estrada, enquanto ele escolhia as músicas para os violeiros tocarem. As caravanas fomentam um debate fundamental numa sociedade que padece, perplexa, diante de um governo que implementa um projeto que jamais seria eleito nas urnas, como enfatizou sempre Dilma Rousseff – favorita, segundo pesquisas, numa eventual disputa pelo Senado em por Minas.
“A decepção que eu tenho é ver que muita coisa está paralisando, diminuindo”, disse Lula. “Voltam a consagrar o empobrecimento. As pessoas tinham subido um degrauzinho e eles estão achando que tem que descer o degrau. E toda vez que o Estado faz corte, corte, corte, isso recai sobre o povo pobre, que é quem mais precisa do Estado. Isso foi o que mais me deixou preocupado.”
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A seguir a entrevista de Lula na íntegra
Qual o balanço que você faz da caravana e o que mais impressionou em Minas Gerais?
Eu só vou dar uma explicação de onde nasce a ideia das caravanas. Disputei as eleições em 1989, e depois que elas terminaram, descobri que nenhum candidato que disputa as eleições para presidente conhece o Brasil. Ou seja, o cara conhece por literatura, por notícia de jornal ou numa campanha, em que você pega um avião onde mora e desce numa outra capital, num aeroporto, pega um carro, vai para o palanque, faz um discurso, sem nem conhecer as pessoas que estão no palco. Então volta, pega avião e vai para outra cidade. Você termina não tendo noção dos problemas, da cultura, das desigualdades e de como vive cada pessoa em cada região. A partir de 1992, resolvi tomar atitude de viajar o Brasil para conhecer um pouco de suas entranhas, sua alma, a megadiversidade cultural que nós temos. Ou seja, são vários “Brasis” dentro desse 8,5 milhões de quilômetros quadrados que não se conhece.
A televisão brasileira não traz nenhum minuto da atividade cultural de outro estado. Só coisa de São Paulo e Rio que é mostrado no país inteiro, então os meninos e meninas de Roraima, do Amapá e de Manaus tem que conviver, seja sábado ou domingo, com Luciano Huck e com Faustão. Não tem nada deles na televisão. Ou seja, a diversidade brasileira não aparece nos meios de comunicação do Brasil e isso é gravíssimo.
Então, resolvi conhecer. Nós fizemos a primeira caravana. Repeti o trecho que eu fiz quando vim para São Paulo em 1952, com sete anos, de ônibus até São Paulo. Depois nós fizemos do Oiapoque ao Chuí. Fizemos toda a parte do Nordeste, quase que repetindo essa que nós fizemos agora. Também realizamos a do Sul, nós paramos em Dourado. Depois nós fizemos da Amazônia, sendo 15 dias de barco, e foi uma coisa muito interessante. E a partir daí, achei que a gente deveria revisitar o Brasil. Eu já tinha passado aqui no Vale do Jequitinhonha várias vezes. Uma vez, vim aqui visitar toda a região do Vale do Jequitinhonha, que tinha, em 1975, uma política de incentivar siderúrgicas, com 1 milhão e 250 mil hectares para plantar eucalipto para produzir carvão vegetal. Acontece que o carvão mineral ficou mais barato e ninguém queria fazer mais carvão de eucalipto. E eu vim aqui e produzimos uma proposta de como utilizar o eucalipto e entregamos ao governador Eduardo Azeredo.
Depois nós fizemos uma outra visita no Vale do Ribeira, região mais pobre em São Paulo, para fazer uma proposta de desenvolvimento e entregamos ao companheiro Mário Covas. E essa revisita que eu estou fazendo aqui é para a gente ver o que? Houve um avanço considerável nessa região, com a universidade, com as escolas técnicas, com o Pronaf, com o Luz para Todos. Eu queria ver se está parando os programas e eu tenho a decepção é que muita coisa está paralisando e diminuindo. Então, volta a consagrar o empobrecimento. As pessoas tinham subido um degrauzinho, e eles estão achando que tem que descer um degrau. Toda vez que o Estado faz cortes, eles recaem em cima do povo pobre, porque ele recai em cima de quem precisa do Estado. Isso é a coisa que eu mais fiquei preocupado nessa viagem.
Tem coisas que dá muito orgulho, mas chegar em Teófilo Otoni, que eu conheci a muito tempo atrás. Os IFETs (institutos federais tecnológicos) são uma marca profunda na alma da sociedade, vê um menino ou uma menina que tem um diploma...
