Ruim, “Distritão” é cabeça de ponte para parlamentarismo
Nova regra fortaleceria caciquismo e caráter cartorial dos atuais partidos.
KENNEDY ALENCAR
BRASÍLIA
BRASÍLIA
Se não houver uma reação contrária da opinião pública, é bastante provável que o plenário da Câmara aprove o “Distritão” na semana que vem.
Ontem, a Comissão Especial de Reforma Política da Casa mudou o relatório do deputado federal Vicente Candido (PT-SP) e criou o “Distritão” a fim de eleger deputados federais e estaduais em 2018 e vereadores em 2020.
No caso dos deputados, seriam eleitos os mais votados em cada Estado, desconsiderando o quociente eleitoral. Esse quociente leva em conta a soma dos votos dados aos candidatos do partido e à própria legenda.
Os defensores do “Distritão” avaliam que teriam a promessa de apoio de cerca de 330 deputados. Seria número suficiente para a vitória no plenário da Câmara na semana que vem, porque se trata de uma Proposta de Emenda Constitucional. Isso exige 308 votos em dois turnos de votação na Câmara. Se a proposta passar pela Câmara, o Senado deverá referendá-la.
O “Distritão” tende a piorar o que já está ruim. É uma regra eleitoral usada em pouquíssimos países, de baixo avanço democrático, como o Afeganistão. É uma forma de eleger deputados federais, estaduais e vereadores que desperdiçaria muito mais votos do que no atual sistema proporcional.
Os defensores dizem que o sistema é simples, porque ganham os mais votados. Mas ele enfraquece a criação de partidos de verdade. Na prática, fortalece as atuais direções partidárias _reforçando o caciquismo e o caráter cartorial das atuais legendas. E dificultará a representação de minorias.
Apesar de derrotado em 2015, quando o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tentou aprová-lo, o “Distritão” voltou a ganhar força agora porque é bom para uma classe política que está em xeque devido às acusações de corrupção.
Para não repetir o fracasso de 2015, a jogada foi unir o “Distritão” a um novo fundão de financiamento eleitoral de R$ 3,6 bilhões. A atuais direções partidárias terão o poder de escolher os candidatos e o controle do dinheiro para elegê-los. Como está proibido o financiamento empresarial, o candidato vai depender mais do partido, porque, infelizmente, a contribuição eleitoral de pessoas físicas ainda engatinha no Brasil.
Como tende a evitar renovações e priorizar os caciques, essa regra é uma forma de boa parte da atual legislatura tentar sobreviver aos efeitos da Lava Jato. Mas o “Distritão” poderá criar um monstro que engoliria esses grandes partidos, porque as legendas que se sentirem em desvantagem financeira tenderiam a apelar. Pequenos partidos ou siglas que queiram minar a vantagem dos grandes partidos, que receberão cotas maiores do fundão eleitoral, apostariam em celebridades, religiosos e ricos.
Os candidatos a deputado federal vão travar uma luta mortal e individual, porque terão de disputar votos no Estado inteiro. Também não poderão contar com votos em colegas e na legenda para se eleger. Não é desprezível a chance de termos um Congresso ainda pior.
Golpismo avança
O “Distritão” foi aprovado como uma regra de transição. Valeria para as eleições de 2018 (deputados federais e estaduais) e de 2020 (vereadores). A partir de 2022, entraria em cena o sistema distrital misto.
Essa regra de transição foi adotada porque o “Distritão” é uma cabeça de ponte para acabar com o presidencialismo e mudar o sistema de governo para parlamentarista ou semipresidencialista.
Num primeiro momento, o “Distritão” serve como a boia de salvação para grandes partidos, como PMDB e PSDB, por exemplo. Ancorada no Fundo de Financiamento da Democracia, caciques desses partidos manteriam seus mandatos na Câmara, assegurando a sobrevivência política e o foro privilegiado para enfrentar as acusações da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal).
Em 2019, a Câmara regulamentaria as regras do voto distrital misto. Metade das vagas em um Estado seria eleita pelo voto distrital. Esse Estado seria dividido em Distritos. Acabaria o “Distritão”. A outra metade das vagas de deputado em um Estado seria eleita pelo sistema proporcional atual ou pela chamada lista preordenada. Com o voto distrital misto, seria assegurado um sistema muito usado por democracias parlamentaristas.
O presidente interino do PSDB, o senador Tasso Jereissati (CE), assumiu claramente ontem que o benefício do “Distritão” seria fazer dele um caminho para o Brasil chegar ao parlamentarismo. Ele condicionou o apoio tucano ao “Distritão” a fim da adoção do parlamentarismo em 2022.
O PSDB, que perdeu as últimas quatro eleições para o Palácio do Planalto, gostaria de acabar com o sistema presidencialista porque teria mais chance de exercer o poder no parlamentarismo. Ou seja, não tem voto, acha um atalho. É uma visão golpista.
Parlamentarismo sem reduzir o número de partidos e sem fortalecer as atuais legendas seria entregar o poder a um Congresso que tem se mostrado desconectado do eleitorado. Seria mais um retrocesso.
Kennedy Alencar é comentarista político da Rádio CBN e SBT. Foi colunista da Folha de S.Paulo.
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