quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Seis pontes de madeira na BR 367, no Vale do Jequitinhonha, são as mais precárias do país, diz DNIT.

Governo se omite embora conheça o mapa das pontes em situação precária.

Entre Minas Novas-Chapada do Norte-Berilo-Virgem da Lapa, em 61 km, há 6 pontes de madeira, algumas sem gradil.
Na quarta reportagem da série, mostramos que o Dnit tem a localização exata das pontes federais em situação de risco, mas sua recuperação não é prioridade do governo. Apresentamos a relação de quase 200 dessas estruturas. No Vale do Jequitinhonha, seis pontes de madeira são as piores entre todas as BRs.

Lúcio Vaz/Congresso em Foco
Cavaleiro faz a travessia de 154 metros na ponte sobre o Rio Araçuai, na BR-367

A falta de segurança e o estado de degradação das pontes do Vale do Jequitinhonha, n nordeste de Minas, representam uma situação extrema, que exige ação imediata, mas não são casos isolados. Pontes em situação de risco existem nos quatro cantos do país, inclusive nas rodovias federais, as BRs, que teoricamente deveriam contar com mais recursos. Essas pontes em situação precária – estreitas, sem acostamento, sem a proteção de guard raills na entrada, com buracos no asfalto, sem guardas de proteção, com traçado inadequado – têm provocado incontáveis acidentes com mortes.

Não há estatística oficial sobre essa tragédia previsível, mas levantamento feito pelo Congresso em Foco mostra casos de pontes onde caíram quatro, cinco e até mesmo 11 veículos. Em vários locais do país, são conhecidas como as “pontes de morte”. Percorremos 12,5 mil quilômetros de estradas federais, estaduais, municipais, para visitar os locais onde ocorreram acidentes com vítimas fatais. Registramos casos nas cinco regiões do país. Nem mesmo o Estado de São Paulo, com suas estradas de primeiro mundo, escapou dessa lista trágica.
Em entrevistas com familiares, policiais, autoridades locais, testemunhas, procuramos apurar os motivos desses acidentes. A conversa muitas vezes era interrompida pela emoção daqueles que perderam seus filhos, irmãos, netos. Muitos não conseguiram falar uma palavra sequer. Um deles resumiu bem o que isso tudo representa, afinal: “São vidas jogadas fora”.
O governo federal sabe da precariedade de boa parte das suas pontes há mais de uma década. Tem sido alertado sobre o risco até mesmo de desabamento dessas estruturas corroídas pelo tempo e pelo tráfego de caminhões cada vez mais pesados, mas a sua capacidade de reação é lenta.

As pontes de madeira do Jequitinhonha

Seis pontes de madeira num trecho de estrada de terra de 61 quilômetros no Vale do Jequitinhonha – região do nordeste de Minas Gerais com indicadores sociais e características do sertão nordestino – formam o pior conjunto de “obras de arte especiais” em todas as rodovias federais do país. É um pedaço da BR-367, que atravessa todo o vale e se estende até Santa Cruz de Cabrália, na Bahia, com quase 700 quilômetros de extensão.

Os dados fazem parte de relatório do Dnit sobre a situação de 4 mil pontes e viadutos, divulgado em julho de 2015. Numa visão otimista, a autarquia salienta que 95% dessas estruturas estão em “bom estado”. Mas o documento também revela que 184 unidades estão em mau estado, com as notas mínimas (1 e 2) – o que exige recuperação em curto prazo. 
Doze delas estavam próximas do colapso. No trecho crítico da BR-367, duas pontes receberam nota 1. A largura média das seis estruturas é de 4,5 metros.
A reportagem do Congresso em Foco esteve na região para conferir os dados do relatório da autarquia. Cerca de 20 quilômetros antes de Turmalina, já na BR-367, uma ponte (foto abaixo) de 100 metros sobre o rio Araçuaí impressiona pela sua largura – são apenas três metros – e pela altura de 20 metros. A ponte é de concreto, mas tem um problema grave no traçado. Nas duas cabeceiras, as curvas formam um ângulo de 90 graus, o que tem provocado acidentes. No final de abril deste ano, um ônibus com comerciantes que voltavam para São Paulo perdeu-se na curva, rompeu o guar raill do lado esquerdo, caiu pelo barranco e ficou preso numa pedra. Dezessete pessoas ficaram feridas. Na guarda do lado direito, as marcas de outra batida.
Lúcio Vaz/Congresso em Foco
A Ponte Alta tem apenas três metros de largura e fica entre duas curvas
 
Quase 40 quilômetros adiante, chegamos a Minas Novas, município de 32 mil habitantes. A ponte da entrada da cidade também é estreita, mas não há curvas por perto. Passamos pela praça Governador Valadares e seguimos margeando a cidade. À esquerda, podemos avistar uma enorme ponte de concreto, distante cerca de 200 metros. Na saída da cidade, o tráfego da BR passa por um pontilhão de cinco metros de comprimento e três de largura, com guardas frágeis e sem guard raills. À direita de quem entra na cidade, há um enorme buraco no aterro. Mais um perigo para os motoristas.
Começa, então, o trecho de terra da BR-367. Cerca de 250 metros adiante, chegamos à ponte que havíamos avistado, sobre o rio Fanado. Uma obra de engenharia que impressiona. A estrutura tem 150 metros de extensão e 25 metros de altura. Devido à profundidade do vale, foi construída com uma leve curvatura para baixo. Tudo quase perfeito, mas há um problema: concluída em 2006, a ponte ainda não foi utilizada. Não foram sequer construídos os aterros para ligar a estrutura de concreto à estrada. Resumindo, construíram a ponte, mas esqueceram a estrada.
O Dnit afirmou à reportagem que o projeto executivo da pavimentação da BR-367 está  aprovado, mas ainda falta o licenciamento ambiental. Acrescentou que o projeto de construção de pontes em concreto, que faz parte de um outro lote de obras, “está em análise”. “Portanto, é necessário o licenciamento ambiental e a aprovação do projeto”, diz nota da autarquia.
Lúcio Vaz/Congresso em Foco
Construíram a ponte e esqueceram da estrada
 
