segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Capelinha: Uma guerra entre canários e pardais

Por Douglas Lima*
Uma guerra acontece em Capelinha, do nascer ao por do sol.
Não, não falo dos conflitos humanos. Eu me refiro à constante porradaria entre canários e pardais.

Enjaular canários era paixão municipal em Capelinha, não muito tempo atrás. Se aparecia um canário solto na vizinhança, que só podia ter fugido de alguma gaiola defeituosa, rapidamente 3 ou 4 passarinheiros se armavam de arapucas e alçapões para perseguir o pobre indefeso.

Enquanto a liberdade era estado raro para os canários, os pardais tomavam conta dos céus. No Vale do Jequitinhonha, a relação entre aglomeração urbana e pardal é tão certa quanto a correlação entre chuva e caos em Belo Horizonte. Onde tem uma, com certeza tem o outro.

Todo mundo odiava pardais em Capelinha, no Alto Jequitinhonha, nordeste de Minas, quando eu era moleque. Vistos como pássaros sujos, anti-higiênicos e irritantes, em nada lembravam a poética "sinfonia de pardais" cantada pela Roberta Miranda. Mas ninguém fazia nada para eliminá-los. Na verdade, o modo de vida de adultos e crianças favorecia o reinado dos pardais. Eram abundantes os buracos nos telhados, bons para construção de ninhos e refúgios. Não faltavam fontes de comida nos quintais grandes e arborizados. Finalmente, moleques estilingueiros passavam o dia atirando pedras nos competidores emplumados dos pardais: rolinhas, tizius, papa arroz, coleirinhas, tico-ticos.

As coisas mudaram em algum momento dos últimos 10 anos, quando a polícia florestal passou a autuar criadores irregulares e soltar pássaros sem registro. Foi assim que os canários saíram do cativeiro. Longe das gaiolas, aumentaram rapidamente a população e passaram a tocar o terror nos pardais.

Eu não gostaria de estar na pele, digo, nas penas de um pardal. Os canários passam o dia apezinhando os oponentes. É um sem fim de bicadas, unhadas e toda variação de agressões possíveis com bicos e unhas. Os pardais invariavelmente levam a pior. Solitários que vivem, são alvos fáceis dos canários, que às vezes agem em grupos de 2 ou 3. Só que brigas no um contra um são mais frequentes.

Está lá o pardal, repousando na rede elétrica, pensando na vida e na próxima refeição, quando do nada é surpreendido por um canário que chega dando voadora. Os arruaceiros não se contentam em bater. Colocam os rivais pra correr, digo, pra voar em debandada. "Sumam daqui pardais feiosos", parecem trinar os belos canários, que de fofinhos têm apenas a aparência.

Elaborei três teorias sobre as causas da guerra:

1. Os pardais apanham porque depois do longo reinado em liberdade, sem enfrentarem concorrência no seu nicho ecológico, perderam a agressividade natural que antes tinham.

2. Os pardais sempre foram seres pacíficos, voltados à formação de uma sociedade passarinhística livre e igualitária, enquanto os canários são capetinhas emplumados que só querem causar desordem.

3. No período em que estiveram presos, os canários guardaram ressentimento de seus irmãos pardais, que nada fizeram para ajudá-los. Após se libertarem dos presídios gaiolísticos, criaram uma facção criminosa e estão indo à forra, tomando o controle dos estoques de comida e dos locais para construção de ninhos.

Em breve, minhas investigações ornitológicas serão interrompidas com o fim das férias. A "diversão" enfadonha nos meus dias em Belo Horizonte será acompanhar as trapalhadas e imbecilidades do governo do dia. Prefiro muito mais "canários vs. pardais". 

Mas pensando bem, será que estamos tão diferentes dos passarinhos brigadores?

Douglas Lima é natural de Capelinha. Mora em Belo Horizonte.

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