O ex-reitor da UFVJM, Gilciano Saraiva, não comparece à posse oficial de Janir Alves Soares, denuncia golpe na democracia e autonomia universitária, e se recusa a aceitar como normal todo o processo. Mais ainda: denuncia toda a tramóia da nomeação do novo reitor, alguns políticos com atuação em Diamantina e os colegas professores com sede de poder que participaram dessa trama.
Gilciano escreveu uma Carta Aberta à comunidade acadêmica e à população dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri, norte e noroeste de Minas, regiões que têm campus instalado nas cidades de Diamantina, Teófilo Otoni, Janaúba e Unaí.
Professor Gilciano Saraiva Nogueira, ex-reitor da UFVJM(2015-2019).
Carta Aberta à comunidade da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri
Fui convidado para participar da solenidade de transmissão dos cargos de reitor e de vice-reitor
da UFVJM aos professores Janir Alves Soares e Marcus Henrique Canuto, respectivamente.
Durante os quatro anos de nosso mandato à frente da UFVJM defendemos a democracia e
demos nossa palavra que procederíamos à transmissão do cargo de reitor, independentemente
de quem fosse o escolhido, desde que a vontade da comunidade fosse respeitada. Contudo,
por não concordar com o duro golpe contra a democracia e autonomia sofrido pela UFVJM,
decidi não participar da solenidade.
A comunidade desta universidade é composta por discentes e servidores docentes e técnico-administrativos altamente intelectualizados e com enorme capacidade de discernimento. Assim
sendo, as decisões na instituição são tomadas de maneira coletiva, envolvendo os diversos
órgãos colegiados - conselhos, congregações, colegiados e comissões - que seguem normas,
resoluções, regimentos e regulamentos construídos pela própria comunidade. Portanto, é
indiscutível a competência da comunidade acadêmica para escolher o seu reitor e é uma
barbaridade qualquer tipo de interferência externa nessa escolha.
O atual governo federal tem considerado normal dividir a nação entre amigos e inimigos –
estes últimos, principalmente os considerados “de esquerda”. Uma das consequências dessa
divisão tem sido o ataque sem reservas à democracia e à autonomia das universidades
públicas federais.
Alguns políticos que atuam em Diamantina, inconsequentes ou que não entendem a
importância da autonomia universitária no processo de escolha do reitor, consideraram normal
o posicionamento absurdo do atual governo federal e aproveitaram para interferir diretamente
na nomeação do dirigente máximo da UFVJM, sem se preocupar com os impactos negativos
desse ato antidemocrático nos rumos da principal instituição pública federal da cidade e região.
Alguns membros da comunidade acadêmica, ávidos pelo poder, julgando natural o
posicionamento do atual governo federal e desfrutando do oportunismo de alguns políticos que
atuam em Diamantina, aproveitaram para emplacar seus planos e chegar ao poder a todo
custo. Não se preocuparam com a aprovação da comunidade acadêmica, não tiveram limites
para macular a imagem de seus adversários, mas tiveram a coragem para ludibriar autoridades
do Estado, cujas funções são exatamente promover a justiça e defender a sociedade e a
democracia.
Eu nunca vou considerar normal vilipendiar a democracia. Portanto, eu não concordo e não
aceito as atitudes dos membros da comunidade acadêmica ávidos pelo poder a todo e
qualquer custo, dos políticos oportunistas que atuam em Diamantina e do governo federal que
sacramentou a ruptura democrática na UFVJM. Eu tenho certeza de que a maioria esmagadora
da comunidade acadêmica e das populações de Diamantina, do Vale do Jequitinhonha, do
Vale do Mucuri, do Norte e do Noroeste de Minas também não acha normal e repudia o ataque
violento contra a democracia e autonomia da UFVJM ocorrido no processo de escolha do reitor
para o mandato 2019-2023.
Toda essa gente que considera normal e trivial atropelar a democracia e a autonomia
universitária tem ignorado as lições do ilustre republicano diamantinense Juscelino Kubistchek
de Oliveira, que era um defensor implacável e visceral da democracia em nosso país. Ele
acreditava que de uma democracia sem continuidade não se esperam resultados benéficos
duradouros. E ele enxergava as universidades como instrumentos preferenciais da democracia.
Lembro a todos que a pelerine do reitor é branca porque representa todas as áreas do
conhecimento. A passagem dela, de um reitor que está deixando o cargo para um reitor que o
está assumindo, representa a essência da democracia. E como a democracia na UFVJM foi
ferida de morte, essa essência se perdeu momentaneamente, não fazendo sentido esse ato de
passagem. Nessa página infeliz da história da UFVJM, o que faz sentido é apenas o poder que
a pelerine branca representa sobre os ombros de quem a veste agora.
Coincidentemente ou propositadamente, a solenidade de transmissão do cargo de reitor ocorre
em 12 de setembro, dia do aniversário de JK. Então eu vou aproveitar e respeitá-lo, não
participando dessa solenidade. Com isso, também manifesto o meu respeito à vontade popular
e continuo comungando com os ideais democráticos do maior estadista brasileiro.
Infelizmente eu passei pela triste experiência de sofrer calúnias, difamações e denúncias
totalmente levianas e infundadas, com objetivos explícitos de desonrar a minha imagem e
desqualificar os meus méritos como administrador público. Tudo isso para que o meu nome
não fosse escolhido pelo atual governo federal, mesmo sendo o primeiro da lista tríplice por ter
vencido a consulta à comunidade acadêmica. O meu nome acabou sendo rejeitado sem
nenhuma justificativa técnica que me desabonasse. O principal argumento foi a falta de apoio
de políticos vinculados ao atual governo federal, uma vez que pesava contra o fato de eu ter
recebido o ex-presidente Lula na universidade, em outubro de 2017, e entregado uma placa de
agradecimento em razão de a UFVJM ter sido criada durante seu governo.
Apesar de ter sido injustamente preterido, não mantenho ressentimentos e não nutro espírito
de revanchismo. Pelo contrário, sinto-me em paz e muito satisfeito pelo reconhecimento da
comunidade acadêmica da UFVJM e pelo sentimento de missão cumprida.
Nós recebemos uma universidade convulsionada, com uma enorme dívida, e entregamos uma
instituição estabilizada e organizada administrativa e financeiramente. Nós fortalecemos o
regime democrático dentro da UFVJM. Tenho convicção de que fui correto em todos os meus
atos administrativos e fui justo com todos que dependeram de mim.
Inspirado nas palavras do aniversariante Juscelino Kubistchek, eu também posso dizer: o meu
mandato foi forte, pois eu administrei perdoando.
Que a minha ausência na solenidade de transmissão do cargo de reitor não seja vista como
uma deselegância com os conselheiros do Consu e, muito menos, um descaso com a nossa
instituição e comunidade. Mas que seja considerada um grito pela defesa inegociável da
democracia e da autonomia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Diamantina, 12 de setembro de 2019.
Gilciano Saraiva Nogueira
Ex-reitor da UFVJM
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