quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Receita americana de concentração de riqueza e poder.

Os 10 princípios da concentração de riqueza e poder da plutocracia americana. Governos golpistas seguem a sua cartilha.


Escrito por , Postado em Cultura, História, Ideologia, Internacional

por Carlos Eduardo, editor do Cafezinho
A desigualdade social é o grande desafio da humanidade no século XXI, inclusive para a nação
mais rica e poderosa do mundo.
Em meu último artigo publicado aqui no Cafezinho, expliquei as razões que levaram alguns 
norte-americanos a votarem em alguém como Donald Trump: o crescente empobrecimento
da classe média no país.
Já foi o tempo em que as crises econômicas penalizavam somente os mais pobres.
Atualmente a classe média norte-americana é uma das maiores vítimas da excessiva
se encontra sem grandes perspectivas de futuro e mais pobre que seus pais.
Desde os anos de 1980, com a implantação do chamado ‘neoliberalismo’, o sonho
americano como conhecemos morre lentamente e este é o tema do documentário
Requiem for the American Dream, em cartaz no Netflix.
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Ao longo de 75 minutos, Requiem for the American Dream reúne uma série de entrevistas do
linguista, filósofo e cientista político, Noam Chomsky, gravadas nos últimos quatros anos.
Professor de uma das mais renomadas universidades do mundo, o Massachusetts Institute of 
Technology, aos 87 anos de idade este senhor parece estar no seu auge intelectual.
Sereno e com a voz sempre suave, Chomsky cita Aristóteles, Adam Smith e James Madison para
dar uma aula de história contemporânea e explicar como a sociedade moldada pelos pais
fundadores dos Estados Unidos da América se encontra a beira de um colapso.
Para organizar as ideias, Chomsky separa os ‘dez princípios da concentração de riqueza e
poder’, que segundo ele foram postos em prática pela oligarquia norte-americana nestes
últimos 40 anos para transformar os Estados Unidos em uma plutocracia, não mais numa
democracia.
O princípio mais importante, a meu ver, é o financiamento privado de campanha, origem de
toda a corrupção do sistema, haja visto que os ricos financiam políticos para aprovarem leis a
favor de seus interesses particulares, não a favor da população.
Como os ricos doam para todos os partidos e políticos, não importa quem seja eleito, este
sempre governará em prol de seus financiadores de campanha, ou seja, a plutocracia. Portanto,
a democracia deixa de fazer sentido.
O alerta de Chomsky também vale para o Brasil já que a elite brasileira copia as mesmas táticas
da plutocracia norte-americana.
OS DEZ PRINCÍPIOS DA CONCENTRAÇÃO DE RIQUEZA E PODER 
Um: Reduzir a Democracia
Uma das características mais belas e admiráveis na democracia norte-americana é de que ela
foi concebida por homens que buscavam corrigir as imperfeições e injustiças dos regimes
monárquicos europeus. Mas não sejamos ingênuos. A democracia norte-americana é uma
criação da elite intelectual de sua época. Todos os pais fundadores dos Estados Unidos eram
homens ricos e bem educados, a maioria advogados ou diplomatas. Faltavam-lhes apenas o
sobrenome nobre e o título aristocrático, por isso, inclusive, eram desprezados pela corte
inglesa.
O objetivo da república fundada por John Adams, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton,
John Jay, Thomas Jefferson, James Madison e George Washington era acabar com os privilégios
dos reis e da aristocracia e entregar o poder para os burgueses. O bem estar do povo pobre e
trabalhador nunca esteve em questão.
Tanto que Noam Chomsky chama atenção para o fato de James Madison, durante debate sobre
a constituição dos Estados Unidos, afirmar que a nova república deveria criar mecanismos para
proteger os ricos do ‘excesso de democracia’.
Por isso a democracia norte-americana se encontra hoje restrita a apenas dois partidos,
republicano e democrata, onde o povo tem pouca margem de escolha e qualquer mudança
no sistema é pontual, nunca estrutural.
Dois: Moldar a ideologia
No mundo ideal da plutocracia, o povo precisa ser passivo e despolitizado. Deve saber o seu
lugar na sociedade e não fazer nada para mudar isto. Nos anos de 1960 e 1970, os Estados
Unidos vivenciaram uma explosão de movimentos sociais, com os negros, as feministas, os
gays e os ambientalistas, exigindo voz ativa na política e lutando por seus direitos.
Isto assustou a elite política e econômica, que começou a questionar o que era ensinado nas
escolas, universidades e igrejas do país.
Qualquer semelhança com a lei promulgada recentemente em Alagoas, proibindo professores 
de opinarem sobre política em sala de aula, não é mera coincidência. Definir o modo como os
cidadãos comuns devem pensar e agir faz parte da estratégia de dominação das elites.