Eu fiquei muito feliz com aquela visita naquela cooperativa de pequenos agricultores (Aspropen). Ou seja, vocês percebem que o Brasil pode dar certo com pouca coisa. E é isso que me anima e que me faz acreditar que o pobre ainda é a solução do Brasil. O pobre não é o problema. Quando você coloca ele dentro da economia, esse país dá um salto de qualidade e é isso que eu acredito.
Quando eu era presidente, dizia para os meus meninos da economia: cada vez que eles faziam apologia à macroeconomia, falava que ela só dá certo porque tenho microeconomia funcionando lá em baixo, que faz o pobre trabalhar, comprar e consumir mais. Aí é um conjunto de políticas públicas. A pessoa não tem noção do significado do aumento do salário mínimo e do que vale uma aposentadoria numa cidade pequena no interior. Então, o meu otimismo em relação ao Brasil é que ele pode dar certo na hora que tiver gente que conheça e goste do país e que queira fazer ele crescer. E, na minha opinião, o jeito mais extraordinário é colocar o pobre dentro da política econômica.
Parece que existe uma equação matemática: quanto menor o IDH da cidade, maior o apoio e envolvimento ao senhor e à caravana. Eu queria que o senhor falasse sobre isso, principalmente no Jequitinhonha, a relação direta que você tem com o povo e de significar uma esperança a esses povos. Queria saber se o senhor percebeu isso, quanto mais pobre a cidade, maior o apoio.
Você tem alguns estados que tem o setor da classe média achando que perderam no nosso governo. Tem muita gente que pensa assim: o rico ficou mais rico, o pobre ficou menos pobre e a classe média empobreceu. Mas não é que eles ficaram mais pobres, é que o pobre chegou mais perto deles. Não é porque ele caiu, é porque o pobre subiu. E quanto mais ele subir, mais o país vai crescer e se desenvolver. O fato das regiões mais pobres terem um apelo maior é porque os benefícios foram maiores para eles. As pessoas que moram no centro de São Bernardo do Campo ou na avenida Paulista não têm noção do que é um programa Luz para Todos e de, num passe de mágica, tirar a pessoa do século XVIII, das trevas, e colocar no século 21 com investimento de 20 bilhões de reais. Agora, nenhum empresário privado quer colocar luz na casa de uma pessoa que não pode pagar, mas pela Constituição, ela tem direito a isso. Então quem tem que fazer? O Estado.
No caso do Minha Casa Minha Vida, para fazer com que as pessoas que ganham um salário mínimo pudessem comprar uma casa, temos que fazer subsídio para ele ter dinheiro para comer. Porque se ele ganha um salário mínimo e vai pagar 400 reais de prestação, ele não come. Ele precisa comer, vestir, pagar conta de luz e água... Então nós fizemos uma opção de fazer um subsídio para que a prestação em vez de ser 400, fosse 80. Custa caro? Custa. Mas ou o Estado faz isso ou ele não cumpre a Constituição de dar direito ao pobre morar.
É por isso que essas pessoas sentiram o efeito mais rápido das políticas do nosso governo. O Pronaf, por exemplo, era algo muito chegado ao Sul do país. Quando você sai de 2 bilhões para 30 bilhões, em 2014, é porque você nacionalizou o programa. Ele chegou na Paraíba, no Rio Grande do Norte, no Piauí, na Amazônia, no Amapá... O financiamento se espalhou pelo território nacional e essas pessoas que, até então, não tinham acesso a nada, são as pessoas que estão mais próximas de nós hoje.
Quando nós criamos um programa chamado PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) era para comprar alimento daquelas pessoas que produziam e não tinham para quem vender e garantir que esse alimento chegasse na escola. Era um programa excepcional. Se você perguntar para um pequeno produtor ou para um companheiro do Sem Terra, ele vai dizer que o PAA é a coisa mais extraordinária que nós criamos, porque era a certeza de plantar e vender. Eles acabaram com isso agora.
É aquilo que a gente dizia durante a campanha: nós, que comemos todo dia, temos que estender a mão para as pessoas que não comem. Quando elas começam a comer, elas têm força para trabalhar, irão receber um salário e vão ajudar outros. Então é normal que nós fizemos que a política chegasse primeiro onde as pessoas mais necessitavam. E isso tem que voltar a acontecer.
E o problema não é só eleitoral, porque, às vezes, você não precisa estar em uma campanha para afirmar as coisas corretas. Ou a gente faz com que os pobres subam mais um degrau na escala social desse país ou o Brasil será eternamente pobre.
