Uma vez por ano, durante pelo menos 15 dias do mês de agosto, a Avenida Castelo Branco, no Centro da cidade de Virgem da Lapa, no Vale do Jequitinhonha, se transforma em passarela para o maior shopping popular a céu aberto da região. Mascates de todos os cantos do país, principalmente da Bahia e Espírito Santo, se misturam com romeiros, turistas e moradores do lugar, para compor o mosaico de uma das mais tradicionais festas do Vale do Jequitinhonha: a festa de Nossa Senhora da Lapa.
Conhecida também como Festa de Agosto, o evento tem seu ponto alto no dia 15, quando ocorre uma grande procissão que sai do santuário às margens do Córrego São Domingos, na parte baixa da cidade, ate à matriz, na parte alta.

Durante a procissão, muitos fiéis aproveitam para pagar promessas, como Marli Sousa Pereira, de 55 anos, natural da cidade e atualmente residente em Caraguatatuba, litoral de São Paulo. “Viajo mais de mil quilômetros para chegar até aqui, mas não me importo. Venho pagar minha promessa todos os anos. É muito bom”, garante a dona de casa.

Romaria

As lembranças permanecem vivas e percorrem até os dias de hoje, a memória do aposentado Valdir de Almeida Jardim, de 96 anos.
Ainda criança, ele se encantava com a procissão: “muitos iam descalços, como forma de pagar as promessas e outros andavam de joelhos como forma de penitência e remissão dos pecados. O andor da santa, aos meus olhos de menino, era de uma beleza extraordinária que me tocava o coração”, conta o aposentado.

De lá para cá, ele acompanha a evolução dos festejos, sem esquecer o lado religioso, que para Seu Valdir, é o principal motivo da realização do evento.
Misturado à festa religiosa, das missas e procissão, as moças e rapazes, naqueles dias, colocavam seus melhores vestidos e chapéus para circular pela praça, mais felizes do que nos melhores domingos.

“Não havia luz elétrica. Os bailes que iam até por volta da meia-noite, aconteciam no sobrado do Inacinho Murta, à luz dos candeeiros e ao som das sanfonas. O sobrado, na praça da Matriz, foi demolido para dar lugar a um supermercado . A estrada entre Virgem da Lapa e Araçuaí era muito ruim. Os romeiros viajavam à pé, à cavalo ou nas carrocerias dos poucos caminhões que existiam. Eles armavam barracas às margens do córrego São Domingos, perto da gruta onde apareceu a santa e ficavam por lá, de dois a três dias”, lembra o aposentado.


Ainda hoje, para muitos, assistir as missas e novenas que ocorrem ao longo da programação da festa, é motivo para confirmar a fé, evangelizar novas gerações e ratificar a devoção à Nossa Senhora da Lapa.
História

Segundo relatos históricos, a peregrinação de romeiros à Virgem da Lapa começou ainda no princípio do século 18. Por volta de 1728, um garimpeiro teria encontrado a imagem da santa às margens do córrego São Domingos.
Mas, também existe uma lenda segundo a qual a imagem foi encontrada por um menino, que saiu para juntar burros, a mando de seu pai, um tropeiro. Depois, a criança teria perseguido um coelho, indo parar dentro de uma gruta iluminada, com altar natural.

Passado o tempo, a Festa ganhou ares de modernidade. Lá estão as famílias, com seus carrinhos de bebês, o povo da roça que chega para rezar e passear, as adolescentes com suas melhores microssaias e miniblusas, os jovens com piercings, camisas de bandas de rock ou de funk, o encontro de amigos no calçadão onde tudo pode ocorrer, como as comilanças e bebelanças.
As sanfonas e os bailes iluminados pelos fifós à querosene no sobrado do Inacinho, nos anos 40, 50, foram substituídos pelo samba- pop- percussão arrocha e axé das bandas que levam milhares a amanhecer o dia na Baixinha e curtir a ressaca dos exageros.

As missas agora, são transmitidas pela rádio local, facilitando a vida de muitos que, por uma ou outra razão não podem assisti-la ao vivo.
Na festa de Virgem da Lapa -a gosto de todos-, observam-se as coexistências de modos de vida tradicionais e contemporâneos, do sagrado e profano, da ruralidade e da urbanidade… Nela os pares dialéticos se mostram e se relacionam. A festa evoluiu, como o retrato de nossa sociedade.

Fonte: Gazeta de Araçuaí/Sérgio Vasconcelos
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