Três: Redesenhar a economia
Desde a década de 1970 a economia dos Estados Unidos vem gradativamente reduzindo sua
atividade industrial e aumentando sua atividade financeira. O economista francês, Thomas
Piketty, autor do célebre livro ‘O Capital do Século XXI’, alerta para o perigo da financeirização
da economia global.
Quando a especulação de capitais gera mais dinheiro que a produção de bens e serviços, sinal
 que o capitalismo real está doente.
Resultado: em 2007 os grandes bancos norte-americanos eram responsáveis por 40% dos lucros
 corporativos. A desregulamentação desenfreada da economia produziu concentração de renda e
 graves falhas que resultaram na crise econômica de 2008, obrigando o governo a resgatar
empresas irresponsáveis que puseram a nação mais poderosa do mundo na iminência de um
 colapso – os tais ‘grandes demais para falir’ (ou too big to fail, em inglês).
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Chomsky explica que no ‘neoliberalismo’ o capital é livre, mas o trabalho não. O industrial
pode  facilmente fechar sua fábrica nos Estados Unidos – onde os custos sociais e trabalhistas
 são maiores – e transferir a produção para a China – onde o salário mínimo gira em torno de 
US$1 dólar a hora de trabalho.
A globalização redesenhou a economia mundial de tal modo que tornou os trabalhadores reféns
 do que Alan Greespan, ex-presidente do banco central americano, o Federal Reserve, chamou de
“insegurança no trabalho”.
Para competir de igual para igual com a China, os sindicatos norte-americanos se viram obrigados
 a aceitar corte nos direitos trabalhistas e piores condição de trabalho.
Deixar os trabalhadores em constante medo de perder o emprego é fundamental para mantê-los
 em seu devido lugar.
Quatro: Deslocar o fardo de sustentar a sociedade para os pobres e classe média
O sonho americano foi uma concepção criada nas décadas de 1950 e 1960. No pós-guerra, tanto
os ricos quanto os pobres enriqueceram porque na época os impostos sobre altos salários de
executivos e sobre o lucro e dividendos das empresas era elevado o bastante para distribuir a
renda de forma igualitária.
No entanto, desde os anos de 1980, os impostos sobre a parcela mais rica da sociedade
diminuíram drasticamente e a desregulamentação total do fluxo de capitais permitiu a
plutocracia pagar ainda menos impostos – ou simplesmente sonegá-los.
Estamos retornando ao período pré-revolução francesa, em que a alta corte de reis, rainhas
e nobres famílias aristocráticas eram isentos de impostos, enquanto o fardo de sustentar a
sociedade recaía somente sobre os pobres e a burguesia, no caso a classe média da época.
A única diferença é que hoje a nova aristocracia é formada pelos super-ricos com acesso a
paraísos fiscais e outros mecanismos financeiros reservados à elite econômica global que
lhes permite fugir dos impostos.
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No Brasil mais da metade da carga tributária é cobrada justamente daqueles que possuem
menos, os mais pobres. Segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e 
Tributação (IBPT), 53,8% do total de impostos arrecadado no país é pago por brasileiros
com renda de até três salários mínimos, que representam 79% da população.
Na prática são os mais pobres quem sustentam os programas sociais, o SUS e as escolas e
universidades públicas. Pois 28,5% da arrecadação vêm da dita ‘classe média’, famílias com
renda entre três e dez salários mínimos, enquanto míseros 17,7% vem da classe média alta
e da elite: brasileiros com renda superior à dez salários mínimos.
Cinco: Atacar a solidariedade
Do ponto de vista da plutocracia, a solidariedade entre os povos é muito perigosa. Você deve
se preocupar somente consigo mesmo.
No Brasil este princípio fez com que uma parcela da classe média fosse contra o Bolsa Família,
por exemplo. Já nos Estados Unidos fez a classe média se opor a previdência social e ao
 Obamacare.
Um dos motivos que levaram os Estados Unidos a obterem um extraordinário crescimento
econômico e humano no pós-guerra foi a G.I Bill (conhecida como Lei de Reajuste dos Militares,
ou Servicemen’s Readjustment Act, em inglês), projeto de lei sancionado pelo presidente
Frankin D. Roosevelt em 1944, que oferecia ensino superior gratuito aos ex-combatentes
da Segunda Guerra Mundial.
Isto possibilitou aos norte-americanos tornarem-se uma nação próspera e desenvolvida,
com uma classe média rica e bem qualificada.
Desde então todo o sistema de políticas públicas desenvolvido durante o New Deal, calcado
nos ideais de solidariedade entre ricos e pobres, foi completamente desmantelado pela
plutocracia.
O problema é tão preocupante, que Hillary Clinton promete criar um fundo governamental 
para renegociar a dívida dos mais de 40 milhões de norte-americanos endividados com grandes
 bancos e propõe ainda uma espécie de FIES ‘versão americana’, para que os novos estudantes
possam pegar dinheiro emprestado direto do governo a juros baixos.