Daqui para a frente, a gente vai ter que recomeçar a cunhar a expressão “distribuir riqueza” e não “renda”, porque a casa é riqueza. Educação é riqueza perene. A pessoa aprendeu, é para o resto da vida. Isso significa riqueza. A terra, por exemplo, é outra riqueza.
Nós agora temos que dizer em alto e bom som: se voltarmos ao governo, vamos fazer de forma muito agressiva uma política de titulação das terras, sobretudo nas grandes periferias do país. Porque o cidadão que mora num barraquinho, quando recebe o título de sua propriedade, a primeira coisa que ele faz é comprar tijolo para fazer a casa dele. Isso é riqueza. É um patrimônio dele que está aumentando.
Então, eu vou continuar dizendo sempre que a nossa obrigação é governar para todos, mas alguns precisam mais do que os outros. E é para os que precisam mais que nós temos que cuidar melhor.
O senhor está falando de riquezas, e tem uma riqueza que a gente está a alguns dias de perder, que é a reforma trabalhista do Temer. A CUT está participando ativamente das caravanas exatamente para fazer esse debate com a sociedade. O que o senhor acha da perda de mais essa riqueza?
Nós temos uma coisa grave no mundo porque o que está acontecendo no Brasil, por ponto de vista do desmonte de direitos dos trabalhadores é algo mundial. Sobretudo depois da crise de 2008, que a gente constata que o sistema financeiro que quebrou volta fortalecido. A informação que se tem é que se gastou mais de 14 trilhões de dólares para salvar essa crise e ainda não resolveu o problema. E não tem banqueiro preso por conta da crise de 2008. E o sistema financeiro voltou mais forte e ganancioso. Então, no mundo todo, as conquistas sociais do pós guerra começam a aparecer no discurso da direita como se fossem um prejuízo para o desenvolvimento de cada país.
Quando, na minha opinião, a gente mede o desenvolvimento do país não é pela concentração de riqueza, é pela distribuição dela. Um dado desconhecido é que um país europeu que tem uma renda per capita de 35 mil dólares tem uma boa distribuição de renda. Melhor do que a nossa. Então quando vem uma crise, no mundo teve mais de 100 milhões de desempregados, sendo 60 milhões na Europa. A gente via gente pedindo esmola em Milão, em Madri... Eu fiz reunião com sindicalistas de Barcelona e tinha muita gente desempregada. Mas a miséria não é tão visível como aqui, porque o povo tem uma estrutura social mais forte que nós temos, com uma poupança maior, o Estado dá a ele mais garantia do que nós damos.
Nós vamos ter que fazer muito. Não é voltar a provar o que a gente perdeu agora, mas temos que aproveitar esse desmonte da legislação trabalhista para apresentar o que o movimento sindical quer. Não é ficar fazendo campanha contra, porque já perdeu. Então a CUT, que é a central mais importante que existe no Brasil, tem que apresentar uma proposta à sociedade brasileira. Como a gente não teve forças para parar... Eu estou com o discurso que eu estava mais ou menos quando caiu o Muro de Berlim: quando ele caiu, permitiu a esquerda pensar, porque você vivia baseado num modelo único. Então quando ele cai, libertou um pouco as pessoas de pensar. O desafio que está colocado para o movimento sindical agora é de ver, outra vez, o que é bom para o trabalhador e que o país pode sustentar. E o movimento sindical está preparado para isso.
RICARDO STUCKERT"É aquilo que a gente dizia durante a campanha: nós, que comemos todo dia, temos que estender a mão para as pessoas que não comem"
O senhor tem defendido que, se eleito, a instituição de um referendo revogatório. A reforma trabalhista estaria nesse referendo? Como seria esse referendo?
Como seria, vai depender de como o Congresso votar. O referendo ele será votado pelo congresso. É o congresso que tem que aprovar. Estou falando da palavra referendo revogatório porque se nós não tivermos autorização da sociedade, fica muito difícil muda, por exemplo, a PEC que limita o dinheiro com educação e com saúde. Na verdade, o dinheiro que se coloca na saúde não é gasto; o dinheiro que se cola para salvar vidas é investimento. Construir um hospital novo, um aparelho odontológico novo é investimento. Você está dotando o país de equipamento que podem melhorar a vida do povo. E educação mais ainda.
Se você não tiver um referendo que dê forças para mandar uma proposta para Congresso Nacional e você mudar essas coisas todas, inclusive, revogar decisões de privatização de empresas. Nós temos que discutir.
