sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

O futebol é quem perde com o Cruzeiro rebaixado


QUE O CRUZEIRO NÃO CAIA 



Fabrício Carpinejar* 

Todos estão torcendo para o Cruzeiro cair. Eu mesmo, como colorado, me peguei secando a raposa. 

Para quê? Para nivelar por baixo os times da Série A? Para que ninguém mais possa usar o refrão “Ão, ão, segunda divisão”? Para esperar que isso também aconteça com São Paulo, Flamengo e Santos ao longo do tempo e não exista mais nenhum privilégio do inferno? 

Deveríamos buscar a igualdade pelos triunfos, jamais pelos vexames. 

A realidade é que quando um time grande cai o futebol brasileiro é que perde. É uma tristeza incurável para a bola. 

O descenso não é uma vingança contra a corrupção e desmandos dos dirigentes, não é um castigo para a má gestão, mas um atentado à beleza e plasticidade de nossa história, aos duelos inesquecíveis encarnados pela constelação de estrelas na camiseta azul. 

Cruzeiro já nos maravilhou com as cobranças de falta de Nelinho e Dirceu Lopes, com a inteligência de Tostão, com as defesas impossíveis de Raul e de Fábio, com a proteção blindada do canhoto Piazza, com os giros de Palhinha, com as arrancadas do Diabo Loiro (que nem Pelé conseguiu frear), com o oportunismo do ponta esquerda Joãozinho. 

A toca foi sempre um refúgio de encanto, de onde saiu Ronaldo o Fenômeno, o arqueiro gigante Dida, o volante incansável Ricardinho. 

Quem ama o jogo bonito e a arte dos esquemas ofensivos tem gratidão pelo bicampeão da Libertadores e maior campeão da Copa do Brasil. 

Não podemos deixar que a rivalidade elimine a admiração pela equipe quase centenária, destemida, que nunca se apequenou no Mineirão. 

Rezar para que o Cruzeiro desça para a Segunda Divisão é sacrificar clássicos e esvaziar o próprio Campeonato Brasileiro. 

Será um vácuo desolador em 2020 não desfrutar de Cruzeiro X Atlético, Cruzeiro X Flamengo, Cruzeiro X Santos, Cruzeiro X Grêmio, Cruzeiro X Inter, Cruzeiro X Fluminense... Quantas finais deixarão de ser revividas em uma simples rodada? 

Não quero que o torcedor cruzeirense sofra o que já sofri. É uma mentira que a série B é um passo importante para renovação do clube, que o rebaixado volta mais forte. De modo nenhum, aquele que sobe sempre tem mais chances de cair de novo - é uma verdade estatística. 

Série B não traz humildade, só provoca endividamento e remorso. 

Portanto, vou contra a maré da secação: que o Cruzeiro permaneça onde nunca deve sair, na elite. 

Quando o presente não inspira confiança, é o momento de pôr o passado em campo.

Publicado no jornal Zero Hora, GaúchaZH, 5/12/19:



Fabrício Carpinejar é escritor, poeta, jornalista e professor universitário. Gaúcho. Autor de trinta e quatro livros, pai de dois filhos, um ouvinte declarado da chuva, um leitor apaixonado do sol. Quando conseguir se definir deixará de ser poeta.



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