Quando o acesso ao ensino superior se torna exclusividade das famílias ricas que podem pagar
 pela educação de seus filhos, o discurso da meritocracia repetido aos quatro ventos pelos
 liberais conservadores não vale de nada.
Seis: Controlar os reguladores
Segundo Chomsky, a história americana mostra que na maioria das vezes as agências reguladoras
 foram incentivadas ou criadas pelas próprias empresas do setor, para proteger seu oligopólio
 da entrada de novos competidores. Para a estratégia funcionar, o lobby das empresas em
Washington tem papel central, pois é através dele que as companhias conseguem aprovar
leis de seu interesse.
Quando o financiamento privado de campanha é permitido por lei, como acontece nos
Estados Unidos, as leis são escritas a favor da plutocracia, que através de seu poder econômico
 elege deputados e senadores alinhados com seus interesses particulares controlando assim
os rumos do país.
A última crise econômica, em 2008, mostrou bem porque é importante para a plutocracia
controlar os reguladores. Num sistema verdadeiramente capitalista, as crises econômicas
 acabariam com os investidores que fizeram escolhas de alto risco. Mas não é isto que a
elite quer.
A plutocracia quer um capitalismo de mentirinha, com um Estado-babá sempre pronto para
 socorrê-la nas crises causadas por elas mesmas, enquanto a conta, é claro, fica para a classe
média e os pobres.
Sete: Controlar as eleições
Como foi explicado anteriormente, o financiamento privado de campanha cumpre um papel
central na estratégia de dominação da plutocracia.  Deste modo a concentração de riqueza
gera concentração de poder.
Oito: Manter a ralé na linha
Até hoje a formação de sindicatos e associações de classe foi a melhor saída encontrada pelos
trabalhadores para combater os abusos do capitalismo. Por isso a plutocracia global não vê a
hora em regulamentar a terceirização do trabalho em todas as áreas e profissões possíveis e
imagináveis, tal qual o Congresso Brasileiro, durante a presidência de Eduardo Cunha.
O objetivo é desmobilizar os trabalhadores, deixa-los fracos e impotentes.
Nos anos dourados do sonho americano, nas décadas de 1950 e 1960, um terço dos 
trabalhadores eram sindicalizados. Atualmente apenas um em cada dez é sindicalizado.
Sinal de que a plutocracia está vencendo esta batalha.
Nove: Fabricar consensos e criar consumidores
Curioso como a técnica de criar consensos por meio da mídia surge exatamente nos países
mais livres do mundo, como explica Noam Chomsky.
Uma vez que a plutocracia percebe que não há mais volta, a democracia e a liberdade são
conquistas definitivas da sociedade, ela busca outras formas de controle social. Uma delas
é a ditadura do pensamento único e a fabricação de consensos por meio das grandes empresas
 de mídia, controladas pela plutocracia.
Claro que na democracia norte-americana os eleitores ainda podem escolher entre republicanos
 e democratas, mas as diferenças entre os partidos são tão sutis, que no final não faz muita
diferença. Não custa repetir: qualquer mudança no sistema será sempre pontual, nunca
estrutural.
De acordo com Chomsky, a sociedade idealizada pela plutocracia transforma os eleitores em
meros consumidores. Escolher entre republicano ou democrata torna-se o mesmo que escolher
entre Coca-Cola ou Pepsi, Nike ou Adidas, Windows ou Apple.
Dez: Marginalizar a população
Tamanha impotência diante do sistema gera frustração e ódio contra as instituições. Como a
mídia fabrica consensos, gerando uma massa sem senso crítico e com um pensamento único,
o povo compra facilmente o discurso das elites e passa a culpar o governo por todos seus
problemas.
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Segundo Chomsky, o objetivo é fazer as pessoas odiarem ‘tudo o que está aí’ e temerem umas
as outras.
A indignação contra a democracia cria terreno fértil para o surgimento de lideranças
antidemocráticas, servindo de válvula de escape para a raiva da população, ao mesmo tempo
em que atende aos interesses econômicos das elites.
Conclusão
O alerta de Noam Chomsky é direcionado para a sociedade norte-americana, mas muito do
que ele diz serve também para nós brasileiros, visto que a elite tupiniquim replica exatamente
as mesmas estratégias da plutocracia norte-americana.
Soa até irônico ver um documentário estrangeiro, gravado em 2015, citar passo a passo a
estratégia utilizada pela grande mídia (leia-se Rede Globo) e oposição (leia-se PSDB) para
derrubar o governo da presidenta Dilma Rousseff.
Devido aos últimos acontecimentos, Requiem for the American Dream é um documentário
que todo brasileiro deveria assistir. Fica a dica.

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