Quando nós colocamos o pré-sal como passaporte do futuro, era porque o pré-sal era a chance que o Brasil tinha de investir no royalty do petróleo na educação recuperar o desmando do século 20.
É por isso que vamos propor um referendo revogatório durante a campanha e o mandato. Eu acho que a gente deveria propor para balizar o voto do pobre nos deputados. Não adianta a gente reclamar, reclamar, reclamar e quando vai às urnas o que está eleito é aquilo que está lá. É preciso que o povo saiba que as mudanças que têm que ser feitas ou é através de uma revolução ou de uma eleição.
Como somos candidatos, nós acreditamos que seja através de uma eleição. E através da eleição, temos que votar em gente comprometida com as coisas que você acredita que seja bom para o país.
Durante o processo de chavismo, foram 21 eleições em 18 anos. Qual a importância dessa questão da participação popular e da Venezuela no processo latino-americano?
Eu era presidente do Brasil e toda vez que eu viajava para qualquer país da Europa o pessoal quando falava comigo sobre a Venezuela e dizia que o Chávez não era democrático e na Venezuela não existia democracia, eu falava que eu achava que o erro do Chávez era ser democrático demais. Qualquer coisinha ele queria fazer uma constituinte, qualquer coisinha ele queria fazer uma eleição. O problema é que ele ganhou todas, então aos adversários não concordavam e a direita do mundo inteiro.
Eu defendo a Venezuela não é porque eu era amigo do Chávez. Eu lembro que eu dia 25 dias na Presidência do Brasil quando, em Quito, na posse do [Lucio] Gutiérrez na presidência do Equador, estava uma situação difícil na Venezuela e eu propus criar o Grupo de Amigos da Venezuela. E nós criamos um grupo de amigos no qual o Brasil participava, o Fidel ficou muito chateado porque eu propus os EUA e a Espanha.
Então, toda vez que alguém se manifestava contra a Venezuela, eu dizia que o problema da Venezuela era excesso de democracia. Não era falta de democracia. E ainda hoje eu fico irritado quando vejo o presidente dos EUA dar palpite sobre a Venezuela. Ele que cuide dos EUA e deixa a Venezuela cuidar da Venezuela. Por isso que fiquei feliz com essa vitória do Maduro porque eu acho que foi uma coisa importante.
O povo se manifestou, a oposição foi votar e o governo brasileiro atual não tem moral para falar sobre a Venezuela. Vai propor uma comissão de investigação... Manda o Temer fazer uma comissão para investigar o impeachment, não as eleições [da Venezuela]. Eu sou muito solidário à Venezuela.
A mídia tradicional não veiculou os atos aqui no Vale do Jequitinhonha e a fala do povo sobre a caravana, que assim como no nordeste mostravam muita esperança. A que você credita essa cobertura?
Essa parte aqui do Brasil em Minas Gerais é quase como o Nordeste. Inclusive Montes Claros faz parte do polígono da seca e recebe o mesmo incentivos que o nordeste recebia da Sudene [Superintendência do desenvolvimento do Nordeste]. O tratamento basicamente é o mesmo.
Eu já aprendi a me conformar com o comportamento da imprensa. A imprensa escrita há tempo está agonizando. Eles têm noção que o povo não quer mais sujar a mão para ler um jornal e também porque o povo não vai gastar dinheiro com uma notícia que eles leem em casa, na internet.
Depois da internet tudo ficou velho, a televisão, internet tudo ficou velho. Sinceramente, faço minhas caravanas sem se preocupar com a chamada "grande imprensa brasileira". Não me incomodo, não estou preocupado com o que ela fala. Para mim, ela não existe. Eu não lembro de um período que a imprensa teve condescendência comigo.
Em vários atos, o senhor disse que teria uma política diferente de mídia em um futuro governo? O que o senhor está pensado de ações e planos para comunicação no país?
Em 2009, fiz uma grande conferência de comunicação. Naquela ocasião, você tinha os grandes meios de comunicação que eram contra a conferência. Mesmo assim, algumas televisões participaram. Nós obtivemos um resultado que foi muito satisfatório e preparamos uma proposta de regulação. A gente entendia que não era correto apresentar uma proposta dessa no final de um governo.
Então, deixamos para a companheira Dilma apresentar a proposta ao Congresso no começo do primeiro mandato dela. Não sei quais foram as razões, mas a companheira Dilma não apresentou. Certamente, porque alguém chegou no ouvido dela e disse "não, Dilma, o problema não é regular, mas conversar, falta diálogo". Ela acreditou e continua apanhando.