Nos primeiros quilômetros da rodovia, a impressão é que erramos o caminho. “Não pode ser uma BR!”. Esse é o pensamento dominante. Cheia de curvas fechadas nas encostas de morros, com muitos buracos, às vezes com enormes pedregulhos, depois com terra solta, e muita poeira. A visibilidade chega a zero quando passa outro carro. Mais alguns quilômetros e aparecem militares operando uma patrola para melhorar a pavimentação de terra. Um carro pipa molha o chão. Pergunto: “Essa é a BR-367?”. “Isso mesmo”, responde o militar.
Alguns trechos pequenos estão asfaltados, mas muito pequenos. Vinte quilômetros adiante, chegamos a Chapada do Norte, município com 15 mil habitantes, com índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,598 – semelhante ao do Tajiquistão, país da Ásia Central devastado pela guerra civil após a saída da União Soviética nos anos 90.
A estrada até Berilo tem muita areia. Um quilômetro adiante, o carro percorre a margem do rio Capivari, que está completamente seco. De repente, surge à direita a primeira ponte de madeira, com 52 metros de comprimento e 4,5 metros de largura. É preciso fazer uma curva de 90 graus, como quem dobra uma esquina. Um caminhão não conseguiu fazer a curva e caiu da ponte há alguns meses.
Na rodovia entre montanhas, há longas subidas em piso de terra solta. O carro não pode parar. Na chegada a Berilo – que tem 12 mil habitantes –, 23 quilômetros adiante, mais uma ponte de madeira, com 40 metros, na mesma largura da anterior. Por baixo, é possível ver suportes de madeira rachados ou podres, escoras tortas, grampos de ferro tortos. A travessa sobre os pilares de concreto estão com ferragens à mostra e enferrujadas. Guard raills improvisados, feitos de pedaços de madeira, servem mais para mostrar a entrada da ponte.
9 / 10
Madeira podre na ponte do Bem Querer
Após atravessar a cidade, chegamos à maior ponte, sobre o rio Araçuaí. Com pilares de concreto e ferro e tabuleiro todo de madeira, tem 154 metros de extensão e 4,4 de largura, com apenas uma pista. Passa um carro de cada vez. Como as tábuas não ficam completamente presas, a passagem dos carros provoca um barulho ritmado que pode ser ouvido a mais de 200 metros: “Tam, tam; tam, tam”. Há alguns buracos nas extremidades da pista. Caminhões pesados, carros de passeio, motos, cavaleiros e pedestres disputam o espaço na travessia. Na entrada, para quem sai da cidade, há um buraco coberto com tábuas bem finas, pouco resistentes. Alguns cavalos refugam a entrada.
No trecho de 26 quilômetros entre Berilo e Virgem da Lapa há mais três pontes. A do Bem Querer, de 21 metros, recebeu nota 2 do Dnit. Por cima, parece boa. Embaixo do tabuleiro, há madeira podre, suportes afastados, rachados, grampos rompidos. A ponte do Ribeirão do D’Oro, de apenas 9,6 metros, recebeu nota 1, mas já foi reformada. A madeira é nova, mas os suportes parecem improvisados. Um pilar de sustentação não alcança o tabuleiro.
 A ponte do Barbosa, na divisa com o município de Virgem da Lapa, não aparece na lista do Dnit. Nem poderia. Caiu há 12 anos. O tabuleiro de concreto foi levado pela enxurrada no período das chuvas e caiu emborcado sobre o leito do rio. Restaram apenas a base de um pilar e pedaços de outros. O sertanejo Mauro Miranda, de 44 anos, está abrindo um buraco no leito do rio agora seco. Pergunto se está procurando água.
– Não! Procuro ouro – responde, rindo.
Penso que é brincadeira e insisto na pergunta. Ele repete que está garimpando restos de minério de ouro, que já foi abundante na região. Trinta metros adiante, há outros buracos. Um deles verte água, que é utilizada para limpar o cascalho na bateia – um prato cônico utilizado no garimpo de pequena escala. A água vai passando e o minério fica depositado no centro. Cinco pessoas trabalham no local.
- Às vezes, a gente tira R$ 20 por dia, às vezes, tira R$ 10 – conta Mauro.
Lúcio Vaz/Congresso em Foco
Ponte ameaçada de desabamento desabou
A ponte sobre o Ribeirão das Gangorras, de 36 metros, distante apenas cinco quilômetros de Berilo, também recebeu nota 1 (foto acima). Estava à beira do desabamento. Nisso, o Dnit acertou. O tabuleiro de madeira foi levado pelas águas de janeiro. Restaram apenas os pilares de concreto. Os carros passam pelo leito do rio. No período das chuvas, os moradores ficam ilhados.
Um morador afirma que o Batalhão do Exército está melhorando as estradas e as pontes, mas reclama do material usado:
– Pra cá, só vem o resto. O material é de péssima qualidade.
Ele relata a situação de pobreza do município.
– Aqui, não tem emprego, chove de oito em oito meses. Com essa seca, até o gado acabou. E o governo não olha por nós.
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Placa de sinalização camuflada na rodovia federal
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