domingo, 2 de fevereiro de 2020

A educação pública sob ameaça


Coluna Interfaces
*Juliana Lemes
Resultado de imagem para Charges Amâncio educaçãoCom todas as falhas, a educação pública brasileira continua sendo uma das únicas alternativas que os mais empobrecidos têm, de transformar suas vidas. A história nos mostra que o acesso à educação no Brasil era limitado às pessoas de posses, especialmente aos homens. No período da colonização, os portugueses nunca permitiram que no Brasil fossem instaladas universidades, como ocorreu nas colônias espanholas (Peru, Venezuela e Chile). A alfabetização feita pelos padres jesuítas também teve muita resistência. O resultado foi um Brasil independente em 1822, mas cheio de analfabetos.

Quase duzentos anos depois, o país parece retomar o curso da história, quando ameaça deixar de priorizar um dos instrumentos mais efetivos que um país em desenvolvimento pode ter. A educação dispõe da extraordinária capacidade de libertar os indivíduos da ignorância, permitindo que ele tenha acesso aos “porquês” da vida, que amplie sua visão, que compreenda que as “verdades” sempre podem ser contestadas e principalmente, permite que construa um entendimento próprio sobre as coisas, ou seja, a crítica sobre o mundo que ele passou a enxergar de forma diferente. O incentivo a esse “olhar diferente” é a missão da educação, que, desde a pré-escola às universidades, por meio de um ensino público ou privado, prepara as novas gerações para a vida em comunidade, embora enfrente tantas dificuldades impostas pela sociedade moderna, da tecnologia e da (des)informação.

A educação pública sofre ataques enfurecidos tanto dos que seriam os grandes beneficiados com sua desconstrução, quanto daqueles que ainda não conseguiram enxergar que o sistema foi programado para que não enxerguemos as injustiças sociais. Alguns indivíduos, imaginando compreender o que ocorre, produzem discursos e compram “brigas” em redes sociais contra si próprios. Confusos com a avalanche de informação, optam por ajudar a atacar a educação pública, mas com argumentos descontextualizados, falaciosos e com pouco ou nenhum sentido.

Em um país desigual como é o Brasil, não é possível pensar uma educação que não seja pública. Seria cruel demais ou no mínimo, falta de noção. Retomaríamos a época em que era negado à maioria das pessoas o acesso à alfabetização. E isso não foi à toa, e continua não sendo à toa. Muita gente, que pode pagar, ganha com a educação pública, especialmente, a de nível superior, pois oferece ensino de qualidade, apesar da atual e insistente tentativa de fazer parecer o contrário.

A educação formal é uma das pontes entre o indivíduo e o conhecimento, que o liberta da escuridão da ignorância. A educação informal é outra, que liga indivíduos ao conhecimento de mundo e ao aprendizado da vida em comunidade. Juntas, transformam e mudam direções.

Quem contesta a validade da educação pública, desconhece que ela já mudou e continua mudando a vida de muitos jovens, que, dentro das escolas, mesmo com professores mal remunerados e ambientes precarizados, desenvolveram habilidades que foram negadas aos seus pais e avós. Isso porque, o ciclo de restrição à educação foi alimentado pelas elites do país durante gerações de brasileiros.

Apoiar qualquer passo atrás na educação pública significa retroceder e comprometer o futuro de jovens que um dia sonharam em ter uma vida diferente da que tiveram seus pais, alterando a rota educacional do Brasil rumo a um sentido integrador e menos desigual
(Imagem: Charge do Amâncio).


Juliana Lemes da Cruz. Doutoranda em Política Social – UFF. Pesquisadora GEPAF/UFVJM. Coordenadora do Projeto MLV. Contato: julianalemes@id.uff.br


O Blog do Banu publica, todos os domingos, a coluna Interfaces, que foi pensada para oportunizar aos leitores a aproximação de assuntos contemporâneos ou atuais que influenciam seu cotidiano e que, geralmente, não são problematizados. Tem por objetivo contribuir com análises e provocar reflexões sobre temáticas relevantes à realidade local, por meio do diálogo entre as distintas áreas do saber, de forma clara e breve. 
Essa coluna é publicada também no jornal Diário Tribuna, de Teófilo Otoni.


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