Hoje, acho que ela tem o mesmo arrependimento que eu tenho de não ter feito uma discussão para regular. E eu não quero regular para censurar. Quem tem que censurar a televisão é o telespectador; quem tem que censurar o rádio é o ouvinte. Não sou eu não.
O que eu quero é democratizar, na verdade. Quero garantir e fortalecer o direito de resposta porque não é possível que as pessoas mintam descaradamente, contem inverdades, destruam a vida das pessoas. De vez em quando, lembro que pegaram o ministro de Minas e Energia que eu tinha e fizeram um carnaval, que ele tava pegando um envelope com 100 mil dólares... No meu primeiro mandato até hoje aquele cidadão, que eu tirei do governo por conta da denúncia, nunca foi chamado para depor. Sinceramente prefiro acreditar no que a gente está fazendo.
E financiamento? A rede Globo ainda recebeu dinheiro público e bastante.
Nós demos um passo importante, sobretudo com a chegada do companheiro Franklin Martins na Secom, que foi criar a mídia técnica. A gente tinha, mais ou menos, 340 meios de comunicação que recebiam recursos do estado. Nós passamos para quase 4 mil. A mídia técnica permitiu uma evolução extraordinária. Mas eu acho que agora é preciso dar um pulo, não ficar só na mídia técnica.
O estado tem a concessão, dá a concessão... Então o estado tem que ter algum interesse. Se o Estado vai dar dinheiro só para a pesquisa, quem é que pode contratar o Ibope? O Estado precisa, também no meio da comunicação, garantir que recursos cheguem aqueles que não estão no Ibope. A internet precisa ter uma atenção maior do estado brasileiro em se tratando de meio de comunicação. Não dá para menosprezar a internet porque eles começam a criar os grandes meios de comunicação na internet. E, daqui a pouco, eles passam a ter dinheiro na televisão, no rádio e também na internet.
E a imprensa alternativa desaparece. Acho que muita coisa vai mudar. Obviamente, temos que ter muito cuidado porque precisamos saber qual é a correlação de força que vai chegar no governo em 2018. Não adianta nada eleger um presidente e só 30 deputados do nosso lado. Você vai ter que conversar, conversar, conversar e nem sempre é bom.
Falando um pouco de propostas para o próximo período, temos vários exemplos de que a guerra às drogas falhou e que serve de fomento para o encarceramento de uma juventude negra. A gente tem o exemplo do caso de Rafael Braga, no Rio de Janeiro. O que o partido pensa sobre este tema da guerra às drogas e a descriminalização?
Faz uns três meses tive uma reunião com alguns companheiros que eram dependentes químicos, depois tive uma reunião com 18 especialistas dos mais importantes do Brasil e agora eu conversei com o ex-ministro Padilha, que eu quero chamar para uma conversa todas as instituições que têm políticas de bons resultados no enfrentamento da dependência química. A verdade é que tem provas de que tem coisas que podem ser feitas e que a polícia, a repressão e a prisão não são soluções para enfrentar o problema das drogas. Quero fazer um congresso com essa gente para definir como envolver a sociedade civil na construção de uma política pública capaz de dar ao dependente a garantia de que ele vai ser bem cuidado, e que pode deixar de ser um dependente químico.
O caso do Rafael é o descaso e a irresponsabilidade do Estado Brasileiro, então eu quero tratar esse assunto com muito carinho, porque muito se fala, aí eu lembro que uma vez eu tive uma discussão com o pessoal dos EUA, porque se você quer que um companheiro na Bolívia pare de plantar cocaína e a coca, você tem que dar uma alternativa para ele. Não é dizer que ele é proibido de plantar. É dar a ele condições de plantar outra coisa e ganhar o dinheiro para sobreviver dignamente. E no Brasil é a mesma coisa. Eu dizia para o governo americano: vocês querem combater a droga, vocês têm que tratar dos viciados de vocês, porque só tem produção porque tem consumo e gente que pode comprar.
Então, vamos tentar cuidar disso de outra forma. Mas é difícil, porque, na verdade, isso vira uma indústria que interessa a muita gente, exceto ao coitado do dependente, porque esse pula na água e depois percebe que não sabe nadar e não tem como chegar na margem. Então é aí que tem que entrar o papel do Estado e garantir que ele possa chegar à margem.
Fonte: Revista Brasil Atual
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